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Especialistas apontam tráfico de drogas nas fronteiras como maior causa da violência

Durante três dias representantes de universidades, iniciativa privada, Forças Armadas, judiciário, ONGs e autoridades federais e estaduais debateram estratégias para a segurança e o desenvolvimento do Brasil. O Encontro que aconteceu, nessa semana, em Brasília, teve como objetivo fazer uma reflexão sobre a situação da Segurança Pública no país. O evento promovido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República faz parte do Plano Brasil 2022 que visa atingir metas propostas de avanços sociais para o ano do Bicentenário da Independência Brasileira.
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O Acre participou do Encontro através de uma palestra da secretária de Segurança Pública, Márcia Regina, que apresentou a uma platéia de especialistas, a sua expe-riência de gestão na área. “O Acre não tem o problema de presos em delegacia. Mas vive o drama da entrada de drogas pela fronteira”, disse ela.

Da mesma mesa do debate, A Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, participaram o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri. Também debateram o tema Marcelo Batista, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Almir de Oliveira do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) e o general Lima Neto do Comando do Exército.

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A secretária de Segurança, Márcia Regina, destacou a implementação de sistemas e combate ao crime no Acre

As palestras giraram em torno das questões da segurança nas fronteiras brasileiras, das políticas de combate criminal nas cidades, da qualificação dos profissionais de Segurança Pública, do sistema prisional e de cumprimento das penas. Todos especialistas convergiram nas suas colocações a respeito do atraso e da falta de sistematização do combate à criminalidade no Brasil. Em outras palavras, fizeram coro com o descontentamento da sociedade com a falta de punição adequada para crimes de alta gravidade e o poli-ciamento preventivo. Neste sentido, todos apresentaram as soluções técnicas mais viáveis para melhorar o atual quadro de violência num país que registra 40 mil homicídios por ano e tem uma população carcerária de 474 mil pessoas.

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O secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, elogiou o modelo acreano

“Sem segurança não existe desenvolvimento econômico”
O secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, fez severas críticas à falta de um sistema coerente de combate ao crime. Ele relacionou as falhas da segurança com a politização e o clientelismo dos cargos nos estados. “É impossível se ter um desenvolvimento real sem o bem-estar da população. Sem segurança não há desenvolvimento e nem estabilidade econômica. Os governos estaduais têm tratado esse tema como uma questão política o que é um erro. Por isso, a nossa segurança continua um desastre e não há como resolver essa situação num passe de mágica. Temos atualmente 40 mil homicídios e 37 mil mortes no trânsito como resultado de um sistema empírico que não funciona”, revelou.

Para Balestreri é preciso entrar em cena uma visão mais estratégica e sistêmica. Nesse momento, elogiou e justificou o convite à secretária acreana, Márcia Regina, por estar criando várias ações no Estado que caracterizam a criação de um sistema de ação. Na opinião do secretário é preciso que a polícia esteja na rua. “Mas o policial não pode ser um poste de concreto na esquina, antipático à população. Adotamos um modelo de radiopatrulha copiado dos Estados Unidos em que as pessoas só assistem as viaturas passarem como vultos por elas. É preciso que haja um relacionamento dos policiais com os moradores dos bairros e comerciantes. Que todos se conheçam pelos nomes. Senão ficaremos presos a esse infeliz sistema do 190 em que a polícia só chega para consolar a vítima. É preciso que haja investigação no meio do povo, inteligência e pensamento estratégico dos operadores que devem ser referências morais da comunidade”, apregoou.

Para Balestreri a truculência repressiva das polí-cias brasileiras não resolveu o problema da violência. “É preciso trabalhar a repressão de maneira qualificada. Foi à integração de instituições que reduziu o desmatamento no Brasil”, afirmou. O secretário nacional elogiou iniciativas que privilegiem o policiamento comunitário.

Justiça e política de segurança
Outra questão amplamente debatida pelos especialistas se referiu à legislação vigente que está desatualizada. “No Brasil ainda se penaliza com a supressão da liberdade. Mas penaliza mal porque pune fortemente os pequenos criminosos e pune frouxamente os grandes criminosos. Nós temos que mudar essa legislação e o próprio modelo judiciário. No Brasil os pequenos delinqüentes estão se estragando nos presídios e aprendendo a ser grandes delinqüentes. Os grandes delinqüentes estão no comando do crime de dentro dos presídios. A relação entre Segurança Pública e o Judiciário é que o sistema brasileiro é formador de criminalidade. É criminológico, não resolve e gera crime. A solução é revisarmos todo o campo legislativo. Não fugirmos da penalização para os criminosos altamente ofensivos e trabalharmos mais com penalização alternativa dos pequenos delinqüentes”, ressaltou Balestreri.

