As secretarias de Segurança Pública e Saúde assinaram na manhã de ontem um convênio que tem como objetivo fortalecer as ações do Estado, no sentido de prevenir e prestar tratamento médico aos dependentes químicos. Ao todo, está prevista a aplicação de R$ 140 mil nos trabalhos de coleta de informações e qualificação dos profissionais que atuam diretamente na prevenção e prestação de auxílio aos usuários de drogas.
Na fronteira com os dois maiores produtores de cocaína do mundo – Peru e Bolívia -o Acre vê a cada dia os males ocasionados pelas drogas se alastrarem. Drogas que antes eram tidas como de uso exclusivo das classes mais altas, hoje são consumidas pelos moradores dos bairros mais pobres. Além disso, o Estado enfrenta outro agravante com a chegada do crack.
Especialista no tratamento dos dependentes químicos, o médico e deputado estadual Donald Fernandes (PSDB) afirma que a verba destinada por meio do convênio é irrisória diante da gravidade do problema no Acre. “Cento e quarenta mil reais não dá para fazer coisa alguma. É querer dizer para a população que se está fazendo algo quando a verdade é outra”, diz ele.
O convênio entre as pastas terá ação em três áreas. A primeira será a elaboração de um diagnóstico com o perfil dos jovens dependentes de drogas na Capital. Como laboratório para essa aferição será usada a ZAP 5 (Zona de Atendimento Prioritário), que abrange parte dos bairros do Segundo Distrito. Em outro campo, o governo atuará na qualificação dos profissionais da Saúde, Educação e Segurança que lidam diretamente nos trabalhos de prevenção.
Como forma de aperfeiçoar as ações do governo nesta área, o Conselho Estadual de Entorpecentes será reestruturado. É a partir dele que as políticas públicas de enfrentamento às drogas são elaboradas. A secretária Márcia Regina (Segurança) reconhece que o Estado ainda é falho em suas ações de repressão e prevenção às drogas.
Regina defende uma participação maior da sociedade civil nesta “guerra”. “Nós temos que começar a discutir a droga como algo que atinge a todos, seja pela violência ocasionada ou pelo sofrimento das famílias com a dependência. Nós temos que trazer este problema para dentro da família, não se trata de algo só do poder público”, defende a secretária.
Nestes pouco mais de três meses do ano, já foram apreendidos 200 quilos de drogas no Acre. O secretário Oswaldo Leal (Saúde) também conclama uma participação maior das famílias acreanas no enfrentamento aos males acarretados pelo consumo de entorpecentes. “O Ministério da Saúde já classificou a dependência química como situação de emergência na saúde pública do país”, esclarece ele.
Entrevista: Donald Fernandes
Um dos coordenadores da Apadeq (Associação de Parentes e Amigos de Dependentes Químicos) e conhecido por seu empenho no tratamento de usuários de drogas que desejam largar o vício, o médico e deputado Donald Fernandes é crítico ferrenho da atual política de governo para a área. Em sua avaliação, muito ainda precisa ser realizado para prevenir e combater o uso de entorpecentes no Acre.
A GAZETA: Qual a avaliação que o senhor faz das atuais políticas de prevenção e tratamento dos usuários de drogas desenvolvidas pelo Governo do Acre?
Fernandes: Eu vejo com muita tristeza quando o governo diz que vai firmar convênios com entidades para o enfrentamento das drogas. A tristeza é por conta dos recursos disponibilizados. O enfrentamento é algo que deve ser muito sério. É preciso elaborar um bom projeto que atinja todo o Estado. Elaborar projetos preventivos dentro das escolas. Paralelo a isso é necessário um tratamento efetivo aos doentes, pois não é possível deixar um monte de gente nas ruas a matarem, assaltarem e a morrer. Também é importante enfrentar o tráfico. São áreas importantes e específicas que ele [o governo] não quer tratar.
A GAZETA: Qual a melhor forma de enfrentar as drogas?
Fernandes: Não é só com dinheiro. É necessário um projeto bem feito, organizado a partir de uma rede, que deve ser orientada e capitaneada pelo governo. O enfrentamento deve se dá pela área da prevenção, do tratamento e da repressão.
A GAZETA: Como está a situação das poucas entidades especializadas no tratamento aos dependentes?
Fernandes: Fora as da igreja que contam com as benesses do governo, as demais vivem com recursos próprios e na penúria. A Apadeq, por exemplo, não consegue nem pagar a conta de luz com o dinheiro do governo. A Apadeq está numa dificuldade tremenda, fazendo o possível para tratar os dependentes. Não cobramos nem um centavo das famílias. Na hora que o governo vai dispor verbas, ele ajuda as entidades que cobram pelo tratamento, como as da Igreja Católica e Evangélica. O governo ajuda muito mais as clínicas ligadas às igrejas, pois talvez tenha medo de elas fazerem lobby por voto.