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Pe. Sílvio Andrei Vs. Pe. Sérgio

Padre Sílvio Andrei, 40 anos, Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Rainha dos Apóstolos, que pertence à Região Episcopal Sé da Arquidiocese de São Paulo e que dirige um programa semanal no canal católico Canção Nova, armou na madrugada do dia dezesseis do corrente o maior escarcéu. Ele foi preso por ato obsceno, embriaguez ao volante e corrupção ativa. Dizem as más línguas, que ele, Padre Sílvio, fez proposta sexual obscena a policiais militares que o autuaram em flagrante. É inegável que padre Sílvio viveu uma madrugada de fúria dos infernos. E, ainda, dizem que o Diabo não existe! Sucumbiu à pressão de um mundo que vive, à flor da pele,  a volúpia e a devassidão sexual explícita.

Já o padre Sérgio, também aludido na epígrafe deste artigo, bem poderia ser um dentre os muitos padres que vivem por este Brasil continental, mas não é. Este padre Sérgio é o protagonista da brilhante narrativa Padre Sérgio, do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910), obra que teve sua primeira variante em 1890, mas que só obteve permissão, dos censuradores da Rússia antiga, para ser publicada em 1898.

Padre Sérgio, que pretendia ser o melhor de todos os monges possíveis, desejava a excelência de todas as virtudes vocacionais. Não foram poucas às vezes em que teve que se enclausurar em “cela de eremita cavada na encosta da colina do mosteiro”, para fugir dos apetites carnais. 

Certo dia, conta à narração brutal do ficcionista e novelista Tolstói, no afã de resistir ao assédio sexual de uma bela mulher, sensual e tentadora, padre Sérgio corta um dedo da própria  mão com um machado para lenha. O fato impressionou de tal maneira a mulher “pecadora” que esta, depois do incidente, abandonou o mundo e entrou para um convento.

Os dois personagens religiosos, citados aqui, possuem no seio da igreja universal de hoje, representantes: há os que permanecem fiéis às práticas monásticas medievais que escravizou e destruiu o padre Sérgio; são os que se conservam presos às antigas idéias de teocracia ou as velhas distinções entre Deus e o mundo, o sagrado e o profano. Essa religiosidade produziu, através dos séculos, homens e mulheres oprimidos por um poder  tirânico, que não é, em hipótese alguma, o poder de Deus. Em função da grande carga “missionária”  ou “sacerdotal”, e com a consciência pesada, muitos deles, não raras vezes, se auto flagelavam, isso quando não buscavam o suicídio.

Todavia, há agudos segmentos da igreja que sucumbem ao impacto da pós-modernidade e buscam desesperadamente romper os “grilhões” da religiosidade medieval. As reivindicações são exacerbadas, vai do casamento gay à admissão de uma plêiade de homossexuais e pedófilos que lutam para permanecer à frente dos ofícios sacramentais; na realidade não se sabe aonde querem chegar com essas reclamações, no mínimo, à luz da igreja tradicional, execrável. Essas estapafúrdias reivindicações são crias das repercussões culturais que começou e se alargou com ironias intermináveis do tipo: “Deus está morto” ou “O século XXI e seu desenvolvimento, já é grande em demasia para a tutela da fé”.

A vida pós-moderna abonada por uma “liberdade” que é confundida com libertinagem é  escrava de modas e das comodidades disponíveis e efêmeras. Ao mesmo tempo os estilos atuais de comunicação criam à necessidade de intimidade e autenticidade; há, ainda, o temor de ser vítima da falsidade, da manipulação e dos jogos de poder.  Do mesmo modo, os fiéis discutem, hoje, abertamente os problemas políticos, econômicos, éticos e culturais, sem apelar em ocasião alguma à autoridade divina ou eclesiástica.

Na verdade, alguém tem dito, não só os avanços da moder-nidade, mas, especialmente, as corrupções no âmago da igreja contribuíram para essa quebra de paradigmas dos “oráculos sagrados”.

 Padre Sílvio Andrei, que caiu em desgraça “por um momento de fraqueza” vive, além disso, a possibilidade de ser execrado da condição de pároco da sua comunidade deu sua versão diante das autoridades policiais e deve se reportar aos seus superiores. Contudo, o desfecho de tal pugna, por tudo que conhecemos dos bastidores da igreja, tende a ser abafado ou contemporizado.

Podemos afirmar que encontramos na forma paradoxal do serviço sacerdotal, desses dois religiosos, uma coisa em comum: em ambos há um sincero desejo do servir a Deus. Sentimento totalmente conspurcado e exagerado pelo desejo do louvor humano, diria padre Sérgio.

 Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador (de gabinete) em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof@yahoo. com.br

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