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Predadores, canibais e proxenetas

Nenhum relacionamento é tão marcadamente criminoso quanto o da aranha com a mosca. Uma sabe que vai exercer o papel de predador contumaz e natural, e a outra, acovardada e à espera do momento último e irreversível, coitada, tem consciência de que, de uma forma ou de outra, estará sempre fadada à execução sumária por garras pontiagudas que lhe entrarão através da goela.

Aí, o inseto de asas pensa:

– Se correr a aranha pega; se ficar a aranha come.

Pois, então… Conta a fábula que, durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos, percebendo a situação, resolveram se juntar em grupos. Assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que ofereciam mais calor. Por isso, decidiram se afastar uns dos outros e voltaram a morrer congelados. Então precisavam fazer uma escolha: ou desapareceriam da Terra ou aceita-riam os espinhos dos companheiros. Com sabedoria, decidiram voltar a ficar juntos. Aprenderam, assim, a conviver com as pequenas feridas que a relação muito próxima poderia causar, já que o mais importante era o calor do outro. E assim sobreviveram… Moral da história: o melhor relacionamento não é aquele que une pessoas perfeitas, mas aquele onde cada um aprende a conviver com os defeitos do outro e consegue admirar as suas qualidades.

Há uns tantos – nestas altas temperaturas acreanas, tão distantes das regiões glaciais  –  que ainda se sentem muito acima da reles humanidade. Pensam estar acima do bem e do mal. Chinfrins!

Foi como o magnata da educação que, dedo em riste, disse-me ter entravado, um dia, o desenvolvimento do Acre porque, enquanto professor, afastara-me da sala de aula em prejuízo dos alunos. Completamente desinformado, atônito e empavonado em alto cargo governamental, bisonhamente, não sabia que eu houvera sido liberado pela autoridade de direito a transferir-me para Campinas, São Paulo, onde me classificara muito bem para cursar doutorado na Unicamp. O cara quase cuspiu em mim e depois sequer desculpas pediu. Também, pudera, ele era quem dava as cartas e eu estava disposto, já, humildemente, a recolher as migalhas do chão da minha vidinha pacata.

São pura e simplesmente esses endeusados, notadamente aqueles importados pelo Governo, que se dizem cristãos e nem vêem que, ao seu lado, há um miserável morrendo de fome e de sede de justiça, de inanição, em vista do desprezo. Não exatamente como os porcos-espinhos da fábula, aqui, eles querem saber é de espetar quem quer que seja com os seus espinhos e com a sua petulância.

Elaboro, então, uma crítica construtiva aos próceres do grande Partido dos Trabalhadores, em nível nacional e em nível estadual. Mesmo que os petistas da minha aldeia não vejam com bons olhos as assertivas abaixo, devo considerar que o que está em jogo é o futuro da Nação e não os colarinhos e as auréolas desses dignificados mandatários que esquecem que o grosso dos votos parte, sim, do populacho que avalia com precisão felina os procedimentos de barnabés empavonados que nos olham de cima para baixo, como se fôssemos mais amantes de circo que de pão.

O salário está, sim, entre os melhores do Brasil, o que é inegável. Todavia, não são os vencimentos dos professores acreanos que são altos, são os dos baianos que são baixos demais. Ô terra de muro baixo! Aqui, um soldado da Polícia Militar ganha mais que um mestre de sala de aula, e muito. Enquanto o primeiro desce a correia no lombo da gentalha, o outro, inglório, busca suavizar-lhe o espírito através da transmissão do conhecimento que constrói seres humanos cada vez menos expressivos.

As relações são marcadamente bruscas. Como eu mesmo diria, do pescoço pra baixo é tudo canela. A cognominada Lei Naluh, por exemplo, aos poucos, vai perdendo a essência e sendo desvirtuada, mesmo reelaborada, com intervenções quase cirúrgicas a partir da intercessão dos nossos nobres legisladores de médio porte. No início, alguns professores lograram alcançar os benefícios preconizados legalmente; e só eles. Hoje, já é quase impossível tal empreitada.

As averbações são negadas pela assistência social. O INSS faz queixo duro, como diriam os cearenses. Muitos professores – como eu – iniciados no ofício no começo dos anos oitenta, perderam três ou mais anos de pró-labore e o Estado não moveu uma palha em favor desses desabrigados. Nos arquivos ofi-ciais, existe um livro de ponto, o outro sumiu, o outro a traça comeu, e assim por diante. Há testemunhas acima de qualquer suspeita, dentre as quais diretores e coordenadoras, como o Emir Mendonça e a Ametista Madeira, gente de conduta ilibada, que sabem que eu, por exemplo, era sempre muito dedicado aos meus afazeres. Ora, senhoras, se ocorresse o contrário, se fosse o Governo o prejudicado, alguns dos nossos comedores de giz já te-riam sido guilhotinados.

