Na mesa da conselheira Naluh Gouveia, no plenário do Tribunal de Contas do Estado, além das pilhas de papéis e livros com um incontável número de páginas, não pode faltar sua guampa com erva-mate, mais a garrafa térmica com água quente, para preparar o chimarrão, a tradicional bebida dos pampas sulistas. Nem mesmo pelos corredores da Corte não larga os utensílios necessários para preparar o chá.
Assim tem sido a rotina de trabalho de Naluh Gouveia nestes dois anos de Tribunal. Entre as leituras das papeladas técnicas com números e mais números das prestações de contas do governo estadual, seus órgãos, autarquias e empresas, ela tira um tempinho para dar um gole. No começo foi difícil para se adaptar àquele ritual e formalidade comuns dentro do TCE. Tudo muito mecanizado.
Durante suas falas, ela não escondia suas origens de discursos militantes no plenário da Assembléia Legislativa ou em cima de caminhões de som nas passeatas ou movimentos grevistas. Não que o tom, entonação ou emoção fossem os mesmos. Mas o tempo passou e ela agora se diz muito mais bem adaptada ao seu novo ritmo de atuação.
Até chegar ao Tribunal de Contas, Naluh Gouveia precisou atravessar um verdadeiro caminho de espinhos e pedras. A sua escolha para ocupar uma cadeira na Corte foi marcada por polêmicas. O direito de preencher a vacância era da Assembléia Legislativa. Naluh foi a escolhida entre os deputados. Daí surgiram as críticas. A primeira era de que a ex-petista não preenchia os requisitos para ocupar o cargo, como o “notório conhecimento em Direito”.
Em uma despedida que a levou às lágrimas, Naluh Gouveia deixava o Partido dos Trabalhadores e, minutos depois, sacramentada por seus pares como a mais nova conselheira do TCE, uma das instituições mais criticadas por Naluh, que a chamava de o “tribunal do faz de contas”. O tempo passou e a ex-petista se sente hoje muito mais madura ocupando o cargo.
Esta maturidade será colocada em prova este ano, quando em sua mesa estará a prestação de contas do governo Binho Marques, seu colega de longas datas desde os tempo de sala de aula como professores. Em uma análise inicial, Naluh Gouveia já mostrou que colocará em prática o velho ditado: “amigos, amigos, negócios à parte”. Como mostrou ontem A GAZETA, a conselheira definiu que o cumprimento da lei está acima de tudo.
O Palácio Rio Branco extrapolou seus limites tanto com a Lei de Responsabilidade Fiscal quanto com a resolução do Senado Federal que fixa limites para a capacidade de endividamento dos estados. O alerta foi enviado. Durante as análises da prestação de 2008 do governo petista, Naluh Gouveia adotará uma medida inédita dentro do Tribunal de Contas.
Em sorteios, a Corte fiscalizará in loco a aplicação das verbas públicas. Os conselheiros vão sair de seus gabinetes e analisar a real necessidade e eficácia do dinheiro público investido em uma escola, hospital ou delegacia de polícia. Esse modelo de fiscalização já é adotado pelo Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União. “Hoje não adianta só analisar o que foi gasto com base em papéis, é preciso ver como o recurso foi aplicado”, defende Gouveia.
“A proposta é saber até que ponto a construção de uma escola contribuiu para aprimorar o conhecimento daquela comunidade. O Tribunal de Contas não quer julgar mais as contas meramente com base em papeladas. Queremos saber se realmente a aplicação do dinheiro contribuiu para a melhoria da qualidade de vida do cidadão”, ressalta a conselheira.
Agora, diz Gouveia, o TCE vai ouvir a população, que é quem paga, através de seus impostos, todos os investimentos do Estado. A agenda de realização das audiências será feita a partir de maio, quando o governo entrega a prestação de contas referente ao ano passado. Um dos focos do tribunal estará na área da saúde. “Temos visto o governo investir muito neste setor, mas em compensação o número de reclamações por parte da população é bem maior”, diz.
De acordo com a conselheira, esse método de fiscalização faz parte da nova filosofia de controle dos órgãos competentes. “O controle está junto com o gestor e a população para saber até que ponto determinados benefícios realmente alcançaram a sociedade”, explica ela. Perguntada sobre como se sentia analisando as contas do governo do qual fez parte, Naluh diz que se sente à vontade para realizar o trabalho.