Não sou expert em futebol. Apenas torço pelo Estrela do Norte, em Cachoeiro de Itapemirim, e pelo Vasco da Gama, no Rio. Em Cachoeiro, escolhi o Estrela porque meu Pai era estrelense. No Rio o Vasco porque, quando criança, ganhei de minha Mãe um time de botão com as cores do Vasco.
Nunca fui um grande desportista, embora tenha praticado esportes nos meus tempos ginasianos. Minha maior proeza aconteceu num jogo de basquete quando fiz uma cesta de costas, de chuá. Foi uma ovação no antigo estádio da Fábrica de Cimento, estádio que Elpídio Volpini, um grande cachoeirense, construiu. Até os torcedores da equipe adversária bateram palmas. Naquele tempo batiam-se palmas nos estádios.
Mas mesmo não sendo um expert em futebol, como articulista deveria falar sobre o jogo Brasil x Coreia do Norte, partida ocorrida antes do dia da publicação deste artigo.
Tenho, entretanto, escusa para não falar sobre essa partida. Produzo o texto com antecedência. Preparei Fiz o artigo antes de saber o resultado do certame.
Ainda na hipótese de valer esta escusa, não haveria escapatória: eu poderia tecer considerações gerais sobre a Copa do Mundo, opinar sobre a escalação que o Dungo fez da Seleção Brasileira, antecipar palpite para os jogos do Brasil contra a Costa do Marfim e Portugal.
Na semana em que o Brasil estreia na Copa é um absurdo deixar de lado o tema.
Estou numa encruzilhada. Preciso encontrar uma saída. Não sou expert em futebol, mas tenho algum conhecimento de Filosofia. Então o tema está decidido: Filosofia do Futebol.
A primeira pergunta do leitor incrédulo será sem dúvida esta: o Futebol tem Filosofia?
Mas é claro que tem. E se não tem quero ser um precursor. Nunca tive medo de ser precursor, embora esta aventura de abrir caminhos tenha me causado muitos embaraços no curso da vida, inclusive como juiz (de Direito, não de futebol).
Mas voltemos ao Futebol, que é o nosso tema de hoje, ou melhor, à Filosofia do Futebol, arriscado atalho em que me meti.
Marilena Chauí aponta que a reflexão filosófica, qualquer que seja o domínio a que se dirija, guia-se por três propósitos:
Primeiro – investigar o que a coisa é; qual a realidade, a natureza e a significação da coisa;
Segundo – como a coisa é, sua estrutura; quais as relações que constituem uma coisa;
Terceiro – por que a coisa existe, por que é como é; origem e causa de uma coisa, ideia ou valor.
Observem que Marilena Chauí diz que a reflexão filosófica pode endereçar-se a qualquer domínio.
Com base no ensinamento dessa autora concluímos que cabe a reflexão filosófica sobre o futebol.
Vamos seguir então os passos aconselhados por Marilena Chauí:
a) o que é o futebol, qual é sua realidade, natureza e significação;
b) como o futebol é, qual sua estrutura, quais as relações que o constituem;
c) por que o futebol existe, por que é como é.
O futebol é um esporte. No Brasil é o mais popular dos esportes.
Bela escolha fez o povo brasileiro. Ao fazer do futebol o esporte nacional, optou por uma modalidade esportiva altamente civilizada. Há povos que elegeram o box como a matriz dos esportes. Que mau gosto! Achar bonito os contendores tentando socar e derrubar o outro. Experiências feitas por psicólogos demonstram que uma criança, depois de assistir a uma disputa entre boxeadores, tem na convivência com outras crianças atitudes de violência.
O futebol não é esporte para ser comparado com esses que fazem desabrochar os mais reprováveis instintos que podem habitar o ser humano.
Se cabe fazer comparações, procedente será comparar o futebol com a arte, a dança, o balé.
O futebol exige cooperação. Bom jogador é aquele que trabalha em conjunto com os demais, é aquele que, diante da possibilidade de fazer um gol, cede a glória a companheiro melhor posicionado na linha de frente e cujo chute certeiro marcará o placar.
O futebol impõe uma conduta ética, fidelidade ao clube cuja camisa o atleta veste, lealdade para com o time adversário.
O futebol exige ética também das torcidas. É lícito torcer, mas é totalmente incorreto agredir os torcedores adversários. Todos os excessos de torcida merecem reprovação ética.
No futebol os pobres têm possibilidade de obter êxito. Basta um modesto campo e uma bola para que meninos comecem a jogar. O futebol floresce na periferia das cidades, no interior agreste, em territórios esquecidos. Não existem preconceitos raciais no futebol.
O futebol é um fator de integração nacional porque une o Brasil de norte a sul, elimina barreiras de toda ordem.
Quisera que, neste país, onde o futebol é universal, também fossem universais a educação, a saúde, o trabalho, a habitação, a previdência social.
Pronto. Não fugi da raia. Está aí a Filosofia do Futebol. E vamos torcer pelo Brasil.
*João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor.
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