X

Jurado de morte, Gleisson Andriola é mantido isolado

O nome do alagoano Antônio Amaro Alves – administrador da extinta penal capaz de fazer tremer ao simples soar de sua voz – não batiza mais o presídio de segurança máxima do Estado, que passa a se chamar Unidade de Regime Fechado 2, deixando para trás um histórico tão tenebroso quanto seu ex-padrinho.

Desde sua inauguração em 2003, o presídio já foi palco de greve de fome, rebelião com queima de colchões, quatro supostos suicídios – ainda em fase de investigação -, quatro tentativas de suicídio e o caso de um preso que foi torturado e teve os testículos amputados com uma lâmina de barbear pelo colega de cela.

Estes são os casos conhecidos por via oficial, mas extraoficialmente se tem informações de que tentar contra a própria vida – seja por vontade própria, auxílio, induzimento ou instigação – é uma ocorrência comum dentro da unidade. A maioria estaria relacionada ao abandono do preso por parte da família, principalmente pela companheira.

Moisés dos Santos Lima Góes, 27 anos, condenado a 37 anos de prisão pela morte de uma menina de apenas 5 anos de idade,  mediante violência sexual, foi o 1º ocupante, o 1º submetido ao RDD e o 1º a supostamente cometer suicídio dentro do presídio, propagado como de segurança máxima. A ocorrência foi registrada em setembro de 2004, há menos de um ano da inauguração.

 Os registros feitos nos dias que antecederam a morte  revelam que o sentenciado estava vivendo sob forte pressão. Foi apontado como o idealizador de uma tentativa de rebelião, chegando a incendiar o colchão da cela, uma semana antes de ser encontrado morto. Seria esta uma primeira tentativa de suicídio? Em depoimento na Delegacia Central de Flagrantes, à época, declarou que queria apenas chamar a atenção da imprensa e denunciar o sistema desumano a que era submetido.

Segundo informações contidas no laudo cadavérico, o presidiário teria ainda se autolesionado com pedaços de um balde de plástico, minutos antes de se suicidar com a própria cueca, tendo como apoio as grades da cela nº 8, onde cumpria pena. Alucinação, depressão, melancolia, estão entre as causas apontadas pelos especialistas para o suicídio.

O segundo suposto suicídio ocorreu em abril do ano passado. O preso provisório Martini Martiniano de Oliveira, 49 anos, caiu de cabeça no chão de concreto do presídio ao tentar enforcamento com uma corda tipo tereza. Essa é a versão narrada por agentes penitenciários que estavam de plantão e presenciaram a ocorrência que, segundo eles, não teve como ser evitada.

Ele era a principal testemunha do assassinato do médico Abib Cury, há 11 anos. Apresentava sinais de pânico e depressão e através de uma série de cartas, só conhecidas após a sua morte, revelou ser alvo de maus-tratos e temer pela própria vida. O período de aprisionamento do réu até a morte foi de seis meses.

Em dezembro do mesmo ano, o também preso provisório Magaiver Batista de Souza, 22 anos, foi encontrado morto. O laudo cadavérico atestou traumatismo craniano como a causa da morte. Seis agentes penitenciários foram afastados das suas funções e denunciados por crime de tortura. Magaiver era acusado de estuprar e matar a enteada de apenas dois anos de idade, no município de Sena Madureira.

O último registro de morte ocorreu no dia 10 de julho deste ano. O presidiário Francisco de Souza Costa, 36 anos, foi encontrado morto, pendurado por um lençol amarrado no pescoço. O histórico do réu revela outras tentativas frustradas de suicídio. A morte ocorreu na noite em que Rio Branco ficou às escuras por conta de mais um apagão.

Um histórico tenebroso

DEZ/03: Decreto nº 9.212 – Inauguração/20 presos
JAN/04: Ameaça de greve de fome
AGO/04: Moisés Góes incendeia colchão na cela nº 8
SET/04: Suposto suicídio de Moisés Góes
OUT/09: Tentativa de suicídio dos presos Antônio Marcos Noronha e Antônio da Silva Paiva.
ABR/09: Suposto suicídio Martini Martiniano de Oliveira
JUN/09: Tentativa de suicídio Gilmar Oliveira de Castro
DEZ/09 – Magaiver Batista de Souza, 22,  é encontrado morto
SET/10: Tentativa de suicídio Tiago Lima de Almeida
OUT/10: Gabriel de Souza tortura e amputa os testículos de Marcelo Barbosa da Silva
JUL/10 -Francisco de Souza Costa, 36, é encontrado morto, pendurado por  um lençol  

Jurado de morte, Andriola é mantido isolado
O mais novo hóspede da Unidade de Regime Fechado 2 – antigo AAA – é Gleisson da Silva Andriola, 25, o “Carioca”, acusado de matar com 15 facadas a assessora parlamentar Ana Eunice Fontoura, 52 anos, e desferir seis tiros contra o comerciante Kender Conceição Alves da Silva, 32 anos.

