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Judicialização da política, ativismo judicial e eleições

Nos últimos tempos, muito se tem discutido acerca do ativismo judicial, principalmente, em decorrência de uma série de decisões da lavra do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Desdobramento primeiro desta pró-atividade judicial irrompe na constatação de que o ativismo judicial conduz a uma inevitável judicialização do processo político.

Mas o que vem a ser tal fenômeno?

Ativismo judicial significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: legislativa e executiva.

Ou seja, podemos afirmar que há judicialização da política sempre que o Judiciário, no desempenho normal das suas funções, afeta de modo significativo a ação política.

Em certo modo, há que se reconhecer que isto acaba por repercutir negativamente na atividade jurisdicicional, abrindo a perigosa possibilidade de politização da função judicante.

Segundo o professor português Boaventura de Souza Santos, um dos maiores pensadores de nosso tempo, a judicialização da política conduz à politização da justiça.

Derivação desta forma de agir, que está a influir sobremaneira no período pré-eleitoral corrente, é aquilo que podemos chamar de judicialização do processo eleitoral, com a excessiva intromissão do judiciário na atividade política, principalmente no que tange à ação de pré-candidatos às eleições de outubro vindouro.

Tal fato é de se estranhar, pois ao assumir o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em abril último, tendo com principal missão conduzir as Eleições Gerais de 2010, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou categoricamente que a Justiça Eleitoral não estimularia o que denominou apropriadamente como “esterilizante judicialização da política”.

O ponto nuclear de tal discussão reside no fato de que a Justiça Eleitoral não pode se pretender protagonista do processo eleitoral, lançando pesadas tintas ao jogo democrático. Cabe a ela, isto sim, garantir a legalidade e a tranqüilidade do processo eleitoral.
A atividade política durante as eleições não deve ser cerceada, mas sim modulada.

Mais grave ainda o fato de a Justiça Eleitoral, além de se colocar na posição de ator principal do processo eleitoral, conduz sua atuação imbuída de sentimentos de comoção popular e da necessidade de dar satisfação aos anseios da sociedade, via de regra, no sentido de expurgar da vida pública aqueles tidos como indignos do mandato popular.

Mesmo diante da legitimidade da indignação da sociedade, não cabe ao Judiciário agir na esteira do que considera indignante, mas sim prestar a jurisdição atento às leis e, principalmente, ao arcabouço constitucional vigente.

Em sentido diametralmente oposto, a Justiça Eleitoral tomou a infeliz decisão de, afrontando a Constituição da República, num só julgamento de consulta a si formulada, dar guarida e aplicabilidade imediata a uma legislação de duvidosa constitucionalidade, que relativiza os princípios constitucionais da presunção de inocência e da anterioridade da lei eleitoral.

Com isto, modificou as regras do jogo democrático quando já iniciado o processo eleitoral, numa perigosa reiteração de conduta de triste memória, que infelizmente já havia ocorrido em processos eleitorais pretéritos.

Ao dizer que a alteração das regras de elegibilidade não constitui alteração do processo eleitoral, a egrégia Corte Eleitoral utilizou-se do que podemos denominar de “sofisma jurídico”, ou, de forma mais prosaica, na genial concepção de Saulo Ramos, de uma “jabuticaba jurídica”, no intuito de não frustrar a opinião pública.

Não concerne ao Judiciário impor uma condição ética ou moral aos atores do processo eleitoral. A ele cabe impor uma condição legal, preservando a ética da legalidade.

Receber e assimilar a vontade popular é tarefa do Poder Legislativo, este sim incumbido de, observada a ordem constitucional, dotar o judiciário de instrumentos capazes de refrear o fisiologismo, a compra de votos, o clientelismo, a corrupção, a exploração de prestígio e a promiscuidade institucional na política.

A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade e legitimidade do Poder Legislativo.

Premente uma reforma política. Mas essa não pode ser feita por juízes.

* Erick Venâncio Lima do Nascimento é advogado, secretário-geral da OAB-AC, falando em nome próprio, não da instituição.

 

 

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