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Tríades ecológicas

1. Meu bom Artur Leite
Você que é sobrinho de Artur e filho de José, certamente não tem culpa porque não cometeu deslize algum. As palavras aqui apostas lhe são dirigidas porque amparadas na sensatez e na sensibilidade do homem público devotado às causas que visam fazer deste planeta a grande aldeia respirável que eu também quero.

Vá a quem de direito e relate, por gentileza, a história trágica que lhe transmito… Sim, chegamos às raias da tragicidade porque vivemos uma administração municipal que enxerga a cidade e o mundo em tons verdes, apesar de alguns dentre poucos, talvez com o objetivo de atirar pedras no bom trabalho, pratiquem atos completamente sem sentido.

Eis que, como de costume, viajamos de fé-rias, eu e minha troupe do bem. Uns são obe-dientes, outros são disciplinados e um deles passou no vestibular da Ufac para Engenharia Elétrica, em sétimo lugar. Mereciam e merecem o prêmio anual, o meu Nobel.

Moramos no Residencial Petrópolis, aqui bem em frente à AABB. Ao lado da vivenda, há um espaço verde que um dia será praça, conforme o projeto original elaborado há vinte e seis anos pela construtora que ergueu a pequena vila. É um local aprazível onde a maioria paga o imposto predial e territorial urbano, por todos estes anos a fio, sem nunca ter visto benefícios da municipalidade. Há duas décadas os daqui de casa, como também os vizinhos, respiram poeira no verão e comem lama no inverno… E vai-se devagarzinho, com muita cautela, cuidados e carinhos, tocando o bonde alegre dessa vidinha feliz e esperançosa…

A residência ficou sob a vigilância atenta dos bons vizinhos. Tudo transcorria normalmente até que, num feio dia, apareceu por aqui equipe bem fardada dizendo-se agentes da urbanização municipal, acatando, segundo eles, ordens de um chefe que por cá não apareceu sob a justificativa de não poder evadir-se dos ambientes refrigerados, climatizados, bacanas.

Meu camarada! Eu sei que você tem pouco a ver com isso, mas é uma pessoa sensível… Os aguerridos rapazes da Semsur, de posse de um trator robusto, não fizerem exatamente nada, nada mesmo. Apenas cometeram o crime hediondo que foi arrancar um pinheiro de mais de dois metros, plantado por mim, há uns dois anos. E queriam ampliar a maldição porque ameaçaram também botar abaixo dois pés de açaí de touceira, belíssimos, já dando frutos, também ali feitos germinar pelas minhas mãos sempre laboriosas. Certo é que um vizinho viu a sandice e não deixou que fosse cometida a segunda parte do delito. Os agentes da municipalidade ficaram com medo porque a eles foi dito que eu era metido a ecologista, que tinha vínculos com a imprensa e com o poder público…

E se foram, mas levaram consigo o meu indefeso pinheiro com a raiz para o céu. Ah, salafrários! Roubaram, sim senhor!… E eu peço que me façam a gentileza de devolvê-lo ao local de origem. Intercedei por mim, meu caríssimo! Trata-se de um bem que, como os açaizeiros, foi comprado a bom dinheiro naquela casa de plantas da Avenida Antônio da Rocha Viana.

Pedir a devolução é tão justo quanto é justo pedir que, ao invés de destruir o que cá está, como uma castanhola grandona e três enormes pés de fícus, a Semsur faça construir uma pequena praça onde eu, teimoso, plantarei mais árvores porque ainda escrevo livros e faço filhos cada vez melhores e mais orgulhosos do pai que têm. 

2. Ecologia humana
Faremos qualquer coisa por um belo par de olhos verdes. Mas quem os tem? Talvez a miopia e a senilidade já me confundem e não deixem ver que há diferenças marcantes entre as esmeraldas e as safiras. Olhos castanhos dificilmente se tornam verdes, a não ser pela força de lentes de contato tão modernosas quanto extravagantes e bregas.

Dia desses o Aluízio Júnior, do Partido Verde, disse a mim alguma coisa mais ou menos parecida com o que vai a seguir. Segundo ele, apenas a ecologia humana pode restabelecer a harmonia entre o homem e a terra ao estabelecer em primeiro lugar a harmonia entre o homem e o Céu, entre o homem e o homem e do homem para consigo mesmo. É assim que haveremos de transformar a atitude ambiciosa e ávida do homem para com a natureza, que é a base da exploração temerária dos recursos naturais, em uma atitude combinada e fundamentada na contemplação, na compaixão, na simplicidade e na cooperação. Bonito, não é? A Nancy Mangabeira Unger, no seu O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade, prega mais ou menos o mesmo princípio.

Pois bem. De certa feita, eu e minha guarda-vida empreendemos a caminhada diária por um outro caminho e findamos por nos perder entre os bairros Mocinha Magalhães e Rui Lino, aqui em Rio Branco. (Sim, porque há uns meus comparsas da elite que nunca viram ou ouviram tais denominações). Enveredamos, então, por uma estrada ao lado da Coca-Cola e, uns dois quilômetros adiante, começamos a perceber que podíamos dobrar à direita e já estaríamos no Tucumã… Ledo engano!

