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FUSO HORÁRIO

Contexto histórico

Em 1883 começavam as discussões que culminariam na adoção, em 1884, de um padrão internacional de horários e fusos no mundo. Idealizada por Sir Sandford Fleming, um canadense engenheiro de ferrovias, a adoção de um horário internacional unificado logo ganhou a simpatia das outras nações importantes do planeta. Naquele ano, 27 nações deliberaram pela adoção do ponto zero como sendo o Royal Observatory, em Greenwich, na Inglaterra, motivados pela melhor integração comercial entre os países.

A escolha por Greenwich como ponto zero deu-se por questões práticas, já que a maior parte da cartografia do mundo era lá produzida, não existindo qualquer outra justificativa.

Importante salientar que o Brasil, apesar de ter participado da Convenção, absteve-se de opinar, não interferindo na decisão pela adoção do GMT – Greenwich Meridian Time, um padrão de horas que dividiria o mundo em 24 fusos, cada um representando uma inclinação de 15 graus, com o específico de 1 hora entre si, para mais ou para menos, contados a partir do já citado Royal Observatory, em Greenwich. Os polos representariam apenas um fuso.

1.1 Adoção do GMT pelo Brasil
Nosso país recepcionou o tratado com a lei 2.784, de 18 de junho de 1913, posteriormente regulamentada pelo decreto 10.546, publicado em 5 de novembro de 1913, modificado em 2002 pelo decreto 4.264.

Apenas a título de curiosidade, à época o país ainda era entendido como Os Estados Unidos do Brasil, caminhando para o que hoje conhecemos como República Federativa do Brasil e tudo o que essa identidade representa.

O artigo 2º da lei 2.784 determinou a divisão dos fusos do Brasil, com base no acordo internacional que havia acatado o GMT como padrão mundial. Coube ao nosso Estado, na época território, o quarto fuso do país, com a diferença de 5 horas em relação ao ponto zero:

Art. 2º O território da republica fica dividido, no que diz respeito à hora legal, em quatro fusos distinctos:

d – O QUARTO FUSO, CARACTERIZADO PELA HORA DE GREENWICH “MENOS CINCO HORAS”, COMPREHENDERÁ O TERRITORIO DO ACRE E OS CEDIDOS RECENTEMENTE PELA BOLIVIA, ASSIM COM A ÁREA A W DA LINHA PRECEDENTEMENTE DESCRIPTA.

O decreto, por sua vez, limita-se a apenas reproduzir o texto da lei, não merecendo maiores observações.

O Acre, portanto, estava inserido no GMT -5, desde 1913, por decisão política, até dia 23 de junho de 2008, momento em que outra decisão política, materializada pela lei 11.662/08, sancionada pelo presidente Lula, entrava em vigor, extirpando do ordenamento a supracitada alínea “d” do artigo 2º da lei 2.784/1913 e avançando o Acre 1 hora no tempo.

2 Legitimidade da adoção do novo horário: é possível alterar o tempo?
O acordo firmado em Greenwich foi celebrado com base em decisões que levavam em consideração apenas questões econômicas, tendo sido olvidados quaisquer aspectos sociais e tendo relevância mínima questões biológicas.

Isso se deu não pela incapacidade da ciência à época, mas pelo fato de que era impossível que uma determinação internacional regulamentasse os aspectos locais específicos de cada realidade e pelos entraves da Soberania de cada país.

Em função destas limitações ingerenciais, o próprio acordo previa a possibilidade de se determinarem variações de hora baseadas no interesse soberano de cada Estado, seja por motivos sociais, econômicos ou políticos. Era o acolhido numa de suas resoluções, sob o item número 4.

Já na elaboração da lei 2.784, em 1913, o Brasil lançou mão de sua soberania e realizou ajustes na concepção original do GMT, retirando parte dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul do GMT -4 e alocando-os no GMT -3, devido a forte pressão dos mesmos, que temiam pela integração econômica com Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Nossa constituição de 1988 tem como um de seus princípios fundamentais o Pacto Federativo, representado em nosso plano jurídico no art. 60, §4º, I da Carta Maior como cláusula pétrea e, portanto, inexpugnável.

Aliada à determinação da Soberania como fundamento da República, como visto art. 1º, I, da Constituição, o Pacto Federativo constrói a noção de Estados autônomos e com relativa independência.

