* Acadêmicos da Faao fazem manifestação hoje por causa de jovem desaparecida
Após 10 dias, o paradeiro da acreana Sabrina de Lima Aciole, 17 anos, continua um grande ponto de interrogação. A família suspeita que ela tenha sido aliciada por uma quadrilha de tráfico de pessoas com base em conversas encontradas nas redes sociais da jovem. Apesar das provas, existe uma barreira do preconceito e da negação que dificultam na atuação das autoridades.
Para cobrar agilidade da polícia e sensibilizar a sociedade em relação ao desaparecimento de Sabrina Aciole e também a possibilidade de ela ter sido traficada, os acadêmicos da Faao, instituição onde a jovem cursava Direito, organizam uma manifestação para hoje, dia 18, às 14h30, em frente à própria faculdade.
Os estudantes preparam cartazes e devem fazer barulho para chamar a atenção de todos para o perigo. A família também garantiu presença no local e apoia o movimento.
Acredita-se que Sabrina tenha sido instruída em como proceder para não ser localizada. A estudante costumava relatar o seu estado de humor nas redes sociais e isso pode ter atraído os criminosos.
A jovem foi vista pela última vez nas imagens das câmeras de segurança da Rodoviária de Porto Velho, em Rondônia. A filmagem mostra a adolescente descendo do ônibus, informando-se no local e retornando para o veículo, que seguiu viagem.
A família alega que outras duas adolescentes, que não tinham nenhum contato anterior a isso com Sabrina, estavam realizando o mesmo tipo de viagem. Uma delas é de Brasileia e um Boletim de Ocorrência já foi registrado pelo desaparecimento.
O caso de Sabrina começou a ser acompanhado pela Polícia Civil e hoje prossegue com a Polícia Federal. Contudo, o fato de Sabrina ter ido sozinha, conforme mostram as imagens da câmera da rodoviária, não pareceram animar muito as autoridades no início.
A família rebate e volta a frisar que ela é menor de idade e que alguém a aliciou. O fato é que 10 dias após Sabrina ter se despedido pela última vez da mãe não há nenhuma resposta de onde ela possa estar.
Os acadêmicos e a família convidam a todos para participar da manifestação que quer dar um basta a tantas meninas e mulheres desaparecidas, possíveis vítimas do tráfico de pessoas.
Quebrando preconceitos
O que a família de Sabrina Aciole, acadêmica de Direito da Faao desaparecida desde o último dia 8 de agosto, está passando não é caso isolado. Enfrentar o preconceito das pessoas e, também, das autoridades é comum quando se trata do sumiço de garotas.
Quando uma menina desaparece, a sociedade logo trata de julgá-la. “Deve ter fugido com o namorado”, “Deve ter ido para a casa de uma amiga”, “Deve estar fazendo charme”, “Se foi com as próprias pernas então foi porque quis”. Essas são só algumas das frases mais ouvidas quando isso acontece. Mas o caso precisa de uma atenção especial despida de qualquer preconceito.
O diretor de Proteção Social Especial da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (Semcas), Fábio Fabrício Pereira da Silva, atua diretamente com pessoas em situação de vulnerabilidade. E em todos os anos de serviço identificou algumas situações caracterizadas como tráfico de pessoas.
Ele explica que existem vários formas e fins do tráfico humano. Nem todos acontecem como retratados em filmes de Hollywood ou nas novelas. Nem sempre a pessoa é raptada e mandada para um país distante.
É importante entender que traficar pessoas significa recrutar, transportar, transferir ou abrigar pessoas para fins de exploração, seja ela qual for. Trata-se de uma transição comercial iníqua e ilegal. É um crime que viola a dignidade humana, em todas as dimensões.
“O tráfico trabalha com sonhos. Pratica o crime quem aliciou, quem transportou, alojou, quem ofereceu à menina algo que não existe para conseguir explorá-la. O tráfico nem sempre é com força ou ameaça. Algumas pessoas sabem que irão ganhar dinheiro com aquilo, mas chegando ao destino, a primeira coisa que os aliciadores fazem é tomar os documentos dela. Algumas delas nem se veem como vítimas”, relata.
São alvo do tráfico a juventude empobrecida, populações excluídas, minoria étnicas, meninas que fogem da violência do núcleo familiar, refugiados imigrantes e grupos em situação de vulnerabilidade econômica e social; em sua maioria mulheres, adolescentes e crianças.
Em 2001, a Polícia Rodoviária Federal realizou nas fronteiras a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes (Pestraf). O documento apontou o fluxo das rotas de tráfico de pessoas no Brasil. A Região Norte é a principal rota, com 76% do fluxo, seguida do Nordeste, com 69%, Sudesde, com 35%, Centro-Oeste, com 33%, e o Sul com 28%.
Ainda segundo a Pestraf, 75% das pessoas traficadas no mundo são mulheres, infanto-juvenil e afrodescendentes com idade de 10 a 29 anos.
Um diagnóstico da Secretaria Nacional da Justiça em 2012 apontou que 71% das pessoas vítimas desse tipo de crime são para a exploração sexual e 29% para o trabalho escravo.
