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Filhos de ex-hansenianos querem indenização do Governo Federal

A política de isolamento compulsório para pessoas com hanseníase, nas décadas passadas, os transformou em órfãos de pais vivos. Arrancados dos braços de suas mães logo após o nascimento, foram levados a abrigos e lá mantidos como prisioneiros.
No Acre, eles passam de mil e estão se unindo a outros milhares espalhados pelo país para ingressar com uma Ação Cível Reparadora pelos danos decorrente do tratamento preconceituoso e desumano a que foram submetidos.

Maria José da Silva Farias conhece bem de perto essa realidade. Ela tinha 12 anos quando, junto com o irmão de 8, foram levados de casa pela polícia e deixados em um abrigo de menores no município de Cruzeiro do Sul.

“Isso só não aconteceu antes porque a sociedade não sabia da doença de nossos pais. Quando se tornou público, passamos a ser tratados como os filhos dos leprosos e fomos separados deles em virtude disso”, conta.

Hoje, aos 49 anos, casada e mãe de quatro filhos, Maria José lembra com precisão o dia em que chegou ao abrigo. “Deram banho na gente e queimaram as nossas roupas. Por trinta dias ficamos isolados num pequeno quarto, onde mal dava para ficar em pé”, revela.

A exemplo dos pais, ela contraiu a doença, mas não chegou a ter seqüelas em virtude do tratamento iniciado logo no começo do diagnóstico. “Eu poderia ter sido tratada sem ser separada dos meus pais. Até hoje sofro com isso”, diz.

Segundo ela, a visita à família raramente era autorizada e quando isso acontecia uma série de restrições eram impostas. “A gente não podia tocar em nada, nem nos arames das cerca e tínhamos que dar a benção de longe. Essas visitas geralmente eram carregadas de muita dor e sofrimento”, conta.

Ela diz que o dano moral sofrido é irreparável, mas acredita que uma indenização é mais do que justa para proporcionar dias melhores para aqueles que foram excluídos do convívio familiar por puro preconceito social.

De acordo com o coordenador do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) do Acre, José Gomes da Silva, as mulheres atingidas pela hanseníase sofriam preconceito até mesmo por parte de médicos e parteiras da época.

“Muitas delas tiveram que dar à luz sozinhas ou então eram auxiliadas por parentes. Depois que a criança nascia era jogada dentro de uma caixa de papelão e levadas ao abrigo”, relata.

Conforme ele, a luta está apenas começando. A ação só vai ser proposta depois que tiver sido concluído o cadastramento nacional dos filhos apartados dos pais. O lema do movimento é: “fomos afastados, mas estamos juntos agora”.

Mais de 30 já morreram à espera da pensão especial
O Morhan acreano também luta pela efetivação da pensão de R$ 750 mensais, instituída por força da Medida Provisória 373, e que deveria ser paga a todas as pessoas que foram tratadas nos antigos hospitais-colônia até o dia 31 de dezembro de 1986.

De setembro de 2007, quando foi baixada a MP, até hoje mais de 30 ex-pacientes que estavam na lista de espera do benefício já foram a óbito. Dos 600 processos encaminhados à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da República, apenas 100 foram deferidos. Os pacientes que estão na lista de espera pela concessão do benefício têm entre 50 e 96 anos. O medo do Morhan é que essas pessoas continuem morrendo antes de serem contempladas com a pensão.

Além disso, os pacientes desenvolveram outras doenças como hipertensão e diabetes e têm apresentado alto grau de depressão em decorrência da longa espera do benefício. “No dia 15 de março foram concedidos mais 31 benefícios, nenhum para o Acre”, diz entristecido José Gomes da Silva, que também está na lista de espera.

Segundo ele, os acreanos estão tendo dificuldade para pleitear a pensão porque nem todos os registros dos hospitais-colônias do Acre foram preservados. Alia-se a isso a ausência da ficha epidemiológica dos pacientes, que também é exigida pelo Ministério da Saúde.

Outro erro é no preenchimento das poucas filhas encontradas. Por preconceito, as próprias famílias trocavam os nomes dos doentes no momento da internação do hospital-colônia. O Morhan buscou a ajuda da Seccional da Ordem dos Advogados no Acre para resolver o impasse.

“Além da prova documental, a lei também permite a prova testemunhal e a realização de perícia médica, caso seja necessário, mas a Secretaria Nacional de Direitos Humanos não está aceitando, por isso buscamos a ajuda da OAB”, observa.

Seqüelas ainda despertam o preconceito da sociedade, diz ex-hanseniano
“Hoje o preconceito não é por causa da doença, e sim pelas seqüelas”, lamenta Nélio Ribeiro Brasil, 58 anos. Ela tinha 8 anos quando deu entrada num hospital-colônia de Boca do Acre, no Amazonas, e apenas dezesseis quando teve amputadas as mãos e as pernas.

Algo que lhe marcou por toda a vida e até hoje não foi superado foi o fato de seu pai ter abandonado a sua mãe logo quando soube que ela estava com hanseníase. “O preconceito começou dentro da minha casa. Isso feriu a minha alma”, declarou.

No hospital-colônia viveu dias de agonia, se apaixonou, foi pai e sofreu ao ver a filha ser levada para um abrigo. “Quando eu a conheci, ela já tinha 28 anos de idade, mas graças a Deus não me relegou e teve a felicidade de ser adotada por uma família que a amava”, conta.

Nélio anda com a ajuda de duas pernas mecânicas. Vive da aposentadoria de um salário mínimo e de mais meio salário pago a título de auxílio pelo Estado. Seu grande sonho é ser contemplado com a aposentadoria especial e viver os últimos dias em paz.

 

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