Como manifestação dessa autonomia, dentro do sistema da representatividade, encontramos no Poder Legislativo o Senado Federal, que tem por atribuição basilar a defesa dos interesses estaduais, sendo plenamente possível que parta destes representantes propostas concernentes a desígnios com reflexos estaduais.

Portanto, constitucionalmente, é perfeitamente possível que se altere o fuso horário por meio de iniciativa de Senador, casos específico do Estado do Acre, posto que este é, assim como o horário legalmente determinado pela lei 2.784, ficção determinada por interesse políticos.

3 Hora de tomar partido
Após os devidos esclarecimentos históricos e situacionais sobre o horário mundial, bem como da legitimidade de sua modificação em respeito à Soberania na-cional, devo, como me foi pedido, posicionar-me sobre o referendo. Em respeito a bela iniciativa de estímulo ao debate idealizada por grandes amigos, decidi acatar o pedido e elaborar um texto em forma de parecer para que externasse o meu ponto de vista. E a isto me presto nas próximas linhas, de modo respeitosamente didático, refutando alguns argumentos que foram-me enviados. Esclareço, de pronto, que prezo pela manutenção do horário, mas que desejo, como verdadeiro êxito do referendo, a perpetuação deste espírito de discussão que jamais senti na minha querida cidade de Rio Branco.

3.1 O “fuso horário acreano sempre foi o mesmo?”
Não, o fuso horário acreano só foi determinado em 1913, quando o Brasil regulou a adoção do horário padrão do Meridiano de Greenwitch, até este ano, o Acre não possuia fuso horário, mas apenas a noção natural da curva tempo/espaço.

Fuso horário é uma ficção criada  pelo homem e não representa de modo fiel as variações naturais de percepção do tempo. De fato, foi criado tendo por fulcro apenas a integração das nações, claro que respeitando da melhor forma possível as transições naturais de tempo. Note que a noção de tempo que o mundo conhece hoje foi estabelecida em 1884, quando a ciência não possuía as ferramentas que hoje possui.

3.2 O fuso horário de um lugar é um fenômeno de sua localização geográfica no Planeta?
Não, o fuso horário de um lugar é o resultado da autodeterminação dos que lá vivem e representa mais a vontade política do que a percepção natural da passagem do tempo. Nosso país, em manifestação de sua Soberania, é um dos que optou por modificar as determinações da Convenção Internacional do Meridiano, e assim o fez desde sua adoção, quando entendeu ser socialmente e economicamente mais interessante ter os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, compreendidos no GMT -3, e não no GMT-4 onde estariam se observada a determinação original da Convenção.

A divisão política adotada em 1884 não é regra fixa e imutável, tendo sido flexibilizada não só no Brasil, mas em diversos outros Estados Soberanos do mundo.  Ad argumentandum tantum, nossos grandes adversários do futebol, os argentinos tem a totalidade do seu território físico localizado nos fusos GMT -4 e -5, tendo decidido, por decisão política, em manifestação de sua Soberania Nacional, acolher para toda sua extensão o GMT -3. Lá, em esforço conjunto pela integração nacional, preteriram a percepção natural. Evoquemos Fritjof Capra, quando anunciava: “O homem é o mais adaptável dos seres”.
3.3 Adiantar em 1 hora o fuso horário afeta as condições biológicas das pessoas?

Obviamente não, ou, com a devida vênia dos leitores, em exercício de lógica, hoje metade da Argentina jazia morta, já que há anos vivem com variação de 1 a duas horas do horário fictício determinado pelo GMT.

Como elucidado anteriormente, não existe determinação específica do horário que representa perfeitamente a percepção de passagem de tempo em um determinado local. Esta observação aliada à capacidade de adaptação do homem demonstra que adiantar o relógio em 1 hora não prejudica as funções biológicas. Assim fosse, seria intolerável a adoção de outra medida política que rege o horário brasileiro, o horário de verão.