Fábio Fabrício lembra um caso recente de uma jovem da Cidade do Povo que foi levada para a Itália. A prima dela facilitou a situação. Contudo, ao chegar lá o criminoso viu que ela era homossexual. “Ela não ficou muito tempo na Itália. Quando viram que se tratava de uma menina homossexual disseram que erraram na encomenda. Não chegou a ser explorada sexualmente, mas levou alguns socos”, relata.
A jovem conseguiu procurar ajuda da Igreja Católica. As freiras pagaram a passagem de volta para o Acre e hoje, segura, sua identidade é mantida em sigilo.
“Diz o protocolo que o tráfico é mediante engano, rapto ou fraude. Ele se reveste, por exemplo, de um convite para ser modelo em um canto tal”, explica Fábio.
Inicialmente, o tráfico humano era caracterizado para os fins de exploração sexual, para remoção de órgãos, para adoção ilegal e para o trabalho escravo. Posteriormente as modalidades se expandiram para também a servidão doméstica.
No Acre é muito comum crianças e adolescentes do interior serem levadas para a Capital para ajudar nos serviços domésticos da casa dos patrões. Geralmente a história começa com uma família oferecendo estudos e vida melhor para a jovem, que tem a permissão da mãe pobre. No entanto, ao chegar ao novo lar, o sonho se torna pesadelo.
“A menina é proibida de estudar ou sair sem permissão e é obrigada a cuidar de todas as tarefas da casa. Às vezes chega a apanhar por não fazer algo certo. Ela também é abusada sexualmente pelo homem da casa e também pelo filho mais velho. Isso tudo também é tráfico de pessoas”, explica Fábio.
O diretor de Proteção Social Especial da Semcas também dá destaque a uma apelação criminal de um caso de 2006. O documento, que é público, relata a denúncia de duas meninas menores de idade que foram aliciadas para trabalhar na Bolívia. A oferta era que elas receberiam passagens aéreas, residência, comida e despesas com passaportes para que trabalhassem na boate do acusado. Lá, além de induzirem os clientes a consumirem no estabelecimento, poderiam fazer programas sexuais, nos quartos localizados na boate, permanecendo com os ganhos de tal atividade. No mesmo período outras adolescentes foram aliciadas e aceitaram o serviço.
Contudo, as vítimas relatam que em La Paz tiveram seus passaportes apreendidos e eram obrigadas a pagar pela comida, médicos e a viagem realizada até a capital boliviana, não tendo a vida ‘fácil’ prometida pelos acusados. E, também, que na casa em que residiam havia muitas garotas, de diferentes nacionalidades – paraguaias, peruanas, colombianas e cerca de 20 brasileiras, todas nas mesmas condições, trabalhando na boate dos acusados.
Na época, Ivan Guillermo Rodrigues Trujillo, dono da boate, foi condenado pelo então juiz federal Jair Araújo Facundes. O caso é real e foi configurado como tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
O perigo mora ao lado
O jornalista boliviano Wilson García Márida procura exílio no Brasil após descobrir acidentalmente um esquema de tráfico humano em Pando, na Bolívia. Ele afirma que um ministro e uma deputada estão envolvidos no caso.
Wilson diz que em Pando há uma casa de prostituição com meninas feitas de escravas do sexo. Em sua maioria, as meninas e mulheres são brasileiras, nascidas em Rio Branco. Ele denuncia, inclusive, que é comum algumas desaparecerem para sempre, sem vestígios.
O jornalista se tornou perseguido pelo ministro envolvido e se viu em perigo. Por isso, deixou a família para trás e veio procurar exílio no Brasil.
Apesar de tudo, ele diz que isso faz parte da sua profissão e que não se calará diante de crimes cometidos por poderosos.
Rede Um Grito Pela Vida
“Um grito pela vida tão sofrida quero ouvir!
Milhares de outras vozes solidárias vão se unir!
Não mais o trabalho escravo, não mais a exploração!…
No grito, a dor e o pranto
Do canto-libertação.”
Dezenas de pessoas se reuniram na semana passada no auditório da Fadisi, em Rio Branco, para entoar esse hino da Rede Um Grito Pela Vida em um coro. Tratava-se do II Congresso Internacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O evento contou com palestras da representante da sociedade civil na ONU, Margareth Mayce, e da escrivã da Polícia Federal, Alieh Maria Gabriel Gadelha.
“Um Grito Pela Vida” é uma Rede Inter congregacional e Inter institucional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Faz parte da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) e integra a Rede Internacional Talitha Kum.
De acordo com a articuladora da Rede, irmã Isabel do Rocio Kuss, “Um Grito Pela Vida” atua no enfrentamento ao crime de tráfico com ações de sensibilização, prevenção, informação, capacitação, mobilização social e incidência política, principalmente contra o tráfico para fins de exploração sexual. A Rede age em parceria com organizações não governamentais e governamentais, movimentos sociais e outras instituições da sociedade civil.
“Tem que ser uma rede de diversos nós. O nosso papel não é punição e nem investigação. Nosso outro objetivo é a capacitação de líderes que irão ajudar no enfrentamento ao tráfico”, afirma Isabel.
O crime de tráfico de pessoas pode ser denunciado pelo disque 100 e 180.