O ser humano tem uma visão da realidade extremamente limitada. Conseguimos perceber somente uma pequena fração da nossa realidade e, cada vez mais, ela vem filtrada via televisão e mídias sociais. Este artigo visa lembrar uma parte da nossa realidade que frequentemente está esquecida entre as disputas eleitorais e os alertas de crime – a nossa casa comum, o planeta Terra.
O enquadramento de assuntos, chamados ‘framing’ em inglês, se faz em qualquer discussão. Neste caso, vamos usar movimento para enquadrar a nossa casa. Será que ela se mexe? Se você está lendo este artigo numa cadeira, feche os olhos por um segundo e abra-os novamente. Nada mudou? Aparentemente não, mas a rotação da Terra vis-a-vis o Sol levou você 800 metros ao leste. A passagem da Terra ao redor do Sol, vis-a-vis a estrelas vizinhas, transportou você 30 km. O movimento do sistema solar na Via Láctea relativo a galáxias distantes arrastou você 220 km e a galáxia que também está em movimento levou você 1.000 km. Uma viagem de um segundo em várias direções é uma realidade que raramente observamos, mas cada dia viajamos cerca 40 mil quilômetros para ver o sol nascer novamente, mesmo não sentindo este movimento. A nossa casa, como se pode ver, se mexe e leva a humanidade numa viagem estupenda, mesmo não percebida.
Ficamos cerca de 150 milhões de quilômetros do Sol, um reator termonuclear que permite estarmos vivos neste planeta. Graças à energia solar e ao efeito estufa natural, a Terra tem água líquida que permitiu à vida evoluir. Nos planetas vizinhos, a vida, como conhecemos, seria difícil, se não, impossível.
Vênus tem uma atmosfera de quase 100% de gás carbônico com noventa vezes a pressão atmosférica da Terra e temperatura média na superfície de 460 graus C, mais quente do que a temperatura de fusão do chumbo.
Marte, por outro lado, tem uma atmosfera tênue, com uma pressão atmosférica de 0.8% da Terra e uma temperatura média de -61 graus C. Viagens recentes de sondas a Jupiter, Saturno, Netuno e Plutão indicam que no interior de algumas das suas luas poderiam ter água na forma líquida, mas certamente as condições são extremas, mesmo assim.
Temos sorte de estar no planeta Terra para poder sobreviver, e a nossa sobrevivência depende de coisas invisíveis, que fazem também parte da nossa realidade.
Uma das coisas invisíveis é o oxigênio, sem o qual teríamos poucos minutos de vida. A biosfera funciona principalmente porque as plantas usam energia solar para gerar oxigênio molecular e os organismos usam este oxigênio e carbono na forma orgânica para gerar energia, isto é, viver.
Os ciclos de oxigênio e carbono são interligados e têm mantido a concentração de oxigênio na atmosfera a cerca de 20% ou 200.000 partes por milhao (ppm) sem grandes perturbações nos últimos quinhentos milhões de anos. Podemos agradecer a biosfera pela oportunidade de respirar.
Duas outras coisas invisíveis – gás carbônico e vapor d´água – ajudam a manter a Terra habitável. Gás carbônico é fundamental para fotossíntese e para manter a temperatura da Terra. Geralmente se mede este gás em concentrações entre 180 e 300 ppm nas últimas centenas de milhares de anos.
Vapor de água e sua transformação em líquido e em gelo serve como um mecanismo de transferência de calor e regulação da absorção de energia solar na Terra. Ao lado do oxigênio e do gás carbônico, o vapor de água é mais um dos fatores críticos, porém invisíveis, que permitem que a biosfera mantenha a Terra funcionando como lar para humanidade.
Às vezes deixamos os problemas como a crise econômica ou violência urbana dominarem as nossas cabeças, esquecendo que eles são meramente parte da nossa paisagem no universo. Um antídoto para aliviar esta ansiedade, talvez seja sentar numa cadeira, fechar os olhos por alguns segundos.
Nestes segundos podemos lembrar que estamos viajando com a nossa galáxia numa maravilhosa nave espacial dependente em pelo menos de três coisas invisíveis e que esta nave espacial já andou durante centenas de milhões de anos com a sua carga preciosa de vida.
Abrindo os nossos olhos de novo, vale lembrar que a humanidade está mensuravelmente afetando as três coisas invisíveis – oxigênio, gás carbônico e vapor de água. Estamos modificando a nossa casa durante a nossa viagem. Resta saber se vamos aprender a fazer esta modificação melhorando no lugar de deteriorando a nossa única nave espacial que temos num universo inóspito.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (Ufac). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da Ufac. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). [email protected]