Moacir José Sales Medrado
Não é de hoje que assistimos à devastação de nossos biomas e também não é de hoje que assistimos às promessas de recuperação do estrago feito e de geração de políticas públicas para fomentar tais interesses. Políticas públicas que, muitas vezes, não saem dos papéis e das pomposas festas políticas de lançamento. Basta ver o caso do PENSAF – Plano Nacional de Silvicultura com Espécies Nativas e Sistemas Agroflorestais que a meu ver “morreu na casca”.
Ao invés de restauração ou recuperação o que vemos é a continuidade e mesmo a expansão de exploração – em grande parte indevida – da Floresta Atlântica, do Cerrado, do Pampa, da Caatinga da Amazônia e mesmo do Pantanal.
Mas como o brasileiro é um sujeito reconhecido, em todo o mundo, como “inteligente” e como o “jeitinho brasileiro” é tido por nós como uma virtude, temos agora uma novidade para resolver a questão do nosso passivo ambiental rural.
Qual novidade?
A novidade é pagar as promessas não cumpridas de recuperação do passivo nacional com o desmatamento zero da Amazônia e com o estabelecimento “ad eternum” de 80 % de RL – Reserva Legal para as propriedades daquele bioma. Como lá tem menos gente para gritar e como qualquer ação ambiental na região, aos olhos do mundo, é multiplicada por mil vamos usá-la para adoçar a boca do mundo e continuar o estrago no restante.
Não estou querendo, em hipótese alguma, advogar a utilização indevida e irresponsável da Amazônia e nem estou querendo excluir a importância do estatuto de RL e APP – Área de Preservação Permanente.
O que estou querendo dizer é que nem a exuberância da vegetação nem a extensão do bioma deverão basear o estabelecimento da porcentagem de RL nas propriedades rurais. E, também, que não é justo com os amazônidas debitar-lhes o pagamento de tamanha dívida nacional e mundial com o “desmatamento zero ad eternum”.
A única justificativa, em meu ponto de vista, para tais idéias é nossa incapacidade histórica de recuperar, mesmo progressivamente, a cobertura vegetal dos biomas que já degradamos. Digo isto me referindo não somente ao Brasil mas a todos os países do mundo, em especial os “desenvolvidos”. Assim, o “jeitinho brasileiro” faz com que em nome do Meio Ambiente o bioma Amazônia passe a ser uma espécie de “fiança” para as “promessas” de recuperação ambiental estabelecidas por este mundão de Deus.
Então, pergunto: por que a Amazônia deve ser a responsável por segurar o estrago florestal feito nas outras regiões brasileiras e mundiais ao longo do desenvolvimento da humanidade? Por que a não exigência de recomposição de florestas nos diferentes países e regiões do mundo?
Pergunto ainda: – É plausível imaginar que assegurar a floresta amazônica intacta represente a forma ideal e mais inteligente de adequação ambiental?
Por isso, pensando no longo prazo e em nosso dever de casa, sou adepto da criação de uma espécie de contabilidade ambiental, que promova uma equalização à medida que forem sendo recuperadas as coberturas vegetais dos outros biomas no Brasil. Uma contabilidade que pese em um prato a “fiança” e em outro prato o “passivo” e que possa diminuir a fiança ao tempo em que o passivo pese menos.
Infelizmente, sei que as forças políticas e o capitalismo – principalmente o “moderno” – nunca discutirá a coisa nos moldes de uma contabilidade ambiental. Até porque eles entendem bem de contabilidade e de balanços e sabem da responsabilidade com que os dois devem ser tratados e sabem, também, que os movimentos sociais seriam os auditores desses mecanismos.
Basta ver a discussão do Código Florestal. Em alguns casos, “enzimatizado” por alguns segmentos da sociedade (vale aquí, essaltar a imensa quantidade de empresários e produtores que já estão certos da necessiddade de um bom Código Florestal) tem descambado para a idéia do uso do “desmatamento zero ad eternum” da Amazônia em troca de perdão indiscriminado a quem utilizou suas matas ciliares nas demais regiões brasileiras.
Pior ainda, é ver amazônidas (para muitos brasileiros de fora da Amazônia “apenas filhos da água e da floresta” mas que são brasileiros como todos os outros com sonhos e ambições de mesmo tamanho e valor) entusiasmados com a idéia de engessamento eterno da região em troca do pagamento de mau uso do solo feito por outros estados e regiões brasileiras ao longo de nossa história. O que dirão os bisnetos, os tataranetos – a geração futura – destes abnegados e ingênuos brasileiros?
Vamos advogar uma moratória onde a Amazônia possa suspender o desmatamento e assumir uma RL de 80% mas por prazo determinado. Uma moratória junto com: ampliação de investimentos em levantamento e caracterização de produtos não madeireiros de elevada densidade de capital; desenvolvimento de pesquisas em manejo florestal sustentável de uso múltiplo; geração participativa de sistemas de produção agroecológicos; estabelecimento de distritos florestais e agroflorestais visando a agregação de valor a produtos madeireiros e não madeireiros; desenvolvimento de infraestrutura (educação, saúde, energia – hidroeletricidade e biocombustíveis pautados em fontes regionais); aproveitamento do potencial pesqueiro.
Moratória já. Investimento amplo. Desmatamento zero “ad eternum” nunca.
Moacir José Sales Medrado
Doutor em Agricultura pela ESALQ
Diretor Geral da MCA – Medrado & Consultores Agroflorestais Associados