Rumores de dentro do sistema penitenciário dão conta de que ele estaria jurado de morte por toda a população carcerária, em virtude da pressão que o Poder Judiciário passará a sofrer para a liberação de presos, depois da repercussão negativa do espetáculo dos horrores promovido por ele.

O diretor-presidente do Instituto de Administração Peniten-ciária do Acre (Iapen/AC), Leonardo Carvalho das Neves, assegurou que todas as medidas necessária para a garantia da integridade física e moral do preso já foram adotadas. O réu se encontra em cela isolada e só passará a ter companhia após rigorosa avaliação.

 “Nosso papel é fiscalizar e garantir a reinserção do reeducando”, diz juíza
Em entrevista exclusiva À GAZETA, a juíza da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, falou sobre os problemas e os avanços do sistema penitenciário na Capital. Há 3 anos como titular da pasta, ela responde sozinha por 6 mil processos, sendo 3,5 mil na Vara de Execuções Penais e 2,5 mil na Central de Penas Alternativas (Cepal).

Ela lamentou o episódio envolvendo um presidiário em liberdade condicional, que resultou na morte de uma pessoa e em outra gravemente ferida, mas assegurou que o fato é isolado e não vai inteferir no processo de reinserção social que vem sendo desenvolvido pelo Poder Judiciário.

A magistrada também tem passagem registrada pela Varas do Tribunal do Júri e de Delitos de Tóxico e Acidente de Trânsito de Rio Branco; Varas Cíveis de Cruzeiro do Sul; e comarcas de Bujari e Acrelândia. Em recente visita do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a juíza foi considerada uma das mais atuantes do Estado, dada a celeridade dos processos na Vara de Execuções Penais, onde é titular.

A GAZETA – A senhora é constantemente acusada de dificultar a liberação de presos. Por outra via,  recentemente, foi criticada porque um preso que estava em regime aberto promoveu um verdadeiro festival de sangue na Capital. De fato, qual é o papel do juiz das execuções penais?

MAHA – O papel do juiz da Vara de Execuções Penais está previsto no art. 1º da Lei de Execuções Penais. O nosso papel é fiscalizar e garantir a reinserção social do reeducando. Por isso, que eu digo que nós fazemos um trabalho paralelo, fiscalizamos e garantimos a reinserção social do apenado na sociedade.

A GAZETA – Em entrevista coletiva a imprensa, na semana passada, o desembargador Adair Longuini, declarou que “o Judiciário está preso à legislação em vigor”. A senhora concorda com esse entendimento?

MAHA – Concordo, porque a gente no final tem que cumprir a lei. No caso dessas progressões de regime, a gente tem dois requisitos a atender: o subjetivo e o objetivo. O objetivo é fácil, tem que verificar o tempo de pena, que geralmente é de um sexto para a progressão de um regime para o outro.

 Já o requisito subjetivo – aquele que diz respeito aos caracteres individuais do preso – geralmente é mais complicado. Normalmente, dependendo do tipo de crime cometido, apesar de o exame criminológico não ser mais exigido, nós realizamos para saber se o reeducando está apto para a progressão ou não.

Às vezes o exame vem negativo e nós seguramos um pouco, todavia uma hora ele acaba dando positivo e como a pena não é perpétua não temos como segurar o indivíduo a vida toda. Mas nós não estamos amarrados ao exame criminológico, contamos ainda com os relatórios carcerários do preso, pelo qual analisamos seu comportamento em cárcere.

A GAZETA – Como é feito o acompanhamento dos sentenciados que estão em semi-liberdade ou liberdade?

MAHA – Sempre nós somos criticados. É difícil a gente receber um elogio. Quando começamos exigir um pouco mais dos critérios para conceder o benefício somos criticados. Em dezembro de 2008, época da dispensa natalina, começamos um trabalho com a Polícia Militar, e qual foi a nossa surpresa, a maioria dos endereços não estava correto. Nós então invertemos a ordem, agora o endereço é verificado antes de eles ganharem o benefício, da mesma forma com as cartas de empregos. Estou trabalhando com um grupo de policiais bem engajados, qualquer descumprimento tomo conhecimento na mesma hora.