E haja pernada. E haja fôlego. Aí, apareceu uma rua tomada por botequins onde havia uma pagodeira, apesar da terça morna que findava. Muitos bebiam, inclusive as moças, algumas até bem apanhadas. Os rapazes tinham uns semblantes estranhos, talvez sintoma da bebedeira ou não-sei-lá-do-que-mais. Certo é que não fui tão atrevido ao ponto de abordar quem quer que fosse para uma análise sociológica que na hora não me interessava. Olhava apenas de soslaio, bastante temeroso…

Lá adiante, sentadas à porta da frente de uma vivenda humilde, vi duas jovens em trajes mínimos e um tanto andrajosos, de mais ou menos dezesseis ou dezoito anos, que catavam piolhos uma na outra. (Pasmem!) E mais umas cinco crianças que, sem roupa ou calçado, corriam levando consigo suas barrigas proeminentes, apesar da magreza. Uma delas defecava ao pé da escada bem próximo às moças de cabelos desgrenhados… Certamente, as demais logo pisa-riam nas fezes.

Em nenhum momento vi olhos de safira ou de esmeralda. Aquelas pessoas não são predispostas geneticamente a carregar consigo tal adereço natural, ou não têm berço e não podem comprar lentes de contato. Um dia um analista so-cial, ou colunista social, amigo meu, disse que eles não são bem-nascidos. São, então, mal-nascidos. São, sim, excluídos do mundo do trabalho. Não são exatamente vagabundos. Para eles, as oportunidades passam ao largo e só são vistas de relance a partir da soleira da janela das suas vidas entorpecidas e infelizes.

Onde estariam a simplicidade e a cooperação? Uma área verde ali bem próxima talvez os acolhesse com os seus sonhos juvenis. Talvez alguém os ajudasse a montar uma agroindústria para a fabricação de doces de frutas dali mesmo retiradas. Aí, a harmonia pregada pelos verdes, pela Nancy e pelo Aluízio Júnior estaria sendo transferida do sonho para a realidade, com certeza…
Façamos isso e façamos muito mais!

3. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável
Por desenvolvimento sustentável, em termos genéricos, compreende-se a possibilidade de o ser humano progredir, materialmente, sem a necessidade de agredir a natureza, numa alusão aos marxistas do século XIX. Para que tal intento seja alcançado, todavia, faz-se necessário levar ao homem o conhecimento sistematizado sobre as formas através das quais as agressões contra o meio ambiente sejam evitadas.

Genericamente, tal postulado denomina-se educação ambiental. A intelectualidade, encastelada na teorização do conhecimento, tem a mais perfeita e bem delineada noção da gravidade do momento e da importância da qual se revestem estudos que tenham por objetivo preservar o meio em que vivemos, sem deixarmos de progredir.

É oportuno lançar as bases de uma educação ambiental sistematizada que tenha como princípio e fim a conscientização das novas gerações, na escola. É preciso, então, averiguar e mensurar até que ponto os professores do ensino fundamental e ensino médio, das redes oficial e particular, têm informações mais sólidas acerca do tema. É oportuno observar o nível dos conteúdos informativos que estão sendo levados aos educandos, considerando que são eles – o público alvo maior – que estão na ponta do processo e que devem servir de multiplicadores das expe-riências positivas hoje levadas a efeito.

Que importância tem sido atribuída ao tema, inclusive, no âmbito das instituições de ensino superior, ao nível público ou privado? Há, é claro, dentre as ciências da natureza, a área de ecologia estudada em agronomia e engenharia florestal, além da biologia. Todavia, há também os cursos de licenciatura, que preparam os professores para as salas de aula. Neste caso, um professor formado em Letras, por exemplo, teria alguma informação mais sólida acerca da preservação ambiental? Como poder-se-ia estabelecer relação de conteúdos entre as disciplinas dos cursos de licenciatura e o tema em análise? Haveria, já, essa relação? Até que ponto a temática é abordada nas escolas públicas da zona urbana? E nas da zona rural? Os professores, hoje no mercado de trabalho, estariam preparados para incumbência de tamanha envergadura.

Creio, de antemão e sem análise mais crite-riosa, que o tema educação ambiental e desenvolvimento sustentável, concretamente, realmente, deveria fazer parte dos currículos, enquanto disciplina obrigatória, em vista da importância da preservação da natureza para o futuro da humanidade. A população, no todo, precisa de informações portadoras de uma prática efetiva que diga respeito ao cuidado para com os nossos recursos naturais. Tais dados e fatos seriam, obrigatoriamente, repassados de forma bastante criteriosa e metodologicamente correta.

É conveniente observar que os professores que estão na ponta do processo lidando com as jovens gerações não têm o devido preparo intelectual para o repasse de informações tão importantes das quais dependemos enquanto humanos. A Universidade, em convênio com o Governo do Estado, deve promover cursos de especialização em educação ambiental que tenham como foco central o desenvolvimento sustentável. Destes cursos deverão participar todos os professores das redes oficial e particular. Dependemos, é certo, de atitudes como estas. Assim, não pereceremos sob a égide da fome e da sede num planeta que um dia se chamou fartura.

A tese fica aqui perfeitamente fundamentada. A temática a que me proponho analisar, à luz do método científico, é da mais alta relevância para o desenvolvimento humano; tudo isto, é claro, a depender de agentes de financiamento que queiram custear tais estudos.

* João Cláudio Mota Porfiro é escritor.

 

 

 

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