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Aumento das queimadas locais e fumaça vinda de fora acinzentam céu da Capital

Era o ano de 2005! O céu era quase invisível diante da ‘cortina’ de fumaça importada da Bolívia e Rondônia, acumulada com a do Acre. Ao ar livre, mal se podia enxergar 5 m à frente. Estudantes de máscaras saíam às ruas para protestar. Hospitais estavam lotados de pacientes com problemas respiratórios. Caos generalizado! No fim, tudo passou, mas pode – sempre – voltar. Neste ano, quem olhar para o céu certamente já pode perceber os tons de cinza se sobressaindo, aos poucos, sobre o que deveria ser somente azul.

Segundo o monitoramento on-line do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Estado registrou, entre 1º de julho até ontem (5 de agosto), total de 299 focos de calor (indicadores de queimadas maiores, adotados para definir ações). É muito! Para se ter noção, no mesmo período de 2009 foram 10 focos (naquele ‘verão’, chuvas distribuídas dificultaram incêndios) e 82 focos em 2008 (condições mais afins com as atuais). Entre 1º de julho a 5 de agosto de 2007 foram 129 focos e de 2006 foram 123 focos de queimadas.

Destes 299 registros no Inpe, os campeões de focos são Rio Branco (53); Sena (32); Bujari (28); Plácido (28) e Taraua-cá (24). Acrelandia (18),Quinari (17), Rodrigues Alves (15), Porto Acre (15),  Feijó (14);  e Brasiléia (12) completam a lista. Todos os demais estão abaixo de 7 focos. Na Capital, o Corpo de Bombeiros recebe a média de 10 a 13 ocorrências diárias de incêndios. No Estado inteiro, este número gira em torno de 35 ocorrências por dia.

Em outras palavras, os meses de julho/agosto estão sendo o pior início de ‘verão’ desde o tão temido em 2005, que durante o mesmo intervalo já marcava 1.661 focos de calor.    

Seria o presságio de algo maior? Realidade? Tendência? É impossível afirmar com 100% de precisão. Porém, uma coisa é certa: o céu acinzentado de Rio Branco serve como um sinal à sociedade dos riscos das queimadas! Um alerta de que é preciso parar de pensar que tudo está bem e passar a se empenhar ao máximo para combater este mal!

Até a conjuntura atual é parecida com a de 5 anos atrás. De acordo com Cleísa Cartaxo, presidenta do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), o que tem gerado mais focos neste ano são as condições climáticas altamente favoráveis às queimadas. De fato, mais de 95% do Acre apresenta escassez de chuvas, umidade relativa do ar baixa (inferior a 30%) e rajadas fortes de vento (dispersa fogo), isto é, está sob risco crítico de incêndios. 


Mas isso não é tudo! Segundo a gestora ambiental, aquele velho indicativo de que o Acre recebe fumaça de outros Estados e países vizinhos já está mais do que comprovado em 2010, pelos estudos apontados pelo Inpe. “Há uma grande concentração na Bolívia, em Rondônia e no sul do Amazonas. Com a chegada da frente fria, a nossa situação se agrava porque, como ela é oriunda do sul, empurra toda cortina de fumaça para cá”, diz Cleísa. 

Como evitar todo este particulado (quantidade de fumaça) de fora? Essa é uma resposta difícil, já que se trata de uma decorrência climática que traz a má conduta dos vizinhos até aqui. Ainda assim, para pormenorizar o problema, sem dúvida a melhor saída é não contribuir com mais fumaça local, evitando-se gerar um acúmulo maior.

Incêndios rurais e urbanos – Basicamente, as queimadas são divididas de acordo com o ambiente (cenário) onde elas ocorrem, podendo ser, então, em zonas urbanas ou rurais (florestais). Independente do tipo, as duas são altamente perigosas no atual clima de ‘verão’ ao qual atravessa o Acre. As urbanas têm maior freqüência, atingem proporções menores, e oferecem riscos mortais às pessoas da área incendiada. Já as do tipo florestal são preocupantes pela questão do acesso, pelas proporções e pela demora que a floresta terá para recuperar aquele espaço consumido pelas chamas.

