O debate entre os presidenciáveis corre o risco de perder todo o seu significado politico, no caso de continuar este embate tolo sobre questões que não são da competência do Presidente da República.
O aborto, pela atual legislação é crime, salvo dois casos:
primeiro – gravidez resultante de estupro;
segundo – aborto para salvar a vida da parturiente.
A descriminalização do aborto dependerá de lei, a ser discutida e votada pelo Congresso.
Dada a relevância do tema, não é matéria para ser decidida a toque de caixa, mas deve suscitar um amplo debate da sociedade.
Ao Congresso Nacional é que caberá decidir.
Agirá o Congresso com sabedoria se, na oportunidade dessa discussão, franquear sua tribuna para que ali compareçam médicos, sociólogos, psicólogos, juristas, educadores, jornalistas, organizações feministas, representantes das diversas crenças religiosas que têm seguidores em nosso país.
Todas as vozes devem ser ouvidas, todas as opiniões devem ser entendidas e respeitadas, a boa vontade deve imperar, estamos numa Democracia conquistada a duras penas.
Quando das recentes eleições para deputado federal e senador, seria perfeitamente honesto indagar dos candidatos sua posição à face do aborto e questões semelhantes.
Não vimos este debate nas eleições legislativas.
No segundo turno da eleição presidencial, fazer do aborto uma questão central é uma mentira e um engodo que a consciência cívica deve repudiar com energia.
A agenda do futuro Presidente não vai incluir como itens: ser a favor ou contra o aborto, a favor ou contra a união homossexual etc.
Todas estas matérias são constitucionais ou legislativas, não está nas mãos do Presidente decidir sobre elas porque, felizmente, não estamos vivendo numa ditadura, onde o ditador é que manda em tudo.
Há questões gravíssimas sobre as quais o povo tem o direito de saber qual será o comportamento dos presidenciáveis diante delas. É sobre essas questões que deve girar o debate.
Nenhum dos dois candidatos afastou energicamente o tema do aborto e de outras questões morais, dizendo o que tinham o dever de dizer: esta matéria compete ao Congresso Nacional, depende de discussão no Congresso com participação de todas as forças e segmentos sociais, o Presidente da República não tem poder para liberar o aborto, legalizar a união homossexual etc.
Felizmente um outro tema tolo pode ser descartado: cobrar a biografia da adolescência; investigar quem foi e quem nao foi comunista na quadra universitária; um não pode acusar o outro de ter pretendido fazer omelete de criancinha no passado. Os dois candidatos tiveram militância radical, o que deve ser creditado ao currículo deles, por ser uma glória ter querido virar o mundo de pernas para o ar nos verdes anos (aurora da minha vida que os anos não trazem mais, como poetou Casimiro de Abreu).
A idade madura pode conduzir a posições de maior equilíbrio, pode ensinar a transigir no acidental sendo fiel no essencial, pode convencer de que Roma não se fez em um dia, mas como é bom conservar na pele o batismo de fogo dos ideais transformadores e jamais trair o sonho e acomodar-se na capitulação. Como julgar cada um dos candidatos neste item?
Seleciono dez assuntos que realmente competem ao futuro primeiro mandatário:
1) que iniciativas do Governo atual e de governos anteriores serão aprimoradas, pois o que foi feito de bom nunca deve ser abandonado;
2) que será feito para melhorar o atendimento nos hospitais públicos?
3) que medidas pretendem os postulantes implementar para melhorar a educação e acabar de vez com o analfabetismo funcional?
4) como vai cada um dos candidatos, se eleito, melhorar o sistema de segurança pública, em colaboração com as unidades federativas?
5) como cada um pretende encaminhar a reforma tributária?
6) como avançar na luta pela redução das desigualdades sociais, que foram diminuídas, mas ainda são grandes demais;
7) como incorporar à Previdência Social os milhões de brasileiros que não são abrigados pelo sistema?
8) como enfrentar o desafio de não deixar uma única criança, em todo o território nacional, em situação de abandono; os Estados e municípios não podem fazer isto sozinhos, a União tem de ajudar;
9) como melhorar a situação dos idosos?
10) que linha de conduta o candidato compromete-se a adotar para que o relacionamento do Poder Executivo com o Congresso seja baseado em princípios éticos?
*João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, palestrante e escritor. Autor de Ética para um mundo melhor. (Thex Editora, Rio de Janeiro). E-mail: [email protected] Homepage: www.jbherkenhoff.com.br