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De moralidade e locupletação

A legislação eleitoral brasileira pode ser considerada uma das mais estapafúrdias do mundo, senão a campeã de anacronismos. Exemplo disso é a propaganda descarada que quase todos os candidatos a presidente – principalmente – desencadearam no período que antecedeu ao processo eleitoral, oficialmente deflagrado em cinco de julho passado. Nos programas ou nas inserções de rádio e TV, essa propaganda chegou a confundir o cidadão, por fazer crer que o horário eleitoral gratuito (outra aberração consentida), já tivesse sido iniciado.

Oficialmente ele passará a invadir os lares dos brasileiros a partir do dia 17 deste mês e até o dia 30 de setembro. Imperfeito na forma e no conteúdo, trata-se de um mal necessário cujo objetivo primeiro é, pelo menos em tese, cabalar voto do eleitor no hoje chamado “palanque eletrônico”. Em tempos de TV digital, telefonia em 3D e internet, o velho caminhão abarrotado de escadas, de caixas de som e de gente que durante décadas invadiam as praças, ficou obsoleto. Os showmícios, que arregimentavam multidões, também são coisas do passado.

 – De tempos pretéritos, sobraram os santinhos, os cartazes consentidos e os muros, onde os candidatos ainda podem estampar suas faces, seus números e seus slogans de campanha. A lei eleitoral, contudo, tem alguns aspectos positivos que merecem ser destacados. A obrigatoriedade de apresentação pelos candidatos da declaração do imposto de renda – instrumento legal que serve para aferir a variação patrimonial do pretendente a cargo público – é a que concentra minha atenção neste artigo.

Cumprida essa exigência, disso suscitaram polêmicas e mais polêmicas acerca do crescimento vertiginoso do patrimônio de determinados candidatos (outrora ou ainda ocupantes de cargos eletivos) nos últimos anos. Houve quem defendesse a tese de que tal crescimento se constitui em algo factível e absolutamente normal e que se trata de uma evolução normal para quem se revelou competente na gestão de seus próprios negócios paralelos ou patrimônio e situação financeira pessoais. A questão é: os bens e valores levados ao conhecimento da Justiça Eleitoral  são compatíveis com a rea-lidade? – A casa, o carro, etc. têm mesmo o valor de mercado explicitado na referida declaração? O senso comum diz que não, mas o senso comum nem sempre reflete a verdade.

 É preciso deixar claro que a assunção pessoal, social, financeira de determinado gestor público não é incompatível com uma administração honesta, eficiente e voltada para o interesse público, para a coletividade, com o perdão da redundância. Tanto quanto crescem os homens, cresce a humanidade – em todos os aspectos.
A prevalecer a máxima da Lei de Gerson, que apregoa “candidamente” a necessidade intrínseca de se levar vantagem em tudo, isso nos remete à necessidade de se resgatar da memória uma outra máxima de autoria de Stanislaw Ponte Preta, o saudoso Sérgio Porto: “ou restauramos a moralidade nesse país, ou então nos locupletemos todos”.  
 
 * Clélio Rabelo é jornalista por vício e candidato a ter uma overdose de informação e crítica (cleliorabelo@pop.com.br)

 

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