A grande crise de 2008 e 2009, além dos danos intrínsecos à produção, mercados e nível de emprego, teve o demérito adicional de levantar suspeitas sobre o modelo que sustentou o desenvolvimento das nações mais ricas, ancorado nas leis de mercado e na iniciativa privada. A necessidade de o Governo dos Estados Unidos, enfrentando um dogma do liberalismo num país que detém 33% do PIB mundial, aportar recursos em instituições financeiras e indústrias tradicionais, disseminou, globalmente, a sensação de que uma onda estatizante estaria surgindo.
Confundiram-se medidas emergenciais com mudanças estruturais. O tempo está-se encarregando de evidenciar que o mundo – incluindo enfaticamente o Brasil – não abdicou do capitalismo como o meio para a prosperidade. Assim, não se deve considerar viáveis em termos práticos as antigas teses do Estado proprietário dos meios de produção. O recrudescimento dessas teorias anacrônicas, no caldo de cultura da recente crise mundial, deve ser entendido no universo circunscrito do inquestionável direito à livre expressão do pensamento e à salubridade do debate de idéias.
Na presente campanha eleitoral brasileira, verifica-se forte presença do tema, que se tornou um dos motes retóricos, suscitando toda uma discussão em torno das propostas dos candidatos e um turbilhão de análises sobre qual deles seria mais ou menos estatizante. Ora, ninguém em sã consciência promoveria retrocesso tão grave. Economia estatal, como demonstram de maneira inequívoca numerosos exemplos testados pela realidade histórica, é algo muito ligado a governos de exceção e às ditaduras, de esquerda, direita ou populistas.
Não há mais espaço para esse tipo de distorção num mundo que precisa desenvolver novos processos manufatureiros menos poluentes, garantir a segurança alimentar, reverter as mudanças climáticas, gerar milhões de empregos todos os meses, viabilizar a previdência e a sobrevivência digna dos idosos e educar os jovens. Ademais, ainda é premente resgatar a dívida social acumulada ao longo do século XX, grande parte dela, é importante lembrar, contraída no Leste Europeu e na América Latina, onde a estatização promoveu o estrangulamento dos meios de produção e acabou, isto sim, gerando exclusão, pobreza, desemprego e atraso tecnológico.
É quase ingenuidade supor que a humanidade poderá vencer os grandes desafios do presente século recuando a um modelo econômico premido pela burocracia, falta de agilidade, submissão indefectível à orientação político-partidária e irresponsabilidade quanto aos resultados da gestão empresarial. Mais do que nunca, são fundamentais empresas privadas bem geridas, rentáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas, capazes de utilizar toda as virtudes inerentes à livre iniciativa para multiplicar a produtividade, criar empregos, desenvolver tecnologia e viabilizar um futuro com menos assimetrias de renda e desenvolvimento.
Cabe ao Estado fiscalizar com eficiência, impedindo a sonegação fiscal, fraudes setoriais e falcatruas contábeis, fatores que permearam a grande crise mundial. Também é papel do governo estimular a economia e fazer a sua parte nas prioridades da saúde, educação e investimentos públicos em infra-estrutura. Empreender compete à iniciativa privada!
*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (EESC/USP), é vice-presidente da Fiesp, presidente do Grupo São Martinho e membro do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP).