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Aboio dos vaqueiros: Patrimônio imaterial do nordeste brasileiro

          Os semitas tiveram papel impressionante na formação étnico-cultural do homo nordestinus. Os judeus, perseguidos pela inquisição, principalmente depois da expulsão dos holandeses do nordeste canavieiro, refugiaram-se em lugares ermos nos confins do sertão, transmitindo de geração a geração traços identificadores da cultura desse povo, a exemplo do registrado na genealogia e na cultura do núcleo cristão-novo de Venha-Ver, localizado no alto oeste do Estado do Rio Grande do Norte.

          Os árabes, parentes próximos dos descendentes de Abraão, em virtude de procederem da linhagem de Ismael, também filho do patriarca, legaram ao nordestino a mais fantástica das sonoridades regionais – o aboio.

          Nas quebradas do sertão não há como deixar imperceptível a passagem de uma boiada conduzida por vaqueiros. O ambiente se enche dos ecos da tradição com o aboio dos tangedores do gado que corre célere na poeira que se levanta a inundar o ambiente marcante da quentura do sertão.

          O aboio está salvo da aculturação? Com os números apresentados pelo último censo demográfico, quando uma cidade de porte médio como Mossoró apresenta um percentual de 93,1% de sua população total habitando a zona urbana, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) conforme diversos censos realizados, os quais atestam a permanência, com pequena alteração, do percentual estatístico. Assim, os vínculos com o campo vão se perdendo gradativamente.

          Certa vez, dirigindo pelas inúmeras estradas de barro existente na capital do oeste potiguar, dei passagem para uma boiada. Qual espanto quando o vaqueiro apareceu montado em uma bicicleta tangendo o gado? Isso demonstra como a modernidade tem influenciado nas tradições nordestinas, sobretudo as que caracterizam o semiárido.

         Ouvir caprichado aboio de vaqueiro é o mesmo que sentir no peito pungente saudade da saga heróica de Luiz Gonzaga, buscando a lembrança oportuna de Raimundo Jacó, campeador de gado das caatingas pernambucanas, covardemente assassinado, mas que está imortalizado em culto à sua memória, o qual extrapolou os limites de sua região.

          Poucos sabem, nos dias de hoje, sobre a poesia que sai das cordas vocais de um aboiador, penalizado pelo rigor de uma seca castigante que destrói vidas. A linguagem dos sons, dos gestos, da cadência e do ritmo do guturalismo que as gargantas cansadas já não emitem com tanta precisão é como uma prece de resistência às mudanças bruscas e vertiginosas que atingem as tradições da pecuária nordestina.

          A mídia dita regras de conduta, elevando ao panteão falsos defensores do nordeste brasileiro, os quais intercalam pretensa divulgação das tradições culturais com os ecos da modernidade. Causa pena e revolta ver o povo nordestino se rebolando ao som de guitarras que se articulam com instrumentos tradicionais como a sanfona, o triângulo e a zabumba.

          Defendo com veemência que o aboio dos vaqueiros seja elevado à categoria de patrimônio imaterial do nordeste brasileiro, pois personifica magistralmente a acústica laborativo-cultural de um povo forte e heróico.

 

josero 
*JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

 

 

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