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Aprendendo com um aspirante a menor aprendiz

Há dias que “os meus dedos coçam”, pedindo para que eu relate, escreva, sobre um acontecimento vivido por nossa família recentemente.

Sabemos que muito dos nossos adolescentes (e também fui assim), quando concluem o ensino médio, às vezes bem antes, querem um trabalho, um estágio remunerado. E ficam a murmurar aos pais “eu quero trabalhar, vocês têm que me ajudar”. E nós, os pais, vemo-nos a olhar jornais, procurar informações de onde estão disponibilizando vagas, principalmente como menor aprendiz.

E com meu filho, de 17 anos, não foi diferente. Terminou o ensino médio em 2009 e não passou no vestibular de Direito na Ufac. Prestou vestibular numa faculdade particular e está a estudar. Mas quer trabalhar. E convenhamos, eles, os filhos, devem saber desde cedo dar valor ao dinheiro, ao que têm e inclusive ajudar a pagar sua faculdade ou pelo menos passarem a “se custear”, enquanto os pais pagam seus estudos.  Nisso, na necessidade, no desejo de que o filho venha a trabalhar, pais e filhos estão juntos.

Pois então…ele decidiu enviar o currículo (ainda não tão cheio de medalhas, até mesmo pela pouca idade – computação, curso de inglês, além do ensino médio). Enviou para umas quatro empresas e o que quero compartilhar com vocês se refere à entrevista que foi submetido em uma dessas empresas (prefiro não citar o nome).

Segundo o adolescente em questão, apresentou-se à empresa e ficou numa sala onde havia mais uns 30 adolescentes, na faixa de 14 a 17 anos, rapazes e meninas. Lá havia ainda uma psicóloga. Esta passou a fazer perguntas a todos e, para alguns, talvez pela especificidade do que se pretendia de função, ela ia mais a fundo, com perguntas que exigiam respostas mais detalhadas, mais convincentes.

E então eis que surge a pergunta que não quis calar POR QUE VOCÊ ENVIOU CURRÍCULO PARA ESTA EMPRESA? Passou-se à resposta dos jovens e quase todos foram unânimes em dizer QUERO AJUDAR A EMPRESA A CRESCER E PROGREDIR JUNTO COM A EMPRESA. Mas tinha um, unzinho que respondeu EU QUERO TRABALHAR PORQUE EU QUERO COMPRAR ROUPA DE MARCA E MINHA MÃE NÃO PODE COMPRAR.

Fez-se um silêncio, seguido do sorriso sonoro da psicóloga, segundo ouvi de meu filho, e então ela teria dito, após retirar os óculos, algo do tipo “ISSO É COISA QUE VOCÊ DIGA NUMA ENTREVISTA DE EMPREGO?” e os demais passaram a rir também, enquanto que o garoto, o da frase, ficou totalmente SEM GRAÇA, foi o termo que meu filho utilizou.

Além da entrevista teve ainda uma prova escrita. Resumindo, meu filho não foi chamado neste local, mas foi contactado por outra empresa onde deixara o currículo e já começou a trabalhar. Talvez ele não tenha se saído bem na prova escrita, ou na entrevista ou mesmo não tenha o perfil para o que a empresa queria. Isso não importa; era uma concorrência onde ele, por algum motivo, provavelmente justo, não foi escolhido.

Mas o que quero tratar aqui é da entrevista e o resultado que ela causou no pensar de meu filho. Este chegou em casa e falou algo mais ou menos assim “mãe, não é que tinha lá um menino, de uns 14 anos de idade, e ele deu uma mancada, falou que queria comprar roupa de marca”. Ai, ai, ai. Fiquei preocupada, e muito. Pedi que ele me repetisse várias vezes como tudo tinha acontecido, pois me custava acreditar na situação.

Tive duas preocupações, não tendo estas uma escala de prioridade na minha mente – meu filho não poderia seguir a vida dele achando que o garoto errou ao dizer que queria roupas de marca, que a mãe não podia comprar. No fundo, eu, meu filho, nós pais sabemos que o adolescente, ao procurar o trabalho, primeiramente ele deseja um crescimento intelectual, financeiro, mais dignidade (que o trabalho traz), e como resultado disso tem-se um profissional que zela pela empresa, procura que esta cresça porque resultará, também, no crescimento dele, empregado. A outra, como estaria a cabecinha daquele garoto, depois de tudo isso.

Perdoem-me se estiver errada, mas não vi, até hoje, alguém me dizendo, nos bastidores, EU VOU TRABALHAR PORQUE EU QUERO QUE AQUELA EMPRESA OU INSTITUIÇÃO PROGRIDA.

O garoto que deu a resposta tão criticada talvez tenha sido o único que falou a verdade naquele local e foi criticado. Fico imaginando a vergonha que ele passou e a confusão que ficou a mente dele.

Não vou entrar no mérito da profissão da pessoa que realizou a entrevista porque sabemos que erros acontecem em qualquer profissão, inclusive na minha.
Pretendo falar dos nossos valores, os valores que a sociedade cultiva. Estamos ensinando nossos filhos a dizer o que é politicamente, socialmente correto dizer e com isso, muitas vezes, castramos a possibilidade deles serem pessoas mais humanas, honestas, sensatas, éticas.

Quando contei o episódio à minha genitora e a  outra pessoa da família, que estudou Secretariado, esta disse logo MAS NO NOSSO CURSO TAMBÉM NOS ENSINARAM QUE TEMOS QUE FALAR QUE QUEREMOS O DESENVOLVIMENTO DA EMPRESA, quando de uma entrevista com o fito de se conseguir um emprego. 

É claro que estou falando de uma si-tuação. Não vou generalizar e dizer que todas as empresas agem assim, que os profissionais destinados a promover a entrevista trabalhem da mesma forma. Creio que tenham critérios de avaliação e, provavelmente, principalmente no caso de menor aprendiz, as empresas devem ter uma real preocupação com os jovens que lhe são apresentados.

ROUPA DE MARCA traduz, na verdade, pelo menos, os termos roupa de marca, tênis, bonés, para os meninos e tudo isso, acrescentando-se pulseirinhas, colares, sandálias coloridas, batons, gloss, lápis de olho e outros penduricalhos para as meninas. E para todos incluo o celular do momento, perfumes, sanduíches, pizzas, mas as de pizzarias famosas, sorveterias, ingressos para shows de cantor famoso, os tais abadás, um cineminha, pipoca…e coisa e tal.
E esse conceito é de interesse, pois a falta desses bens pode levar, dependendo da educação, da vida que leve, um adolescente a começar a praticar atos infra-cionais para obtê-los.

O garoto falou a verdade, a meu ver. E falou por todos que estavam naquela sala.

Eu quero continuar criando meu filho na verdade, da mesma forma que creio que aquela mãe, que ensinou melhor do que eu, está a fazer. Ele falou a verdade na entrevista. E espero que o garoto tenha conseguido o estágio, o trabalho.

Mas também quero que reflitamos sobre o que estamos ensinando aos nossos filhos, o que estamos reproduzindo.

Quanto a meu filho, este entendeu que o garoto falou a verdade e que não havia  motivo para rir naquela entrevista. O aprendizado ficou para ele e para mim.

É isso! Quis apenas compartilhar com vocês desta experiência porque, afinal, vivemos na mesma sociedade e só queremos o melhor para os nossos filhos, que amamos muito.

* Wânia Lília Maia Viana é formada em Letras, Direito e Sociologia, pela Ufac; Pós Graduada em Segurança Pública, delegada de Polícia Civil, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.

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