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As línguas indígenas no uso diário brasileiro

É de longa data a influência indígena na língua portuguesa do Brasil. Desde Cardim (1629) já se tinha informação de que os portugueses, na ocupação do Brasil, a partir de 1532, valeram-se dos nativos para ocupar o litoral, depois o sertão (interior do país). E, nessas viagens, o índio denominava, para o europeu, as coisas do lugar como nomes da fauna, flora, rios, montanhas, vida e costumes do Brasil.

Segundo afirmam alguns histo-riadores, o povoamento no interior do Brasil deveu-se ao fato de os índios da costa serem agressivos aos invasores portugueses. Esses índios da costa eram os tupis, e os índios do interior os tapuias (inimigos dos tupis). De todo o modo, sendo algumas tribos guerreiras e outras menos guerreiras, o Brasil foi povoado, gradativamente, ao sabor da “língua geral” que nada mais era do que o tupi. A denominação “geral”, segundo Gladstone Chaves de Melo (1979), devia-se à grande população indígena da raça tupi. Assim, o tupi foi a língua indígena mais importante e quem não falava o tupi como língua primeira falava-o como língua segunda. De sorte que o tupi foi a língua mais falada no Brasil até o século XVIII, início do século XIX, sob a denominação de “língua geral”.

Depreende-se, no contexto do povoamento e colonização do Brasil, que o europeu precisou aprender a língua do índio. O português foi a língua oficial, escrita em documentos, mas a língua falada foi o tupi. É compreensível, nesse contexto, o grande legado que o povo tupi deixou ao português brasileiro.
São inúmeras as palavras, no Brasil, compostas pela palavra tupi ita (= pedra). Este é um vocábulo toponímico básico, como são também as palavras  pira (= peixe). A grande freqüência do ita no português se deve, primeiro, ao fato de a pedra ou a montanha de pedra ser um elemento importante para se marcar caminhos e rotas, como foi no caso dos bandeirantes paulistas, nos séculos XVII e XVIII, que falavam tupi e deixavam essas indicações por onde passavam; e, segundo, porque muitos minérios que os indígenas não conheciam, como o ferro e o ouro, receberam nomes compostos por ita, como nos exemplos: Itaberaba/Itaberá (pedra que brilha), Itaberabuçu (pedra grande que brilha), que foi dar o famoso Sabarabuçu, ou Itaco-lomi/Itacurumim (pedra em forma de criança nos braços da mãe), Itaimbé/Itambé (pedra, com borda/precipício), Itabira (pedra levantada), importantes referências geográficas nas rotas paulistas em Minas; no segundo caso: encontram-se palavras como itajuba/itajubá (pedra amarela/ouro), itaobi (pedra verde, esmeralda), e alguns neologismos, isto é, palavras estranhas ao tupi e que foram criadas como: itajutinga (ouro branco/prata), Itayngapema (borduna de pedra/ espada), itamaracá (pedra que soa, sino), itacuruça (cruz de ferro), itamembeca (pedra ou ferro mole/chumbo), itamiju (pedra pequena amarela/topázio), itajyca (pedra/ferro duro, estanho), itanema (pedra fétida, o cobre, o azinhave).

As palavras de origem indígena não se esgotam nos poucos exemplos referidos acima. Tem-se percepção clara de que a Língua Portuguesa, aqui no Brasil, se encheu de novas vozes para dizer das coisas do lugar. E essas novas vozes podem ser sentidas nas 20.000 palavras indígenas incorporadas ao vocabulário nacional. Ademais, esse legado não termina no campo do léxico porquanto está presente nos costumes das pessoas do lugar, como andar uns atrás dos outros, ficar de cócoras, tomar vários banhos por dia, não economizar dinheiro, pintar o corpo, usar enfeites, adereços e tantos outros hábitos enraizados na cultura brasileira.

DICAS DE GRAMÁTICA

AS EXPRESSÕES “EM QUE PESE” E “A NÍVEL DE” SÃO CORRETAS?
– Do ponto de vista gramatical elas não existem, embora estejam presentes no uso popular.
Comentários:
1. Apenas em que pese não existe. O correto é em que pese a.
E o que quer dizer? – Significa:1. Ainda que custe, doa, pese, a (alguém). 2. P. ext. Apesar de; não obstante.
Exemplos:
a) Ele foi mais do que uma esperança, foi uma ardente afirmação, em que pese a artimanha política que utilizou;
b) Em que pese a necessidade de estrutura política é prudente examinar as escolhas e indicações aos cargos públicos.
Em que pese a, por se tratar de uma expressão como um todo, não concorda no plural.Assim, domine o desejo de concordar no plural: em que pese os apelos para concordar, não o faça.
2. A locução a nível de é forma correta, professora?
– Embora de uso generalizado, é condenada por todos os mestres e estudiosos da língua portuguesa. É tida por modismo que se introduziu na linguagem jornalística e contagiou outros canais de comunicação, inclusive a linguagem médica.
A forma correta é ao nível, ou seja, à mesma altura, ao mesmo nível, em igualdade de níveis.
Exemplos:
Rio Branco não está ao nível do mar. (ao mesmo nível, em igualdade de níveis)
A bala atingiu o paciente ao nível do rim direito. (à mesma altura)
A expressão a nível de deve ficar restrita ao sentido de nivelamento. Por exemplo: Neste verão as águas do Rio Acre chegaram a um nível nunca antes visto.
3. A locução em nível de é aceita, na dependência do contexto da frase.
Exemplos:
A Faculdade oferece três vagas no curso de pós-graduação em nível de mestrado.
Em nível de Brasil, verificam-se grandes diferenças regionais no campo do vocabulário.
Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras.(colunaletras@yahoo.com.br)

 

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