 Os maiores danos/riscos para a Saúde
* asfixia, pânico, intoxicação, dores de cabeça, mal estar, vômito e muita tosse;
* lacrimejamento e irritação nos olhos e na pele (os dois mais suscetíveis a infecções);
* febre e ardência forte nos ouvidos, na boca e na garganta;
* diminuição generalizada da atuação do sistema imunológico do organismo humano;
* aumenta chances de incidência para determinados tipos de doenças e de tumores;
* insuficiência de oxigênio, aceleração da respiração, bronquite crônica e aguda, agrava e provoca asma, e causa reações inflamatórias nos pulmões (problemas respiratórios);
* Causa danos permanentes no sistema respiratório, em especial, de crianças e idosos;
* Aceleração de batimentos cardíacos (pode incitar infarto) e danos à corrente sangüínea (aumento de glóbulos brancos, redução de hemoglobina, entre outras alterações);
* por fim, um tempo prolongado de exposição aos vapores culmina na morte da pessoa por diversos fatores: falta de ar, intoxicação, falência de órgãos, etc.

 
Ações de prevenção e combate do Instituto de Meio Ambiente
Articulado para não permitir que as queimadas tomem conta do Estado, o Instituto de Meio Ambiente (Imac) passou a intensificar as suas atividades contra o risco iminente do fogo desde a 2ª quinzena de junho. Trata-se de uma política de atuação que já vem sendo planejada e aprimorada há anos. Conforme a presidenta Cleísa Cartaxo, tais ações são divididas em dois eixos principais: o controle/repressão e a prevenção.

O controle consiste na fiscalização e monitoramento das queimadas. O monitoramento é organizado pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema) e Defesa Civil do Estado (Cedec), para gerar boletim a cada 2 dias relatando quantidade de focos e de fumaça nas regiões e mapa de riscos (base de estudo). Já a fiscalização é efetuada pelo Imac e pelo Ibama nas zonas rurais/interior (Porto Ac, Bujari, Feijó, Taraucá e Juruá) e pela Semeia na Capital.

“Tudo começa quando identificamos áreas (polígonos) com mais de 5 ha desmatados, através de imagens de satélite. Daí, mandamos equipes ao local (por terra ou helicóptero) e fazemos a medição. Constatada ilegalidade, a área é autuada e embargada. Caso o dono queime de novo, a multa é dupla: por combustão ilícita e por violar o embargo. Neste processo, já identificamos in loco mais áreas desmatadas”, detalha Cleísa Cartaxo.

Por sua vez, a prevenção é empregada em várias frentes de ações. Entre elas, destaca-se a integração com a Cedec para pedir das prefeituras acreanas os planos de contingência contra queimadas; várias palestras e seminários sobre os usos alternativos do fogo; ação conjunta com a federação de Agropecuária para formar brigadas de combate ao fogo nas fazendas; com federação da Agricultura para repassar aos produtores informações sobre os altos danos da fumaça à saúde e o momento desfavorável. “Além disso, nós tentamos conscientizar as pessoas sobre os riscos das queimadas, por meio da mídia”, completa.  

Ajude nesta batalha – Para fazer sua parte não é preciso tanto esforço! A regra de ouro em se tratando de evitar queimadas é não fazer fogo a céu aberto, nem perto de objetos de combustão instantânea (altamente inflamável) e de matas. Muito menos para se livrar do lixo (a Operação Cidade passa 3 vezes pelos bairros para recolher lixo) ou para limpar terreno baldio. Não jogar cigarros em florestas e tomar cuidado com aparelhos elétricos.

A segunda regra é denunciando sempre todo tipo de incêndio ou grande concentração de fumaça pelo tel. 193 (CBM) ou pelo cel. 9985-7060 (Jocilene, chefe de fiscalização do Imac). “Quem provoca queimadas na cidade são cidadãos comuns, que queimam lixo, madeira, terreno baldio e materiais de construção. Parece só uma fogueirinha, mas se juntar todas aí serão centenas de queimadas, que podem atingir grandes proporções e se juntar com a fumaça do campo. No fim, todos saem prejudicados”, alerta Cleísa.

