Na condição de pesquisador simplório da cultura do Oeste dos EUA, fui ver nos meus alfarrábios e encontrei um caso quase tão bárbaro quanto ao acontecido semana passada numa sessão de cinema na cidade de Aurora, no Estado do Colorado, que ceifou 12 vidas e deixou, pelo menos, 58 feridos.
Owen Devereaux, advogado, Coronel dos Estados do Norte na Guerra Civil Americana (1860-1865) contra os Estados Confederados, bombardeou um acampamento confederados que já tinha hasteado a bandeira branca de paz, matando centenas de soldados indefesos. O trágico da carnificina é que a Guerra já tinha acabado, e o Coronel sabia. Mais tarde em seu diário leu-se o seguinte relato: “Hoje matei uma centena de homens, não queria matá-los, que houve comigo… será que estou enlouquecendo”. Cá entre nós, leitor: Teria o coronel Owen sofrido um surto psicótico? Após o fim da Guerra, o Coronel Owen se torna juiz territorial do hoje Estado do Colorado. Entre as suas sandices, a história documenta o incêndio de dezenas de casas duma pequena comunidade, por sua determinação.
Tenho escutado dos quatro cantos do Brasil, um enxame de autoridades competentes em anomalias desse gênero dando as possíveis causas para sinistros do “tipo” Realengo, Aurora, Caso Yoki, etc.. A principal, advinda dos psicólogos e psiquiatras, indica que o descontrole emocional e a consequente estupidez criminosa teriam como causa um suposto “surto psicótico” ou “lapso de memória”. Sou deveras estulto para aceitar por melhor que seja o argumento que alguém fora de si sob surto psicótico ou lapso de memória, consiga pensar em poucos minutos, numa saída cruel, perversa e premeditada, em cortar a tela de proteção da janela (caso Isabela) e jogar friamente, numa tentativa grosseira de simular acidente, o corpo no vazio. O caso do médico Farah, é mais difícil ainda de imaginar. Mesmo “inconsciente” ele conseguiu manter a perícia com o bisturi, talvez por horas, e dividir o corpo pelas articulações, em nove partes. O cirurgião ainda retirou a pele de parte do rosto e do peito da vítima. E o que dizer do predador do cinema da cidade de Aurora? Não, nada de surto psicótico!
A resposta mais óbvia, destes casos horripilantes, para nós, simples cidadãos, bem como para o senhor presidente do EUA, que em fala à nação americana disse desejar saber o que leva alguém causar horror aos seus semelhantes, é insanidade! Pelo menos, essa é a resposta de Jake Meyers cidadão comum do Estado do Colorado. ‘FOI INSANO!” disse Meyers.
Essa insanidade permeia o planeta terra. Está em todos os segmentos e culturas humanas. Doidice voraz! Voraz é tudo que subverte ou consome e destrói. No tempo dos brucutus a luta por alimento ensopou de sangue o planeta e oferece um fundo bem negro à débil luz da civilização. Não deixa de ser irônico que hoje as urbes estejam ensopadas de sangue na luta não por pão, mas por drogas. Ali, na luta pelo pão, se justificavam as mortes; aqui, nas lutas pelas drogas, são injustificáveis. O homem primitivo era cruel porque tinha que ser cruel. A mais escura página da existência humana é a história da tortura primitiva, e do prazer causado pela dor alheia. Entre muitas tribos o homicídio causava menos horror do que causa hoje a nós. Grande parte desta crueldade estava associada à guerra. Essa animalidade primitiva é totalmente irracional, à luz dos nossos códigos de ética, e nos faz pensar que o mal no homem não é apenas limitação ou privação do bem, como queria Santo Agostinho, atraso ou negatividade dolorosa. É um estado de guerra que faz com os homens se movam pelo desejo de adquirir bens, poder e prestígio (Hobbes). É a destruição do homem pelo homem, que no dizer de Nietzsche (Genealogia da Moral), é a maior e mais inquietante de todas as doenças, da qual a humanidade ainda hoje não está curada, o homem, doença do homem, doente de si mesmo. Insano!
Essa insanidade generalizada faz com que convivamos “numa boa” com matanças em massa de civis, pessoas inocentes de pequenas nações que são invadidas por outras mais potentes em armamentos bélicos. Aceitamos com alguma satisfação e até justificamos, os confrontos urbanos entre polícia e “bandidos”, a morte daqueles que consideramos maus à sociedade. Afinal, dizem por aí: bandido bom é bandido morto!
Na verdade esses crimes insanos nos remetem a uma reflexão sobre o paradoxo da condição humana: Nossa dignidade e nossa depravação. Nós somos igualmente capazes do mais sublime gesto de nobreza e da mais vil crueldade. Num momento podemos comportar-nos como Deus, a cuja imagem o homem foi criado, para logo depois agirmos como animais, d os quais deveríamos diferir completamente.
Enquanto isso, os habitantes das cidades do Estado do Colorado EUA, perplexos e assustados com o sinistro, se voltam às armas. O número de vendas de armas, em todo o Estado, subiu radicalmente, após o terrível tiroteio. É o velho Colorado, onde a pistola era a lei, que ressurge!
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