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A recusa voluntária de votar!

A fenomenal abstenção de 30%, do eleitorado brasileiro, aptos a votar, na eleição de segundo turno, para presidente do Brasil, ocorrida no último domingo é, na pior das hipóteses, uma  resposta da grande maioria do povo, que ainda tem  esperança de que o Brasil alcance, sabe-se lá quando, o patamar político-democrático do sufrágio livre, sem  constrangimentos. Na realidade essa recusa voluntária, quase em massa, já fora detectada por pesquisa de fonte fidedigna, veiculada recentemente, apontando que grande parte do povo brasileiro é contra o voto obrigatório em eleições, sejam elas quais forem. Por outro lado, desculpem os cacoetes de linguagem, a abstenção foi também uma resposta, do julgamento precipitado, quase unânime, advindas de cientistas políticos destas plagas brasileiras, ava-liando que nós, brasileiros, ainda não estamos preparados (seria educados?) para  eleições em que o voto não seja obrigatório.

O sufrágio livre, próprio de países democratas,  evitaria vexames e sanções  impetradas pela Justiça Eleitoral contra o cidadão brasileiro que deixa de votar por três eleições consecutivas, pelos motivos que não nos dizem respeito, e não regularizou a situação em tempo hábil. Essas sanções, apesar de legal, já que o alistamento eleitoral e o voto, segundo a Constituição da República Federativa da Brasil, é obrigatório, são tremendamente cerceadoras, pois o que é coagido, não é de boa vontade. Para quem não sabe, a reprimenda  vai desde a proibição de matricular-se em escolas públicas, fazer concursos públicos, tirar passaporte, contrair empréstimos, assumir cargos públicos e, até de impedir o cidadão brasileiro de receber seus proventos, se for servidor público. Tal sujeição não traz em seu bojo as marcas de uma verdadeira democracia, e a antípoda de democracia, é no mínimo, ditadura.

Quero esclarecer que não estou, neste artigo,  fazendo, uma defesa do descaso do cumprimento de nossas  “obrigações cívicas” na qualidade de cidadãos.  Não, antes creio na tese de Friedrich Hegel (1770-1831) que entendia que eticidade  (o exercício da Ética) era constituída pela síntese da existência interna do sujeito (moralidade) e da existência externa e social (direito). Assim, para Hegel, a eticidade era a síntese da moral e do direito. Em outras palavras, o cumprimento ético (obrigações de cidadão) faz o  homem livre dentro da vida social de um povo.

Ocorre que o Brasil, nesta questão específica do voto obrigatório, assemelha-se a uma sociedade primitiva em comparação a outras nações. Tomando por modelo a Grã-Bretanha, onde o voto não é obrigatório e o eleitor, além de ser cidadão britânico, precisa  ter pelo menos  18 anos para votar, os  que comparecem às urnas são em média 59%. Os que optam por não votar, de maneira alguma tiveram, ou terão seus direitos de cidadãos cassados; nem em caráter temporário. Outro exemplo é o dos EUA. Na última eleição parlamentar para ter assentos na Câmara de Representantes, com vitória dos republicanos, apesar de ter sido um pleito dos mais afluídos pelos americanos, só 50% dos eleitores registrados foram às urnas; os demais, que se omitiram de votar, não estão sendo ameaçados de terem seus direitos, de cidadãos, restringidos. 

No Brasil, infelizmente, coações e medidas cerceadoras não se restringem apenas para quem não pratica o voto obrigatório. A coação é uma velha prática do poder público no Brasil. Em dias idos, já no governo Lula, a Previdência cortou proven-tos e pensões de “nona-genários” para forçá-los a se recadastrar. O que veio a seguir, como conseqüência da decisão legal, foi no mínimo danoso a um país que arrota democracia: homens e mulheres, quase todos com a capacidade de locomoção limitada, tiveram de enfrentar  longas e demoradas filas para provarem que estão vivos.  

Agora, com as eleições definidas, velhas e novas raposas políticas anunciam, mais uma vez, que desta vez a “reforma política” sai. É bom que saia mesmo, pois  o  modelo político, posto em prática atualmente no Brasil, é uma sombra bem distante daquele que todo brasileiro, com quociente de inteligência (QI) acima de idiota, almeja. Este modelo político, em vigência, se mostra cada vez mais impotente para quebrar os estereótipos da indignação geral. É caracterizado, alguém tem dito, como a prática do benefício para poucos  ao invés  do atendimento para a sociedade como um todo. Com tal modelo político não é de se estranhar que até aqui ainda não se tenha uma proposta para voto eleitoral desobrigado.

* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador  bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião.E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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