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Quando o Papai Noel não vem


Somos induzidos, desde a mais tenra idade – seja pelos nossos pais, seja pela comunicação de massa – a enxergar no Natal um momento mágico em nossas vidas, quando a família se reúne em torno de uma farta mesa e faz a troca de presentes. A magia se completa com a visita imaginária de um bom e alegre velhinho, de longa barba branca, que na madrugada do dia 24 de dezembro, sai distribuindo presentes mundo a fora.

Mas quando Papai Noel não vem? Quando os sonhos de criança são estilhaçados pela miséria de seus pais? Quando a mesa está vazia?  Situações angustiantes, conhecidas de perto pela dona- de-casa Maria Raimunda Silva Almeida e seus nove filhos. Abandonada pelo marido quando descobriu que tinha câncer, ela vendeu tudo que tinha para poder pagar o tratamento.

Endividada, alugou a casa – único bem que lhe restou – e vive com os filhos num pequeno cubículo numa invasão da Capital. Os duzentos e cinqüenta reais provenientes do aluguel, junto com o benefício do Bolsa Família, totalizando em torno de R$ 350,00, é o dinheiro que ela tem para pagar as dívidas e dar de comer aos filhos.

Durante a visita de A GAZETA, ontem, 23, meio quilo de farinha e algumas torradas, eram os únicos alimentos que ela tinha para oferecer aos filhos. “Esperamos que Deus toque no coração de alguém e que esta pessoa tenha misericórdia da minha situação e dos meus filhos. É muito triste para uma mãe vê seus filhos chorar pedindo comida e não ter o que oferecer a eles”, disse em lágrimas.

Chovia forte no momento da nossa visita. Sentadas no assoalho do pequeno barraco, as crianças davam vazão aos seus sonhos infantis e ao mesmo tempo se demonstravam consciente de que mais uma vez não iriam receber a visita do Papai Noel. Bonecas, bolas, celulares, estão entre os presentes desejados, mas na hora de fazer o pedido a comida abre a lista de prioridades, seguido de utensílios de primeira necessidade, como cobertores e colchões.

Na mesma invasão onde vive a Maria Raimunda, encontramos a sonhadora Aiane Souza Araújo, de 9 anos. Ela passeava na chuva numa bicicleta do vizinho e teve prazer em nos conduzir até a sua casa. “Minha mãe é doente, não devo ganhar presente neste”, respondeu ao ser perguntada qual era a programação da família dela para o dia 24 de dezembro.

Seguindo por ruas escorregadiças, chegamos à residência da Aiane. A mãe dela, Rai-munda Cordeiro de Souza, nos esperava com um largo sorriso no rosto. Além de Aiane, Raimunda tem outros cinco filhos e nos revelou que até hoje não teve a alegria de presenteá-los no Natal. “Vivo do dinheiro do Bolsa Família. Antes era R$ 80,00, agora aumentou para R$ 120,00, mesmo assim ainda é muito pouco manter a casa”, disse,

Raimunda é epilética e, por conta das constantes crises não consegue trabalho. Ela conta com a solidariedade da comunidade vizinha para alimentar os filhos. Minutos antes da nossa visita, ela tinha recebido um pouco de carne de um senhor que construía uma igreja na invasão. “Os meus filhos estão lá ajudando ele na construção e ele nos recompensa com comida”, disse.

Aiane acaba de ser aprovada na segunda série e faz planos para o próximo ano de estudo. Seu maior desejo é ter a sua própria bicicleta e poder chegar mais rápido a escola, localizada no bairro Taquari. “Eu ando muito para chegar na escola, depois ainda tenho que voltar de novo a pé, se eu tivesse a minha própria bicicleta seria melhor”, observa.

Como a Aiane, milhares de crianças não vão receber a visita do Papai Noel neste Natal. Das 1.500 casas encaminhadas pela comunidade ao projeto Papai Noel dos Correios, por exemplo, apenas 100 vão ser atendidas, através de doações feitas por colaboradores. As 1.400 restantes serão descartadas.

O pior de tudo isso, é que além de não ganhar presentes, a grande maioria dessas crianças também não terá o prazer de degustar uma saborosa Ceia de Natal e as tradicionais guloseimas que a acompanham. É o triste retrato de como será este 24 de dezembro na casa de milhares de acreanos.

 

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