Evolução dos focos de calor desde 2005 (entre 1º de julho a 5 de agosto)

2000 3 focos, com total de 438 no ano;
2001 18 focos, com total de 1.838 no ano;
2002  141 focos, com total de 6.747 no ano;
2003 750 focos, com total de 14.744 no ano;
2004 242 focos, com total de 7.687 no ano;
2005  1.661 focos, com total de 28.784 no ano;
2006  123 focos, com total de 6.933 no ano;
2007  129 focos, com total de 6.147 no ano;
2008 82 focos, com total de 4.429 no ano;
2009 10 focos, com total de 1.325 no ano;
2010 (parcial) – 299 focos, com total de 361 no ano.

 TOTAL: 79.433  focos de calor/queimadas nesta década

* Vale ressaltar que os dados do DPI/Inpe tornaram-se mais exatos ano após ano

MPE: um cobrador insistente das ações públicas contra queimadas
Atento ao problema do fogo desde a catástrofe de 2005, o Ministério Público Estadual (MPE/AC) tem sido nos últimos 5 anos um verdadeiro articulador e cobrador das políticas públicas adotadas para prevenção e combate a incêndios. De acordo com a procuradora Patrícia de Amorim Rêgo, a posição do órgão é bastante clara em relação às queimadas: é preciso erradicar de vez a permissão ao uso do fogo, dando devido prazo de transição para que os reais necessitados (pequenos agricultores) se adaptem a opções alternativas.

Como o Ministério Público chegou a tal conclusão? A própria Patrícia Rêgo detalha toda a história. Tudo começou em 2005. O MPE montou um grupo específico e mobilizou as instituições públicas ao amplo debate sobre a questão, até se formar uma base concreta. Daí, passou a atuar no sentido de prevenção. Assim, foram feitas recomendações para o fim da autorização de queimadas, para que municípios estruturassem comitês de defesa civil, elaborassem planos de gestão emergenciais e treinassem brigadas contra o fogo.

“Neste ponto, o propósito foi fomentar políticas públicas para dar alternativas ao uso do fogo, a fim de que pequenos produtores se fizessem valer da prática para agricultura de subsistência, e tão somente para este fim (não para pastos)”, conta a procuradora.

Assim seguiu o papel do Ministério Público até 2009, quando o órgão se deu conta que ficar recomendando medidas ao poder público não era suficiente. Mais do que prevenir e só articular orientações, era hora de agir no controle das queimadas. Então, foi tomada atitude radical: a proibição do uso do fogo, regrando autorizações ao desmate de apenas 1 hac para agricultura de subsistência e as negando por completo no alto e baixo Acre, Envira e Purus (2010). Para 2011, a meta é cancelar de vez as permissões (fogo zero).

Conforme a procuradora, o MPE adotou tal medida pela visão de ‘inconstitucionalidade das autorizações. Para embasar sua tese, ela explica que desde os anos 60, com o Código Florestal, o uso do fogo é proibido na Amazônia, salvo caso dos pequenos agricultores. “Entretanto, esta exceção só foi concedida porque se vivia num momento diferente do atual. As mudanças climáticas mudaram nosso mundo hoje, portanto, este artigo já não pode ser aceito. Temos de achar alternativas e acabar com as queimadas”, completa ela.

Por conta desta Ação Civil Pública, o MPE acionou o Estado e os 22 municípios, que entraram com recurso de que a proibição não poria fim às queimadas e que prejudicaria os agricultores locais. Em Brasília, proferiu-se sentença mantendo a cobrança da ACP e consolidando frente combativa do MP – embora não seja fim da questão, pois o governo ainda tem proposta de recorrer, não por ser a favor do fogo, mas por crer que a decisão estipula prazo curto demais para que tecnologias alternativas consigam mudar costumes de gerações e convencer os pequenos agricultores daqui a abandonar de vez as queimas.

 “Portanto, o MPE tem sua posição bem clara quanto às queimadas desde 2005 até hoje, prevenindo, recomendando e exigindo a sua erradicação gradativa. Não temos de mudar o nosso olhar! O que nós podíamos ter feito, fizemos e ainda estamos fazendo. Mas até nós temos limites de atuação. Por isso, esperamos que o poder público ponha sempre o combate às queimadas como prioridade. E, ainda mais, que a sociedade faça sua parte e  também cobre isso do Estado, e não que fique só protestando quando tiver tudo pegando fogo. Cada um tem a obrigação de fazer a sua lição de casa”, concluiu a procuradora.

 

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