Outra estonteante. Os novos professores, que estão entrando no sistema nos últimos anos, iniciam-se no ofício ganhando 1.600 reais  –  que é o salário do Marcos Pururuca, que labuta há oito meses. E mais, passa de letra, ou tem progressão funcional por mérito, a cada três anos, enquanto os mais antigos passaram de quinze a vinte anos tendo progressões a cada seis ou sete. Ninguém quis se encarregar de revisar a situação e, hoje, um professor com vinte e cinco anos de serviço ganha 2.900 líquidos, ao passo que os mais novos ganharão esse salário em dez anos. Seria muito oportuna uma revisão nesse tal Plano de Carreira. Que seja levado a efeito o prometido enquadramento.

Então, aqueles que poderiam fazer justiça não quiseram fazer. Há dois pesos e duas medidas e o sindicato tomou doses maciças de cala boca. Os responsáveis pelo prejuízo sumiram ou foram derrotados nas eleições. Talvez o Ministério Público do Estado ou a Vara da Fazenda Pública, cada um à sua vez, consigam, aqui, exercer o seu dever, se é que um desses manda-chuvas não o venha a tolher-lhe as prerrogativas.

Foi elaborada uma lei supimpa. Aprovaram um estímulo financeiro em folha de pagamento chamado regência de sala. E tudo ia bem, até que os donos da Secretaria de Administração, ou da Fazenda, ou da Educação, perfilados, sempre intransigentes, tiraram-nos esse direito, usurparam um ganho legítimo e ninguém disse mais nada.

Em realidade, há problemas crassos que trarão prejuízos futuros ao Governo. Há, sim, a descrença dos agentes da Educação. O que tem sido feito do Plano Bresser? Uma lista de trezentos professores foi prejudicada. E do Plano Verão? São direitos que não foram devidamente observados pelo Estado porque um certo alguém, displicentemente, esqueceu de levar o processo para Brasília e este, segundo consta, jamais foi encontrado… Também ninguém lembrou a elaboração de um outro, já que era para benefício dessa gentalha que sua em bicas, nas salas de aula, e ainda tolera abusos de adolescentes secundaristas pornográficos e semi alfabetizados.

Senhoras, a plebe não tem posses, mas tem imensas famílias de eleitores vingativos. O populacho não se aparvalha, mas lembra e cobra o que deve ser cobrado, principalmente, quando lhe mexem no bolso.

Dizem alguns que as regras são trocadas à noite, em manobras escusas, enquanto o incauto funcionário público dorme de touca. Mas nessa eu não acredito porque tudo pode ser feito às claras, uma vez que o professor, principalmente, está sempre preso às quatro paredes do seu mundinho atroz.
Em verdade vos digo, minhas senhoras. As relações do poder com o funcionalismo, hoje, são sempre bem azedas e, parece-me, um tanto incestuosas, uma vez que percebo que irmão não pode comer irmão, com todas as desculpas esfarrapadas que esta alma pusilânime merece.

Por que tantos desses deuses foram importados de outros estados? Talvez pelo simples fato de não conhecerem a alma acreana, sempre com sede de vingança contra a injustiça, como nos tempos do caudilho. Não, senhoras, eles não nos conhecem. A Ufac, por exemplo, tem uma leva de professores e técnicos aposentados  –  tipo o Prof. Hegel, o Prof. Mansell e o Prof. Angelus, dentre tantos  –  que muito bem poderiam ser aproveitados, mas também ninguém sabe e ninguém viu por quais desvãos se esconde a nossa instituição de ensino superior.

Há, certamente, uma perseguição sistemática por parte de técnicos que gostam de salários e não sabem que estes podem vir de votos dos funcionários públicos e de outros componentes da massa rude por eles chamada de ralé.

É oportuno observar uma assertiva contundente: o bom patrão se esforça para ajudar ao empregado; o patrão que quer falir prejudica a si, ao subalterno e ao seu empreendimento. O patrão que presta dá presentes ao empregado. O patrão escroto manda que os serviçais lhes lavem as cuecas borradas e ainda lhes chama de imbecis.

Voltando à parte da bicharada, lá em cima, convém observar que, agora, muitos morrerão congelados, politicamente, ou todos eles haverão de estabelecer pactos de ajuda mútua. E tudo isto lembra muito um estudioso francês de um século anterior que, do alto da sua arrogância, dizia que um pedante é um homem que tem a digestão intelectual difícil. E eu, em verdade vos alinhavo que, muito breve, como um raio que brilha nas trevas e, após a rápida luminosidade tudo volta a ser treva novamente, assim é o brilho de superioridade na face do arrogante.

* José Cláudio Mota Porfiro e escritor produtivo, não alinhado e em busca de editor.

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