Quanto a este, volto a me valer do exemplo do Rio Grande do Sul, que vive situação análoga à do Estado do Acre, tendo a lei 2.784 determinado fuso horário diferente em uma hora do horário convencionado como Padrão Internacional.  Deveria compreender o GMT -4, mas foi-lhe determinada a adoção do GMT -3. Além desta hora, hoje respeita o horário de verão, sofrendo variação de 2 horas em relação ao estabelecido em Washington, no ano de 1884. Pasmem, os gaúchos continuam vivos.

De fato, não se podem compreender variações de 1 hora como prejudi-ciais à saúde. O relógio biológico humano respeita a passagem natural do tempo, mas há muito esta não o in-fluencia tão drasticamente. A capacidade de adaptação do homem transcende o claro e o escuro desde a invenção da lâmpada. Convenhamos que a noite já não seja tão escura como em 1808, quando a Corte Portuguesa transferiu-se para o Brasil.

Em nosso querido Estado permanecem vivos os que acordam 4h da manhã e dormem às 20h, assim como os que despertam meio dia e deitam 4h da manhã. Resistem os que eram vivos antes de 23 de junho de 2008, dia da entrada em vigor da lei que alterou o  horário erroneamente entendido como natural, e os só depois nasceram.

3.4 O fuso horário não influencia na integração do Acre com o país
Nosso Estado sofre uma discriminação absurda no sul do país, e muito disto se deve pelos simples fato de que o brasileiro não tem imbuído em seu ser a noção de fraternidade nacional. Socialmente, não importa o fuso horário, o Acre continuará sendo discriminado. Para que este quadro mude, serão necessárias ações afirmativas governamentais que busquem construir um novo paradigma de aceitação nacional. Nosso Estado vive um ótimo momento e tende a ser cada vez mais respeitado exatamente em razão de uma mudança de paradigma mun-dial, determinada pela crise ambiental. O valor do Acre é latente e cada dia mais visível em todo o país.

Todavia, a aproximação do horário em uma hora é muito interessante se observado o prisma econômico. Os bancos, que por logística funcionam em horário inflexível, estariam mais propícios a práticas comercias. Mais uma hora para realizar negócios importantes. O mercado bursátil, que logo será muito interessante no Acre, poderia refletir melhor a realidade de tradings no seu fechamento.

Aliado a esta integração está o espírito nacional que envolve a questão. Com o fuso anterior, principalmente quando do horário de verão, a diferença de 3h trás o sentimento de distância, de um Acre e de acreanos afastados dos demais cidadãos do país. Inva-riavelmente temos necessidades de relacionamento, de tratar com o outro, e tamanha disparidade de horário isola por dificultar justamente a sociabilização.  O acreano chegava em casa 21h e, enquanto assistia a programação que ninguém vê, o leste do país já dormia. Claro que temos a decisão de exibir programas gravados, mas isto é outra objeto de discussão, outra decisão política.

3.5 Economia de energia
Um dos pontos importantes da manutenção ataca diretamente a receita do cidadão, a energia elétrica. Naturalmente, uma hora a mais representa uma hora a mais de luz do sol, em um Estado que possui uma das mais caras tarifas de energia elétrica do país. É a lógica do horário de verão.

4 Conclusão
A modificação do fuso foi realizada em conformidade com a constituição, tendo sido proposta por um representante eleito pela sociedade acreana, e aprovado seguindo sem vícios o procedimento legislativo. É uma medida que busca realizar objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art.3º,II e III, da Constituição Federal, e nada mais é do que uma tentativa de integrar o Estado do Acre, tão esquecido pelo país.

O fuso horário, como hoje entendido, não é natural, mas sim uma ficção humana, uma criação que partiu da necessidade de comércio do mundo e resultou em uma padronização com flexibilidade prevista em seu texto original e realizada não só pelo Brasil nos Estados do Paraná, Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e, desde 2008, no Acre, como nos EUA, Argentina, Guiné, Guiana Francesa etc.

Não se iludam por argumentos carentes de clareza técnica e que misturam a análise de uma questão com animosidades políticas claras.

E lembrem-se, os argentinos continuam vivos e dificultando a vida da seleção brasileira.

Decido-me pela manutenção.

É o parecer.

É o voto.

* Luiz Henrique Coelho Rocha é formado em Direito pela Uninorte, atualmente reside em Curitiba, local que escolheu para fazer pós em Direito Tributário e Direito Ambiental (PUC), e onde obteve êxito no concurso da OAB.

 

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