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Política e religião: uma mistura explosiva

Estava sentado, ontem, no  Salão Azul da Aleac, esperando a sessão legislativa começar neste período eleitoral de pouca produção parlamentar. A maioria dos deputados estaduais está indo apenas às terças-feiras para cumprir o acordo que impedirá a imobilização completa do poder legislativo acreano durante o período eleitoral. Por isso, ficam falando sobre política, quem vai conseguir se reeleger, quem está bem e quem está mal, os prognósticos sobre a eleição majoritária e fomentando as fofocas eleitorais.

Bem, dois deputados, um da oposição e o outro governista conversavam antes de irem votar no plenário da Casa Legislativa. Eles comentavam sobre o apoio de um certo pastor evangélico de Sena Madureira às suas respectivas candidaturas. Aí surgiu o assunto que na verdade o tal pastor também estava apoiando um terceiro candidato à Aleac. Que loucura! Um pastor apoiando três diferentes candidatos ao mesmo cargo na maior cara de pau. Vendeu para cada um dos candidatos o mesmo produto, o voto dos seus fiéis. Ninguém é tolo o suficiente para achar que o apoio do “líder religioso” veio espontaneamente por razões ideológicas.

A conversa entre os parlamentares virou uma piada. Todos se sentindo traídos pelo bendito pastor que de otário não tem nada. O sujeito está se aproveitando da ascendência que tem sobre uma determinada comunidade religiosa para se dar bem pessoalmente. Aí cabe uma pergunta: qual o nível de espiritualidade desse pastor? Será que um líder religioso que se compromete politicamente com três diferentes candidatos ao mesmo cargo tem condições de conduzir o seu rebanho? Será que o famigerado pastor está realmente preocupado com o Reino dos Céus ou quer se dar bem no reino dos homens?  Que vergonha! Pobres fiéis que são obrigados a ouvir as interpretações bíblicas de um ser humano tão despreparado e sem compromisso com a verdadeira espiritualidade que não tem nada haver com política.

“Ai daqueles por aonde vêm os escândalos”
A frase do discípulo evangelista de Jesus Cristo, Mateus, parece não estar sendo levada muito a sério por alguns candidatos que utilizam as comunidades religiosas para os seus projetos políticos eleitorais. É um absurdo que alguém que pregue a palavra de Deus esteja tão empenhado em conseguir um cargo eletivo e conseqüentemente o poder mundano que é renegado em todos os Evangelhos. É uma contradição muito grande. Pregar a humildade de Jesus e ao mesmo tempo se arvorar em ter o reconhecimento dos homens. Na realidade são “os túmulos caiados que por fora aparentam ser belos e lustrosos, mas escondem toda podridão nos seus interiores”. Atribuo à ignorância de alguns fiéis seguir cegamente esses falsos líderes mais preocupados com o poder dos homens do que de Deus.

Recentemente tivemos alguns casos envolvendo o tênue limite entre a política e a religião. No caso do flagrante da Polícia Federal num posto de gasolina de Rio Branco dois pastores ligados a candidata e bispa evangélica Antonia Lúcia (PSC) ainda estão presos. Já foram dadas muitas explicações e a missionária garante que nem sabia da carreata que lhe seria uma surpresa.

Alguns dias depois assistimos a apreensão de R$ 472 mil em notas numa caixa de papelão dentro de um carro que seriam uma doação de um fiel para uma igreja de Manaus, segundo a mesma Antonia Lúcia. Ela já deu a sua versão numa entrevista coletiva, na semana passada. Falta agora a Polícia Federal e o TRE/AC confirmarem se realmente em pleno auge da campanha eleitoral uma quantidade enorme de dinheiro era uma simples doação às obras da igreja. Mesmo assim depois do assunto ser manchete em todos os jornais do Acre e de alguns de circulação nacional é preciso esclarecer a origem do dinheiro. Quem doou e por quê? E qual era o destino dos recursos? 

Nesse caso ninguém foi preso. Mas ainda assim é preciso uma versão definitiva dos fatos. Não existe proibição penal em se transportar dinheiro. Mas qualquer valor tão alto tem que ter uma origem e um destino é isso que a sociedade acreana precisa saber na versão das nossas autoridades. Mais uma vez a questão religiosa se mistura com a política. Se Antonia Lúcia não fosse candidata talvez o caso se resolvesse com facilidade.

Recentemente em Cruzeiro do Sul membros de uma das principais linhas evangélicas reclamavam que até mesmo para a eleição da presidência daquela igreja teria havido interferência econômica de pessoas com intenções políticas eleitorais. Numa eleição com tanta fiscalização e limitação é inadmissível que o crime maior que é a compra de votos possa driblar a legislação eleitoral vigente. Pior ainda imaginar que isso possa estar ocorrendo dentro de instituições que tem como objetivo elevar espiritualmente as pessoas e não usá-las como instrumentos de poder mundano.
 
Conversões convenientes
Outra situação que acho altamente questionável são os candidatos que de repente se convertem a uma determinada religião por conveniências eleitorais. Isso é enganar os outros e, principalmente, aos próprios. Uma mudança de fórum íntimo que envolve a própria espiritualidade não pode acontecer como se fosse uma simples troca de preferência por um time de futebol. Claro que acredito em conversões verdadeiras. Mas algumas são questionáveis do ponto de vista moral e ético. 

O bem contra o mal
Também têm sido comuns candidatos que tem ligação com uma determinada linha espiritual afirmar que os adversários políticos são servos do Satanás. Coisas como quem vota em fulano ou beltrano está favorecendo o lado escuro. Comparações do que é o bem e o mal de acordo com as próprias conveniên-cias eleitorais. Um verdadeiro crime ao livre arbítrio e uma manipulação grosseira da fé alheia. Um candidato que tem esse tipo de atitude já se revelou uma pessoa ignorante e autoritária incapaz de convencer alguém através dos principais instrumentos da política que são as argumentações e os debates de idéias.   

Por isso tudo, essa mistura explosiva de política com religião está tomando proporções perigosas à nossa sociedade. Apontam para os rumos do autoritarismo e do fundamentalismo. Espero que os eleitores de quaisquer religiões entendam que a verdadeira comunhão com o nosso Criador é íntima e pessoal. Que ninguém tem o direito de decidir por nós o nosso voto. Aqueles que estão empenhados em utilizar as religiões como currais eleitorais são, na realidade, uma afronta a toda história democrática brasileira e uma ameaça às nossas liberdades civis.    

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