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Vítimas do DDT: “É o maior genocídio da história da Amazônia”, desabafa Aldo Moura


A história da Amazônia foi feita através da abnegação de homens e mulheres que desafiaram a inóspita natureza selvagem para construírem comunidades habitáveis na floresta. Como os ex-guardas da Sucam, que até o final dos anos 90, chegavam andar 32 horas por varadouros nas matas para lutarem contra o mosquito anofelino transmissor da malária. Carregavam nas costas 60 quilos de equipamento para borrifar o pesticida DDT. Para se alimentarem depen-diam da caridade dos moradores das colocações. Muitas vezes enfrentavam a fúria das donas-de-casa que reclamavam da desarrumação provocada pela aplicação do pesticida. “Saiam no cabo da vassoura, jogavam água em cima da gente e nos chamavam de cabeças brancas e urubus. Nós éramos muito humilhados. Não houve trabalho mais degradante do que esse”, conta Aldo Moura da Silva, presidente da Comissão Luta pela Vida, em defesa das vítimas do DDT, no quadro Boca no Microfone, da 93,3 FM.

Trabalho humanitário
Mas apesar de tantas dificuldades enfrentaram o flagelo da malária para salvar milhares de vidas nos recantos mais isolados da floresta. “Aqueles ex-guardas da Sucam que já faleceram levaram a certeza do dever cumprido porque salvaram milhares de vida na Amazônia. Não só com a borrifação e levando o antimalárico, mas salvando milhares de pessoas doando o nosso próprio sangue quando era necessário. Se alguém caía num rio era a gente que salvava, se tivesse um incêndio éramos nós que íamos apagar. Nós que erradicamos a paralisia infantil dando o pontapé inicial para levar as vacinas dentro da floresta. Carregávamos as vacinas nas costas levando saúde e dignidade e dias melhores para aquela população que morava no interior da Amazônia e que produzia o ouro branco que sustentava a economia do país. Hoje, me sinto um homem envergonhado de ter trabalhado e contribuído tanto para o desenvolvimento desse Estado e da Amazônia e ver a situação em que meus companheiros se encontram”, conta Aldo que trabalhou dez anos combatendo as endemias e contraiu dezenas de malária.

A ingratidão como recompensa
O empenho desses homens lhes custou à contaminação com o altamente tóxico DDT. Como recompensas padecem esquecidos pelas autoridades com seus fígados contaminados. Desde o ano 2000 já morreram 59 ex-guardas da Sucam. A grande maioria por complicações hepáticas transformadas em cirrose. O presidente da Comissão Luta pela Vida, Aldo Moura da Silva, também vítima do DDT, reclama que a Funasa além de não dar a assistência médicas adequada aos seus funcionários colocou um procurador jurídico que chamou recentemente os combatentes da malária de cachaceiros. “O Dr. Celso alega que contraímos a cirrose devido ao alto consumo de cachaça,” diz Aldo Moura.

A afirmação do procurador da Funasa soa como uma piada macabra. Mesmo que alguns ex-guardas da Sucam consumissem álcool isso não representaria a totalidade dos profissionais. Também não se pode fazer uma afirmação tão séria sem as devidas comprovações médicas. Será que os 59 ex-guardas que morreram eram todos alcoólatras? Isso é um absurdo que não se sustenta e só pode ser dito por quem não conhece a dura realidade da Amazônia.

Aldo Moura protesta contra o procurador. “Uma pessoa esclarecida como um procurador da Funasa devia saber que o DDT prejudicou os guardas que trabalhavam sem proteção. Todos os estudos que foram feitos apontam essas causas. A primeira denúncia da Raquel Cossom apontava que o DDT causava infecções no fígado que levava à cirrose. O procurador Celso Paiva que nunca veio na Amazônia, com seu relatório, dificultou para nós recebermos o tratamento e o auxílio adequado. Uma viúva dos guardas da Sucam que nunca tomou uma dose de cachaça está contaminada porque lavava as roupas do marido. Aliás, são todas as esposas dos guardas que tiveram contato com o DDT. Porque a gente trazia alimentação nas embalagens desocupadas sujas de veneno. Mas entramos com uma representação na Câmara de Medicina para que eles se manifestem em relação ao parecer do Dr. Celso e julgue através dos exames, que comprovam que estamos intoxicados,” afirmou.

Assistência tardia
O fato é que o Ministério Público Federal já determinou ações para ajudarem no tratamento dos ex-guardas. Sugeriu que o Ministério da Saúde e o Governo do Acre disponibilizem tratamentos adequados com médicos neurologistas, oncologistas e toxicologistas para todos os funcionários e familiares que tiveram o contato com o DDT. Mas parece que a determinação do MPF ainda não foi acatada. Os ex-guardas da Sucam e seus fami-liares continuam a se sentir discriminados e desassistidos.

Falta de apoio político à causa
Uma das reclamações de Aldo Moura é falta de atenção da classe política ao problema.  “A mobilização política é muito importante. Só quem teve a coragem de abraçar a causa foi a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e, nós precisamos de uma mobilização maior na Câmara Federal. Considero esse o maior genocídio da história contemporânea da Amazônia. Estivemos, em Brasília, e apresentamos esses problemas à Comissão da Amazônia. Mas quero destacar que não sou político, não estou procurando a promoção de cargos, não quero ser nem presidente de bairro. Estou lutando pela minha vida e dos meus companheiros. Pegamos milhares de chuvas e alagações, dormindo em currais, em granjas de galinhas, em celeiros infestados de ratos. Hoje as pessoas que estão no poder não conhecem a realidade dos guardas da malária e a importância que eles tiveram. Viraram as costas pelo fato de não ser uma causa política. Nós não deveríamos andar atrás dos políticos, mas eles deveriam nos procurar para saber o que está acontecendo. Foi para isso que nós colocamos eles como nossos representantes. Quero fazer uma ressalva aos deputados estaduais que fizeram um levantamento que culminou com um relatório que apresentamos em Brasília.

Os companheiros que faleceram deixaram suas marcas registradas elegendo deputados, senadores, governadores  e presidente da República. Mas acredito que haja uma luz no final do túnel com a viagem que vou fazer à Suíça para buscar aliados. Enquanto eu não ver resultados não vou me calar. A não ser que alguém cale a minha boca. Mas ainda assim iria na certeza do meu dever cumprido. Porque se foi uma missão que Deus colocou na minha mão vou cumpri-la a risca. Nós não queremos dinheiro, mas a nossa saúde de volta e a dignidade de sermos cidadãos brasileiros”, disse Aldo, que agradeceu o grupo A GAZETA pela dimensão que a causa ganhou. 

 

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