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Opção pelo “commodismo”

Hoje é um fato notório que a economia brasileira está se desindustrializando. Dados divulgados pelo IPEA mostram que, entre 1981 e 2008, a participação da indústria no PIB brasileiro caiu de 44,31% para 27,34%. Até aqui, por conta de um comportamento errático do câmbio, o país não conseguiu avançar na consolidação de segmentos da indústria com maior intensidade tecnológica.

O Plano Real teve na política cambial uma de suas principais âncoras e um fator decisivo para a estabilização da economia. Todavia, o que era para ser transitório virou permanente e essa política veio a se tornar a maior responsável pela aceleração do processo de desindustrialização do país. Como era esperado, ela teve efeito negativo na taxa de investimento, que baixou de 24,45% em 1981 para 19,91 % em 2008, contrariando a previsão dos seus defensores de que a desvalorização do dólar baratearia a aquisição de máquinas e equipamentos do exterior e estimularia o aumento da competitividade da indústria na-cional. O que ocorreu, em vez disso, foi uma concentração em segmentos de commodities industriais, produtos de reduzida agregação de valor em relação aos bens primá-rios. As indústrias de produtos com maior valor agregado foram, paulatinamente, sendo fechadas e as que sobreviveram enfrentam enormes dificuldades, como é o caso da indústria da química fina.

Dados divulgados pelo IEDI sobre a balança comercial da indústria no período de 2004 a 2009 (neste ano, os dados se referem ao acumulado de janeiro a setembro), comentados por diversos analistas, mostram que, de um saldo positivo de US$ 17,09 bilhões em 2004, regredimos para um déficit de US$ 4,83 bilhões em 2009. Ao se desagregar esse saldo segundo a intensidade tecnológica dos produtos, sobressai que os setores de média/alta tecnologia apresentaram um elevado crescimento do déficit comercial no período – de US$ 2,07 bilhões para US$ 19,19 bilhões – e o déficit do segmento de alta tecnologia subiu de US$ 5,58 bilhões, em 2004, para US$ 12,65 bilhões em 2009.

Esse cenário é típico da “doença holandesa” – excessiva valorização do Florin ocorrida em decorrência do enriquecimento da Holanda com o petróleo, que praticamente destruiu a indústria daquele país. A supervalorização do Real e sua permanente instabilidade, decorrente da flutuação diária do câmbio, impedem o crescimento da indústria brasileira de bens de maior densidade tecnológica. E ao abrir mão de uma presença relevante nessa área, o país recai num quadro de baixo índice de inovação, o balanço de pagamentos fica na dependência dos preços internacionais das commodities e a geração de empregos qualificados se retrai.

A mudança desse cenário certamente exigirá a adoção de medidas imediatas, ainda em 2010. O economista Mauro Arruda, conhecido consultor de empresas e do poder público, focado no problema da desindustrialização, sugere a instituição de um sistema de metas de câmbio, à semelhança do que se faz em termos de metas de inflação. Esse sistema estabeleceria limites para a livre flutuação do câmbio e seria complementado por medidas na esfera fiscal, em conformidade com a conjuntura econômica do momento. Assim o BC atuaria como o FED norte-americano, que define taxas de juros considerando não só a evolução da inflação como também as previsões de crescimento do PIB.

Essa perspectiva de se estabelecer um compromisso da política cambial com o desenvolvimento nacional deveria orientar nossa política monetária, hoje diretamente subordinada aos interesses do mercado financeiro. É deste segmento que advêm as pressões no sentido de se aumentar, em 2010, a taxa de juros para 11% ou até mais, a pretexto de que seria a única maneira de manter a inflação sob controle. Se isto acontecer, será difícil reverter a tendência de maior valorização do Real e a conseqüente queda do nível de investimento.

Em reforço à sugestão da introdução de metas de câmbio e para evitar a progressão da “doença holandesa”, seria conveniente a criação de um fundo soberano, a exemplo do que fizeram países com reservas cambiais expressivas como a Noruega, apenas para citar um país rico em petróleo. Essas seriam algumas possíveis medidas para trazer o valor do Real para patamares que incentivem a criação e o fortalecimento de indústrias de maior intensidade tecnológica.

É esperado que o Real se desvalorize no decorrer de 2010, seja por conta dos crescentes déficits em transações correntes e na balança comercial, seja por conta da própria valorização do Dólar. Isto será benéfico para a indústria nacional, mas certamente não será suficiente para o desenvolvimento dos segmentos de maior intensidade tecnológica. Sem um mínimo de estabilidade e com o câmbio flutuando fortemente e de maneira desordenada, não haverá investimentos expressivos nesses segmentos.

Indiscutivelmente, o Brasil pode-se orgulhar de estar atravessando um período de grande estabilidade macroeconômica, assegurada pelo acúmulo de reservas cambiais que se aproximam de US$ 240 bilhões. Este é o momento para realizar mudanças e superar os evidentes sintomas da “doença holandesa” que acometem nossa economia. Não é prudente um país com a economia forte, renda per capita elevada e boa distribuição de renda acomodar-se à simples condição de grande produtor de commodities, ficando à mercê das oscilações internacionais de demanda e de preços e – pior que isso – das manobras especulativas que freqüentemente alvejam essa classe de mercadorias.
 
* Nelson Brasil de Oliveira é vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina – Abifina.

 

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