Também a secretária acrea-na vê nas leis brasileiras um impeditivo para uma Segurança Pública mais eficiente. “No desenvolvimento das gestões quem está sofrendo as mazelas são as policias que têm a necessidade de dar uma resposta rápida às comunidades. A gente observa que se nós não conseguirmos delinear os processos acontecem no Brasil a partir de uma legislação obsoleta fica difícil aceitar que de um momento para o outro o problema do encarceramento e da superpopulação das penitenciárias vai ser resolvido. Punir e prender não vai resolver o problema. Mas temos que saber quais as condutas sociais que vamos repreender de uma forma forte e quais vão tratar com apoio social e oportunidades”, argumentou.

Para Márcia Regina as gestões de segurança sempre assumem sempre as responsabilidades dos problemas. “Hoje no meu Estado sou a responsável por tudo que acontece. Se a gente tenta explicar está tentando empurrar o problema. Se destacamos a legislação nós estamos empurrando a culpa para o judiciário. Nós não temos varinha de condão. A cultura brasileira requer modelos mágicos, soluções únicas e respostas precisas para explicar o inexplicável. Quando fui para a Segurança Pública tinha trabalhado como procuradora na área de meio-ambiente que é complexa. Mas me valeu muito quando fui estudar a segurança pública para implementar uma reformulação no Acre na gestão do atual governador, Binho Marques (PT) na forma de estabelecer a sua política”, narrou.

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Os especialistas ressaltaram a união das polícias para o monitoramento das fronteiras

Fronteiras: o complexo problema de combate ao narcotráfico
Todos os palestrantes apontaram o tráfico de drogas como a principal causa da atual situação de violência no Brasil. A secretária, Márcia Regina, fez uma radiografia do problema no Acre. “O nosso Estado tem mais de três mil quilômetros de fronteira seca com o Peru e a Bolívia. Nós éramos conhecidos como o final do Brasil. Um lugar que não liga nada a lugar nenhum. Atualmente nós somos a porta de entrada do país para os mercados do Pacífico num dos maiores projetos de desenvolvimento do Brasil que é a Rodovia Transoceânica”, argumentou.

Márcia Regina explicou que os países fronteiriços ao Acre, principalmente a Bolívia, adotaram uma política de aumento da área de plantio da coca.  “Como a rota do Peru com a Colômbia foi muito combatida os narcotraficantes começaram a utilizar mais os nossos rios para entrar com a droga pelo Brasil. Isso fez com que ficasse mais droga no nosso Estado que teve um impacto real na violência. No ano passado foi aprendido uma tonelada e trezentos quilos de cocaína. Neste ano, já apreendemos uma tonelada. A fiscalização é complexa porque além da extensão da fronteira temos vários ramais que se entrecruzam para dentro do Acre”, salientou.

A secretária de Segurança Pública também indicou o aumento da população urbana acreana como um fator para o aumento do comércio de drogas interno. “As transformações econômicas do Acre nos últimos 10 anos fizeram com que o Estado buscasse uma política para se integrar com seus vizinhos fronteiriços. Sempre houve muita violência no Acre por sermos de uma cultura de origem nordestina com um processo de ocupação que colocava as pessoas a esmo na floresta onde se defende quem é mais forte. As pessoas têm na sua cultura a defesa pelas próprias mãos em qualquer ameaça. Nós conseguimos avançar, mas o Estado sentiu o processo de abandono da floresta e o inchaço das áreas urbanas e o processo de ocupação fronteiriço. Portanto, é a lei do mais forte também nas áreas urbanas”, alegou.

O secretário nacional, Ricardo Balestreri, concordou que a questão das fronteiras brasileiras é uma porta de entrada à criminalidade. “Apenas a Polícia Federal não vai dar conta dos 19 mil quilômetros de fronteiras brasileiras. Os nossos policiais não conseguem chegar nem a 50% desse território. Já se fez muita demagogia no Brasil sobre esse assunto, mas a solução está numa visão de estado. É preciso haver uma integração entre as nossas forças de segurança para resolver o problema”, afirmou.

