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Marina teve papel de modernização política, diz sociólogo

 

Doutor honoris causa por 15 universidades, Touraine avalia que seu velho amigo José Serra (PSDB) perdeu a disputa não por erros seus ou de seu partido, mas por causa do “maremoto” da popularidade de Lula, capaz de eleger a “desconhecida” Dilma Rousseff (PT).

Ninguém pode dizer hoje, como Descartes e Bacon, que é preciso dominar a natureza. Hoje é consenso que é preciso combinar economia e ecologia. Isso porque o perigo é muito grande. Não se pode considerar como um problema entre outros. Trata-se de um problema vital controlar as atividades econômicas em função do meio ambiente.

A vitória de Dilma Rousseff (PT) tem algum sentido simbólico por ser a primeira mulher presidente do Brasil?

Francamente, acho que não. O tema da mulher que ganha uma eleição já é uma coisa bastante comum. Os problemas que ainda existem para as mulheres se dão mais no nível pessoal.

Qual sua avaliação política sobre a vitória de Dilma?

De maneira mais óbvia, há essa imensa popularidade de Lula e uma vitória de caráter pessoal. Dilma não existia, não tinha experiência política em sentido institucional.

Alguns dizem que ela será uma espécie de “bis” de Lula, uma presidente interina para que ele volte daqui a quatro anos. Creio que há algo de verdade nisso. Mas também há aí uma coisa ingênua, porque ninguém pode governar um país interinamente.

O que realmente preocupa é que existe um perigo de retrocesso populista, porque há uma grande massa de excluídos.

No Brasil, o risco é o de que Dilma utilize o fantástico capital político de Lula de forma menos cautelosa que ele. Mas esse não é um perigo imediato, até porque ninguém sabe o que Dilma fará.

Por que José Serra (PSDB) perdeu as eleições?

Eu conheço bem o Serra. Faz uns 30 anos ou mais que o conheço. Tecnicamente, Serra é infinitamente superior. Foi um governador, um ministro competente, um pouco com a característica de Fernando Henrique Cardoso. Mas, diante de um Lula no poder… A personalidade política de Serra não pôde resistir. Foi um maremoto.

Não é que Serra tenha feito algo errado. Mas é assim. Depois de seu segundo mandato, a popularidade de Lula atingiu níveis espantosos. O povo, que havia aprovado os governos FHC sem paixão, foi encantado por Lula.

E o que é incrível é a mudança entre os mandatos. A primeira gestão de Lula foi um fracasso. A segunda foi um sucesso, com uma política social com conteúdo.

Foi a primeira vez na história do Brasil que um presidente falou mesmo diretamente ao povo.

A oposição chegou a dizer que Lula ameaçava a democracia no Brasil. Mas, pela definição de democracia que o senhor citou há pouco, seu governo trouxe ganhos democráticos por causa da diminuição da pobreza.

Sim, ele aumentou a qualidade da democracia no Brasil. A diminuição da pobreza é fundamental. Dar chances, abertura ao povo… O que penso é que parte dessa obra começou no governo FHC. Mas é evidente que Lula fala uma linguagem definida em termos sociais. A coisa básica é a enorme vitória pessoal de Lula.

Além disso, os brasileiros agora sabem que seu país será uma das grandes potências, uma das forças na nova ordem mundial. Então, também nesse sentido, o êxito de Lula é formidável.

O Brasil de Lula –e talvez o de Dilma, ninguém sabe– é, entre os quatro Brics, o mais sólido, embora não o mais poderoso.

E o Brasil tem um capital que talvez nenhum outro grande país tenha: o sentimento de que é uma nação. Há diferenças, claro, mas isso é positivo, pois não se trata da imposição de um sentimento, como seria num governo de tipo totalitário. A ideia de nação existe naturalmente.

E quanto a Serra, qual o futuro político dele?

Depois de perder uma eleição, depois de uma grande carreira… [pausa] Nem sempre há futuro. Nem sempre há futuro. Ele não tem o carisma de Bill Clinton ou FHC, então não pode dar palestras no mundo inteiro por um preço alto…

No Brasil, me parece difícil…

Em seu discurso de derrota, ele deu a entender que tentaria uma nova eleição. Faz sentido?

Eu tenho certeza de que em muitos aspectos ele seria um ótimo presidente para o Brasil. No entanto, na situação atual não tem sentido. Eu sou muito amigo do Serra e tenho por ele muito respeito, então sinto que ele não tenha ganho. Mas não é culpa dele. (Folha Online)

 

 

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