A GAZETA – A senhora acredita que o Caso Andriola, dada a repercussão negativa, possa trazer prejuízos ao trabalho de reinserção social desenvolvido pelo Judiciário?

MAHA – Em hipótese alguma. Quero deixar bem claro que nós lamentamos profundamente o que aconteceu. Uma vida humana foi perdida e outra a gente não sabe como vai ficar. Nós não sabemos o porquê aconteceu isso. No caso dele, os dois exames criminológicos realizados disseram que ele estava ap-to a retornar ao convívio so-cial. No histórico dele, não tinha nada que pudesse retardar mais a sua saída.

A GAZETA – A legislação penal brasileira é duramente criticada todas as vezes que há registro de crimes hediondos, como os cometidos por Andriola. Do seu ponto de vista, as leis penais do país precisam ser reformuladas?

MAHA – Precisam. Nós estamos numa sociedade dinâmica. O crime evoluiu muito e nossa legislação não conseguiu evoluir. Lamentavelmente quando tem uma evolução o crime já avançou também e passa pela frente, então, então essas reformas teriam que ser um pouquinho mais célere.

A GAZETA – Existem rumores que Andriola estaria jurado de morte pela população carcerária, em virtude da pressão que o Poder Judiciário passará a sofrer no tocante a liberação de presos. A senhora tem conhecimento disso?

MAHA – Não tenho conhecimento e volto a afirmar que isso foi um fato isolado que não vai atrapalhar o benefício dos outros, sexta-feira mesmo, nós fizemos audiência com mais de setenta reeducandos para benefícios.

A GAZETA – O presídio Antônio Amaro Alves tem registrado uma série de ocorrências que atentam contra a integridade física e moral do preso, que vão desde tortura a supostos suicídios. Como corregedora natural dos presídios da Capital, como à senhora tem procedido em relação a essas ocorrências?

b– Uma das primeiras perguntas que a equipe do CNJ fez quando chegou aqui foi sobre o número de casos de suicídio. Para mim não é suicídio até que se concluam as investigações. Além disso, são adotadas medidas administrativas para saber do possível envolvimento de funcionários dos presídios ou de outros presos.

A GAZETA – Como a senhora avalia a discussão da implantação de monitoramento eletrônico de presos, através de braceletes e tornozeleiras?

MAHA – Bastante positivo, creio que pode ajudar a melhorar o trabalho de fiscalização dos reeducandos.

Direção do Iapen cobra participação da família
 O diretor-presidente do Iapen, Leonardo Carvalho, acredita que a participação da família é essencial para a recuperação dos sentenciados. Segundo ele, a maioria dos casos de tentativa de suicídio está relacionado a problemas no âmbito familiar.
Além da instauração de sindicância para apurar a responsabilidade, o órgão também tem buscado reforçar o trabalho de assistência psicológica do preso. A medida permite à direção se antecipar a uma possível ocorrência.

A presidente da Associação dos Familiares dos Presos do Acre, Mariazinha Freitas, concorda com o diretor. Segundo ela, muitos casos só chegam ao conhecimento da associação por via da imprensa ou mesmo pela direção, haja vista que muitos familiares literalmente abandonam seus presos.

A associação ganhou um espaço dentro do Núcleo de Atendimento à Família e ao Egresso (Nafe). Ela considera a medida bastante positiva e assegura que através do núcleo a direção sabe as necessidades de presos e familiares.

Conselho penitenciário está atento às ocorrências
O secretário de Justiça e Direitos Humanos e presidente do Conselho Penitenciário do Acre, Henrique Corinto, também não está alheio a essas questões. Segundo ele, são realizadas vistorias semestrais no intuito de constatar in loco as condições do sistema carcerário acreano.

No caso do Antônio Amaro – apontado por ele como uma das melhores estruturas prisionais do Estado, só perdendo para o de Senador Guiomard, ainda em construção – ele disse que todas as ocorrências são investigadas. “Estamos atentos as ocorrências não só do Antônio Amaro, mas de todo o sistema prisional”, disse.

Em relação ao preso Andriola, que estaria supostamente jurado de morte, Corinto informou que iria entrar em contato com a administração do Iapen para adotar medidas preventivas, no intuito de preservar a integridade física e moral do preso.

 

A Gazeta do Acre: