Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

No Acre, condenados por homicídio ficam, em média, menos de 1 ano presos

O tempo médio em que um condenado pelo crime de homicídio no Acre passa atrás das grades é de 300,8 dias. É o que mostram os dados do Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional), o banco de informações da Secretaria de Segurança Pública. O tempo máximo de reclusão não passa dos três anos.
Procuradora-patricia
Segundo o levantamento, 37% dos homicidas presos no primeiro semestre de 2010 já tinham recebido sentença condenatória pelo mesmo delito. Nos primeiros seis meses do ano, 120 acreanos foram assassinados.

Outro dado chama a atenção: mais da metade dos assassinos (65%) receberam algum tipo de benefício e estavam no convívio social quando tiraram a vida de alguém. Outros 25% estavam envolvidos em outros crimes, mas continuavam soltos. 

Os dados foram obtidos com exclusividade por A GAZETA e revelam a fragilidade da legislação brasileira e a falência do sistema de execução penal. Os números vêm à tona um mês após o bárbaro assassinato da assessora parlamentar Ana Eunice Moreira Lima, que ficou mantida refém e depois foi degolada por Gleisson da Silva Andriola, 25.

Mesmo com um histórico criminal corrido e condenado por vários crimes, Andriola estava solto após receber o benefício da liberdade condicional, que garante ao condenado cumprir o restante da pena fora do presídio.

Especialista em direito criminal, a procuradora de Justiça, Patrícia Rêgo, chama a atenção para uma série de fatores que têm contribuído para o “afrouxamento” do sistema penal do país.

Ela chama a atenção do movimento de esvaziamento dos presídios promovido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e com apoio do próprio Conselho do Ministério Público, o CNMP. Realizado em um mês, o mutirão analisou 3.906 processos que resultou na libertação de 263 presidiários.   

“Hoje, temos um Poder Executivo com um sistema carcerário falido, que não recupera ninguém, e quer esvaziar os presídios, o CNJ fomentando essa prática e um Legislativo omisso e muitas das vezes dá vigor a políticas desastrosas”, analisa a procuradora. “O sistema não tem funcionado”.

Defensora de reformas na legislação penal, Patrícia afirma que as ocorridas nos últimos tempos têm servido mais como retrocesso do que como avanço. Um exemplo disso é a exigência do Exame Criminológico, critério usado pelo juiz para conceder ou não o benefício da liberdade condicional.

Alteração na Lei de Execuções Penais (LEP) fez com que o exame deixasse de ser obrigatório para opcional. Cabe ao magistrado decidir se pede ou não uma avaliação psicológica. É através deste exame que o magistrado chegaria à conclusão de permitir ao sentenciado a oportunidade de cumprir parte da condenação em liberdade ou mantê-lo preso.

Segundo Patrícia Rêgo, hoje o benefício da liberdade provisória é concedido apenas com base em critérios objetivos, como o tempo de cumprimento da pena, além da análise de comportamento do presidiário.

A procuradora cita o caso Andriola como falha neste tipo de avaliação para conceder benefícios. “O boletim carcerário do Andriola define o comportamento dele como ótimo”, revela. Para ela, muitos presidiários, já sabendo dessa avaliação, mantêm boa convivência atrás das grades para garantir a soltura. 

 ‘Laudos criminológicos são piadas’
A procuradora classifica os laudos criminológicos como “piadas”. Ela diz que as avaliações não são feitas com bases científicas, que façam uma verdadeira análise psicológica dos presidiários. Os exames, completa, têm como base somente o atestado de bom comportamento.

“Ao invés de o Legislativo criar instrumentos para que os exames sejam eficazes, ele prefere tirar a exigência. A sociedade precisa entender como é tratada a questão da Segurança Pública no país. Tira-se a exigência do laudo e deixa-se psicopatas no convívio social”, observa ela.

Para Patrícia, o resultado dessa política é vista, rotineiramente, com a criminalidade avançando cada vez mais. O histórico dos beneficiados revela que, após a concessão da liberdade (aberta ou semi-aberta), eles sempre voltam ao presídio por cometerem crimes de gravidade maior.

O atual cenário também mostra um sistema totalmente desconectado. Em muitos casos, o benefício é dado a pessoas que são procuradas pela polícia, revelando completa desconexão entre as duas pontas.

Um exemplo é de Wisne da Silva Araújo, 19 anos, conhecido por Africano. Apesar da tenra idade, ele já apresenta ficha policial invejável para bandidos mais veteranos.

Africano foi encaminhado ao presídio no dia 14 de dezembro do ano passado pelos crimes de furto e tráfico de drogas. Em março foi concedido o direito de cumprir a pena fora do presídio. Nem bem estava em liberdade quando foi preso pela Polícia Militar numa tentativa de assalto a um comércio no bairro Laé-lia Alcântara no mesmo mês.

No dia 16 de junho, ele foi um dos atendidos pelo mutirão carcerário e teve, uma vez mais, a liberdade garantida mesmo com novo mandato de prisão expedido pelo crime de homicídio. O caso exemplifica a falta de sincronia nos atos da própria Justiça, que concede benefício a uma mesma pessoa com mandato à espera de execução.

A ficha de Andriola
Assim como Africano, Andriola cometeu seus primeiros crimes ainda bem jovem e, com o passar dos tempos, as gravidades dos delitos foram subindo numa escala hierárquica da bandidagem. A primeira prisão, em março de 2004, ocorreu pelo furto de uma quantia significativa: R$ 14.000. 

A estadia de Andriola na cadeia não chegou a ser tão duradoura, pois em setembro do mesmo ano é preso em flagrante por roubo. Enquanto é detido pelo segundo delito, ele recebe a sentença do primeiro, 2,5 anos de reclusão. Somadas as duas condenações chegou-se a 10 anos e seis meses.

Em Cruzeiro do Sul participa de rebelião e é transferido para o presídio da Capital em 2006. Ainda naquele ano é pedida a concessão da progressão do regime. Em 2007, após seguir todos os trâmites burocráticos, Andriola ganha as ruas pelo regime semi-aberto, quando o preso trabalha durante o dia e à noite dorme no presídio.

A defesa pede em seguida o livramento condicional, que dá ele o direito de não pernoitar na cela, mas cumprir uma série de exigências. Solto, ele comete outro roubo e no dia seguinte ganha o benefício do regime aberto.

Outro agravante: também um dia antes de a Justiça conceder o regime aberto foi constatado que Andriola tinha descumprido uma das exigências: mudou de endereço sem avisar.

Ele é condenado novamente em fevereiro de 2008 e em maio deste ano sai do regime fechado para o aberto provocando um dos crimes mais chocantes da história policial acreana.   

 

Sair da versão mobile