Em relação à situação do Acre, Balestreri, apontou as suas soluções. “Não estou falando em unificar polícias. Polícia única é uma característica de ditadura. Os governos democráticos têm que ter mais de uma polícia. Mas integrando as diversas políticas de ações de fronteiras, que é o que nós estamos fazendo através do Sistema de Monitoramento de Fronteira (Sisfron) e também da Operação Sentinela da Polícia Federal. Os dois programas congregam todas as polícias e as Forças Armadas que juntos vai dar conta da questão de fronteiras. Nenhuma instituição separada vai poder cuidar de fronteiras tão grande como as brasileiras”, analisou.

O general Lima Neto do Comando do Exército também apregoou a união entre as forças de segurança nas fronteiras. “É preciso haver uma vinculação administrativa entre o Exército e os órgãos de segurança nos estados. As manifestações de criminalidade estão ficando mais complexas e organizadas e transcendem os limites, as divisas regionais e as fronteiras. Numa situação de não normalidade poderemos ajudar a implementar o Sisfron para combater as entradas de drogas e de armas no país”, relatou.

A missão do novo Congresso Nacional
Dentro das perspectivas de mudanças nas legislações que atendam aos anseios da sociedade existe a possibilidade uma reforma profunda que deverá vir da nova configuração política do Congresso Nacional. O secretário nacional, Ricardo Balestreri, ressaltou a importância da eleição de políticos qualificados para a missão legislativa na Câmara dos Deputados e no Senado. “Vejo grandes desafios para os legisladores. É preciso ter uma tipificação mais clara do crime organizado com as devidas penas. O tamanho da pena não é o que importa, mas a certeza da punição. É preciso relativizar esses mantras jurídicos. Uma pena de três dias e outra de três anos têm uma diferença. Nós precisamos punir os chefes dos crimes organizados que têm uma conduta so-ciopática e precisamos fornecer penas altamente recuperadoras para a maioria da massa prisional brasileira”, destacou.

Balestreri usou como exemplo da contradição das leis brasileiras a questão do narcotráfico. “Se olharmos para as drogas temos 80 mil pessoas presas no Brasil. Quase 90% foram presas com pequenas quantidades de drogas, sozinhas, desarmadas e são réus primários. Nós temos que punir o pequeno traficante, mas não de uma maneira que o estrague ainda mais. Os 90% de pequenos traficantes presos estão apenas sendo cooptados pelo crime organizado e eventualmente podem se tornar mais perigosos. É preciso repensar toda a máquina prisional brasileira e o próprio processo da segurança pública porque temos um modelo muito ruim, afirmou.

Outra crítica do secretário nacional é para a estrutura das polícias nos estados. “Nós temos duas meias polícias (militar e civil) que não fazem os seus serviços completos. Uma precisa da outra para caminhar com o atendimento do cidadão. Isso cria muitos problemas. Somos o único país do mundo que tem um sistema tão esquisito. Precisaríamos de polícias inteiras. Cada uma fazendo uma parte do trabalho não vai dar certo nunca. precisamos do ciclo completo de polícia. É um temas que tem que ser discutido para que melhore o sistema de segurança pública e de justiça do país”, resumiu.

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Almir de Oliveira, do Ipea, e Marcelo Nery, da USP

“O futebol é mais importante no Brasil do que a violência”
O pesquisador Marcelo Batista Nery, do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo (USP) fez uma palestra surpreendente. “Se gasta bilhões de reais em segurança. Mas a segurança é menos importante no Brasil do que o futebol. A cada 11 minutos tem alguém sendo assassinado no país. A violência tem que ser tratada em vários níveis simultaneamente. É preciso investir na informação, na formação de agentes de segurança, na melhoria das suas remunerações, em equipamentos de proteção e no apoio psicológico. O Brasil não tem tradição de inteligência criminal. Só mudaremos o quadro atual com uma perspectiva cidadã democrática que atenda as expectativas da nossa sociedade”, apregoou.

Almir de Oliveira, do Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas (Ipea), criticou a tradição brasileira dos últimos anos de manter a Segurança Pública como uma questão dos estados. “Só recentemente estamos tendo um enfoque nacional para o problema com um aumento das ações do poder executivo federal. Precisamos de uma integração sistêmica com processo de gestão democrática. A nossa população anseia por reformas radicais nas polícias priorizando o policiamento comunitário. Além de programas de reabilitação carcerária para acabar com a superlotação das nossas penitenciárias”, sugeriu.

 

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