“O Poder Legislativo acrea-no fez justiça à importância de grandes nomes da nossa história social e cultural”. Com essa frase o presidente da Aleac, deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), resumiu o objetivo da sessão solene que concedeu os títulos de cidadãos acreanos para os mestres das religiões ayuhasqueiras que se formaram no Estado. As tradições espiritualistas amazônicas do Santo Daime, da Barquinha e da União do Vegetal são as que mais divulgaram o nome do Acre no Brasil e no exterior. A solenidade aconteceu por indicação do líder do governo, deputado Moisés Diniz (PCdoB).
Para receber os títulos de cidadania compareceram a madrinha Peregrina, esposa do mestre Irineu, mestra Pequenina, esposa do mestre Gabriel, e Francisco de Oliveira, filho do mestre Daniel. Na mesa ainda estiveram os deputados federais Fernando Melo (PT-AC) e Perpétua Almeida (PCdoB), o padre católico, Mássimo Lombardi, o pastor batista Albino e o coordenador do Instituto Ecumênico do Acre, Manoel Pacífico. Os tons dos pronunciamentos giraram em torno da importância cultural das religiões nascidas no Estado e da tolerância religiosa.
Uma das mais entusiasmadas com a homenagem era a deputada Perpétua Almeida. “Sempre soube que o título de cidadão é dado às pessoas que dedicaram as suas vidas em defesa do Estado. Que bom que mesmo depois de tanto tempo a Aleac tenha reconhecido três homens que só plantaram o bem e que têm tantos seguidores. Apesar de sermos um dos menores estados da Federação damos um exemplo de como se vive e se congrega com a questão da liberdade de credo e da tolerância religiosa. Isso para mim tem uma importância muito grande. Tenho batalhado a nível nacional para que a nossa história seja contada no Brasil e no mundo e para que a ayahuasca seja reconhecida como patrimônio imaterial da nossa cultura”, afirmou.
Preconceito versus tolerância
A parlamentar acreana fez questão de frisar a importância da harmonia entre as diferentes religiões. “Congregamos as comunidades ayuhasqueiras, católicas e evangélicas para que possamos demonstrar que somos um exemplo de tolerância religio-sa. Recentemente fiquei sabendo que tem um comitê sendo formado na Bahia para fazer a defesa dos centros de candomblé porque a intolerância religiosa naquele estado tem feito com que haja invasões nos terreiros. Nós que somos democratas e defensores da Constituição Brasileira temos a obrigação de estarmos atentos a essa intolerância. Não podemos aceitar isso. Vou fazer essa defesa sempre”, garantiu.
Já o deputado Moisés Diniz, que apresentou o requerimento para a sessão, também tocou no tema do preconceito. “Muitos grandes homens que fundaram religiões importantes foram profundamente discriminados e incompreendidos. Considero o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal, religiões verdadeiras nascidas na Amazônia que fazem muito bem às pessoas”, salientou.
Também o padre Mássimo da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré pregou a tolerância. “Temos que começar uma caminhada nova sem aquelas discriminações e aquelas batalhas religiosas e culturais. São tempos novos que cada qual deve valorizar as pessoas que tem uma formulação diferente da própria fé e da visão do mundo. Nós estamos aqui numa grande confraternização. A mensagem é de continuarmos juntos sem julgamentos e condenando um ou outro. Precisamos valorizar os outros porque cada qual tem as suas qualidades e seus pontos positivos”, disse o padre.
Para o padre Mássimo mesmo dentro das igrejas acabam acontecendo divergências. “Nós por natureza somos intolerantes. Inclusive, dentro da Igreja Católica tem aqueles que criticam os que estão muito a esquerda e os outros os que estão a direita demais. Em relação aos outros movimentos religiosos precisamos mudar as nossas idéias que são muito restritas, fechadas e trancadas em chavões. O mundo é grande e nós não podemos nos apossar da verdade que é algo muito complexo. Nós precisamos ter uma grande humildade para reconhecer que o outro tem os seus valores. Escutando o outro posso aprender muito. Isso é uma caminhada nova não só o Acre, mas no mundo inteiro. Hoje nós temos ameaças de guerra e terrorismo por causa da religião que precisa unir, mas parece que se não for bem vivenciada é uma causa de divisão e de brigas. Isso certamente não é conforme o coração do nosso Deus que quer todos os seus irmãos bem unidos. O Planeta Terra tem que ser uma verdadeira família”, concluiu.
Encontro entre tradição e modernidade na Amazônia
O presidente da diretoria nacional da União do Vegetal, Flávio Mesquita, falou sobre a organização das linhas espiri-tuais ayuhasqueiras. “É importante o encontro da história do Acre e da Amazônia com o mundo moderno. Existe um grande respeito hoje do nosso segmento religioso e nós temos milhares de adeptos em todos os estados do Brasil e sempre rendemos homenagem às nossas origens lembrando que a floresta em pé nos dá condições de continuidade ao nosso sacramento que é o chá ayahuasca”, destacou.
Quanto aos preconceitos o mestre tem uma explicação muito simples. “Ninguém erra sabendo. Quando a pessoa fala algo que não sabe é porque não conhece. Esse momento que estamos vivendo na Aleac é uma base de informação de como é realmente a nossa comunidade, ordeira e disciplinada. Estamos dentro da legalidade não é toa desde muitos anos porque conseguimos estabelecer através das nossas experiências científicas que o chá é condição preponderante para a nossa comunhão, mas que não se restringe ao sacramento. É importante que haja uma instituição religiosa, uma doutrina. As pessoas devem buscar outras religiões e devem conhecer para depois criticar os nossos pontos frágeis. Nós somos pessoas de bem que procuramos melhorar as nossas vidas”, concluiu.
Os Mestres presentes na história acreana
O jornalista Antonio Alves falou em nome da madrinha Peregrina do Santo Daime sobre a importância do evento. “A ayahuasca entre os índios tem milhares de anos e a sua passagem para a sociedade brasileira está fazendo cem anos. Esses mestres fundaram comunidades de agricultores, marceneiros e de trabalhadores de todo tipo. Mas também ensinaram a tocar instrumentos musicais e incentivaram as pessoas a desenvolverem diversos tipos de habilidades. Isso ajudou na formação da sociedade acreana. Mas eles ensinaram também valores morais elevados, a respeitar e amar o próximo, fazer obras de caridade e louvar a Deus. Eles organizaram uma sociedade e participaram dos movimentos políticos essen-ciais. O mestre Irineu fazia parte do movimento Autonomista que lutava para elevar o Acre à condição de Estado. É essa história dos mestres que está sendo homenageada”, finalizou.