Tudo começou com a informação recebida dando conta que o militar acusado conversaria comigo, se fosse necessário. Procuro os meios legais e entro em contato com o comandante Romário Célio solicitando a sua autorização. Na conversa que mantivemos por telefone, ele me informou que eu teria que buscar autorização junto à Vara do Tribunal do Júri, com o magistrado responsável. O doutor Leandro Leri Gross, quando contatado, disse que a autorização deveria ser dada pelo próprio comando da PM, com o consentimento do acusado.
Vencidas essas etapas burocráticas, e sem o uso de câmeras ou gravadores, três dias depois me dirijo ao quartel da Polícia Militar, local onde estão detidos os dois acusados. Era final de tarde. Me apresento na portaria, me identifico e dois militares da guarda me atendem. Perguntam se tenho autorização e respondo que vou visitar o sargento acusado de homicídio. Perguntam se vou entrevistá-lo e eu respondo negativamente.
Um dos militares, com patente de sargento, me leva por um dos corredores. Subimos um lance de escadas e dobramos à esquerda no piso superior, onde está a sala que serve de prisão para os dois militares da companhia de Trânsito.
Entro no ambiente, dou boa tarde e os cumprimento. Um calor infernal e nenhum ventilador , duas camas, alguns pertences. Um ambiente de cerca de 18 metros quadrados com um banheiro. Na parte de cima, um basculante.
O aluno sargento F. Moreira é um homem franzino de pouco mais de 1,60m, cerca de 70 quilos, cabelos raleando, 24 anos de Polícia Militar e 45 anos de idade. Casado, pai de quatro filhos, evangélico. Estava vestindo uma bermuda, uma camisa de meia e usava chinelos. Não tem cara de truculento nem de arrogante.
Sento-me em uma cadeira e começo a conversar. Peço ao mesmo para fazer uma entrevista para a televisão. Ele não concorda, afirmando que é melhor não falar. Tento mais uma vez e peço para fazer uma entrevista para Agazeta.net. Ele, de forma educada, dá o calado como resposta.
Eu o deixo bem à vontade. Não insisto e coloco o meu celular em cima de uma pequena mesa. Era a forma de deixá-lo mais seguro. Afinal de contas, um celular é sempre um celular e causa grandes estragos.
O semblante do aluno sargento F. Moreira é de tristeza, remorso e total impotência.
Não parece o militar que no dia 23 de março de 1995, no posto de atendimento bancário do Banco do Brasil da Ufac, dia de pagamento dos funcionários da instituição, sozinho, enfrentou três assaltantes fortemente armados com pistola. Houve troca de tiros e dois assaltantes foram baleados. O terceiro empreendeu fuga e posteriormente foi preso. Também baleado nos braços, na mão e tendo uma bala transfixado seu tórax, o militar foi elogiado pelo ato de bravura. Como saldo dessa ação policial, ficou 15 dias internado em uma clínica e fez tratamento durante um ano no Hospital Sara Kubitscheck, em Brasília, o que lhe rende ainda dificuldades na articulação em um dos braços.
A realidade agora é outra. Olho para ele e pergunto o que aconteceu na noite do dia 25 de fevereiro, durante uma blitz da companhia de trânsito, que resultou na morte da estudante Edna Ambrósio e de ferimentos com arma de fogo em seu namorado.
F. Moreira não titubeia nas palavras e começa o seu relato, afirmando que era uma blitz de rotina. Porém, os policiais estavam muito atentos por se tratar de uma área considerada perigosa. Naquele dia, uma ou duas motos furtadas tinham sido apreendidas e, de repente, surge uma motocicleta furando o bloqueio, com o condutor não atendendo à ordem de parar.
Corto o seu raciocínio e pergunto: “Por que você atirou na moça?” O sargento olha para mim, é um olhar de tristeza e diz:
– Eu não atirei na moça. Atirei para o chão. Foram dois tiros disparados para o chão. O meu fuzil estava virado para baixo. Não sei como isso aconteceu.
Nesse momento, os olhos de F. Moreira se enchem de lágrimas. Ele passa as mãos no rosto, baixa a cabeça e diz:
– A perícia vai dizer se eu tive a intenção de cometer esse ato. E continua: “Eu tenho um filho com a tia da vítima. Conheço aquela família há mais de 20 anos”.
O sargento volta a chorar e me confidencia: “Edvaldo, nós policiais vivemos no fio da navalha”.
Do lado, em uma outra cama, está o soldado acusado de também ter efetuado disparos. Jovem, 30 anos. Peço a ele para fazer uma entrevista e ele não concorda, mas diz que vai provar sua inocência. “Não sou culpado. Vou lhe dá uma entrevista quando tudo for esclarecido”. Os olhos do soldado se enchem de lágrimas e ele chora.
Nesse momento entra na sala um outro militar, pede licença e entrega ao aluno sargento F. Moreira uma sacola plástica, contendo vários limões e um beribá que a mulher do mesmo tinha deixado na portaria.
Ao final da conversa, e por uma questão de ética, peço ao acusado para transformar a nossa conversa em um artigo. Ele concorda.
Início de noite, me despeço dos acusados, desço as escadas, um sargento me cumprimenta na portaria.
De um lado, uma família que sofre a dor da perda de um ente querido. De outro, militares que contestam as acusações. Teremos pela frente uma longa batalha jurídica.
*Edvaldo Souza é jornalista, ra-dialista, engenheiro agrônomo, bacharel em Direito, com pós-graduação nas áreas de Psicopedagogia e em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Apresentador do programa Gazeta Alerta, da TV Gazeta – Rede Record de Televisão.