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A influência árabe no vocabulário português

O léxico de uma língua é um sistema in fieri e como tal vive em permanente expansão. No caso  específico do léxico da língua portuguesa, como ocorre com outros idiomas do mundo, ele recebe influências de outras culturas, – conforme tratamos em artigos anteriores, – ora tangido por influência francesa, espanhola, africana, indígena etc. Hoje falamos do legado árabe ao vocabulário da língua portuguesa.

A influência árabe foi marcante em todo o sul da Península Ibérica.  E, mesmo não havendo imposição religiosa e nem lingüística, os árabes, ao conquistarem a Península Ibérica, deixaram marcas profundas no léxico português. Conta-se em centenas os vocábulos árabes, comuns, regionais ou antigos, que o português, antes ainda de merecer este nome, fez seus, adaptando, na medida do possível, os sons da língua semita ao sistema fonológico próprio. Contudo, por muito importante que seja, esta contribuição limita-se, na verdade, quase exclusivamente, a substantivos, sendo virtualmente inexistentes expressões respeitantes às qualidades morais e outras noções abstratas.

 Assim, naquilo que toca à significação dos arabismos do portu-guês, apontam-se as seguintes  categorias semânticas: 1) designações de cargos e dignidades: alcaide, alferes, almoxarife; 2) termos castrenses: arraial, arrebate, alcácer, alcáçova, atalaia; 3) de administração: aldeia, arrabalde, alfoz; alfândega, alvará, almoe-da; 4) de plantas cultivadas e silvestres: arroz, algodão, alcachofra, cenoira, laranja, açúcar, alfarroba, alecrim, açucena, alfazema; 5) de profissões e indústrias: alfaiate, alveitar, almocreve, alvanel, algoz, azenha, atafona, adobe; 6) de unidades de medida: almude, arrátel, alqueire, arroba; 7) de animais: atum, alcatraz, alforreca, alacrau, javali, 8) de particularidades topográficas: albufeira, alverca, algar, lezíria, recife; 9) de artigos de luxo e instrumentos de música: almofada, alcatifa, marfim, alfinete, adufe, rabeca, anafil, alaúde; 10) de produtos agrícolas e industriais: azeite, ál-cool, alcatrão; 11) da vida pastoril: zagal, alfeire, rês, tabefe, almece; 12) de arquitectura: aljube, chafariz, açoteia, alvenaria; 13) das ciências exatas: algarismo, álgebra, cifra, auge, etc. Lembro, ainda, o adjetivo <<azul>>, o pronome indefinido <<fulano>>, a interjeição <<oxalá>>, a preposição <<até>>.

Compreende-se, então, que o léxico de uma língua de civilização, como a língua portuguesa, é extremamente complexo na sua composição, pois resulta de um trabalho multissecular de elaboração e de seleção, cujos princípios se situam bastante para além da época em que o português se manifesta como instrumento literário, nos primeiros documentos escritos. E, como sucede com o léxico das demais línguas de cultura, nunca será possível reconstituir todas as fases do vocabulário português e destrinçar a contribuição das muitas gerações que nele colaboraram até se constituir o magno edifício que hoje enche de orgulho o mundo da lusofonia.

DICAS DE GRAMÁTICA

XÉROX OU XEROX ?
As duas formas podem ser usadas: se você pronuncia como palavra oxítona, escreva xerox, sem o acento gráfico, a exemplo de outras marcas registradas que se tornaram nomes comuns, como pirex, gumex, perfex, durex etc. A opção é o vocábulo acentuado – xérox – de acordo com a norma ortográfica relativa às paroxítonas terminadas em x, tal qual fênix, ônix, látex e dúplex (também pronunciado duplex).
Quando existem alternativas de pronúncia e escrita, é bobagem ficar corrigindo as pessoas que falam ou escrevem diferente da gente. Deixando a escolha a cada um, vejamos outros casos de dupla grafia ou de uso optativo entre duas formas de se expressar:

· soalho e assoalho
· porcentagem e percentagem
· quatorze e catorze
· quota e cota
· quociente e cociente
· quadriênio e quatriênio
· mestria e maestria
· vitrina e vitrine
· nuança e nuance
· termelétrica e termoelétrica
· hidrelétrica e hidroelétrica
· garçom (pl. garçons) e garção (pl. garções)
· aluguel (pl. aluguéis) e aluguer (pl. alugueres)
· maquiagem e maquilagem
· abdome e abdômen
· germe e gérmen
· humo e húmus
· bile e bílis
· antisséptico e anti-séptico
· infarto e enfarte [mas não * infarte]
· destrinçar e destrinchar
· a maquinaria e o maquinário [mas não  * a maquinária]
· aterrissar e aterrizar [formação vinda de ‘aterrar + sufixo izar’, eis uma forma conciliadora para quem prefere a pronúncia com som de z]
· de tarde e à tarde
· de pé e em pé [no sentido de estar ereto sobre os próprios pés, não sentado nem deitado, enquanto ‘ir a pé’ significa deslocar-se sem veículo algum].

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras.

 

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