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Sinais de fumaça!

Assim caminha a humanidade, no dizer do Cazuza… Mas este poeta insólito, cá com os meus botões de madrepérola, ficou louco, de novo. Doido varrido por novas aventuras tresloucadas, preferencialmente, amorosas, com o belo sexo, é claro. Os sinais de fumaça vêm do país vizinho, eu já não ando mais sozinho, muito especialmente no verão amazônico, quando eles também tocam fogo em tudo, inclusive, nas próprias consciências obtusas, obsoletas e atônitas.

Também, pudera! Sem nenhum preconceito, aquele é o único país do mundo onde o presidente é exatamente alguém que faz do cultivo da cocaína a fórmula básica de sobrevivência – com nitrato de potássio. Pior para os brasileiros. Se nos metermos a destruir as suas plantações de cannabis sativa, o país irá à bancarrota, falirá, quebrará, e nós ainda teremos que ver aumentado o número de escravas da indústria de confecções de São Paulo, cidade onde há mais bolivianas que na própria Bolívia. Mirem-se nos exemplos daquelas mulheres de Atenas… Umas penas!

Mas nem todos estão loucos, ainda que não faça sol na América do Sul, muito menos esses rapazes e moças que foram prestar vestibular nas Faculdades Forbes & Fortune e se destacaram e se desgastaram durante três longas horas de relógio grande para responder perguntas de altíssima complexidade, como o Russel Crowe em Mente brilhante. Aquilo ali parece Harvard!

Pois bem. Uma pergunta do citado exame para gênios versava sobre o autor da música Garota de Ipanema. Aí, o irmão da terceira fila, Bart Simpson, apresentado, mas dorminhoco, entendeu que queriam saber dele sobre quem teria bolinado a Helô Pinheiro antes daquele casamento com o magnata pai da Kiki. Resultado: acertou duas vezes porque descobriu, enfim, que o branco mais preto do Brasil na linha direta de Xangô, poeta e diplomata  –  o Vinícius  –  não era nenhum santo do candomblé, do pau oco, mas gostava menos de cerveja que de uísque, ou vice-versa.

 … Mas pra fazer um samba com beleza
 É preciso um bocado de tristeza
 Senão não se faz um samba não
 ( . . . )
 Porque o samba é a tristeza que balança
 E a tristeza tem sempre uma esperança
 De um dia não ser mais triste não …

Aquele exame extremamente intrincado e complexo foi um enorme exercício e um puta esforço mental. Colocar o rapazola a participar de empreitada intelectual de tão nobre envergadura é o mesmo que obrigá-lo a fazer manobra hercúlea. Maltrataram-no… Mas ele foi adiante e, em seguida, ali, em cima da bucha, quase na curva do anzol, já queriam que o imberbe soubesse sobre o ecologista nascido em Xapuri e reconhecido mundialmente como o ativista mais apaixonado pela Amazônia.

 Foi demais! O candidato a intelectual, irmão da terceira fila, lembrou o Green Peace, o Sting, o Al Gore, a mãe do Dalai Lama, a prostituta do Robespierre, o Fernandinho Beira-Mar, o Complexado Alemão, mas não conseguiu lembrar o Chico, justamente, porque ele é muito mais conhecido, lá, nos Estados Unidos e na Europa, que neste velho Acre cansado de guerra e de estupidez.

Depois, ele me disse lembrar do fato de que o herói das causas amazônicas tornou-se anti-herói para os seringueiros da modernidade porque membros da direita carbonizada ainda conseguiram fazer-lhes crer que o Chico Mendes não era isso tudo o que propalam. Em verdade, minha senhora, ele é muito mais e só os mais inteligentes conseguem avaliar.

Deu um sono de lascar, de novo… Buah!… Mas o irmão da terceira fila, Bart, intrépido e fagueiro, como numa antítese em boa poesia, permaneceu incólume, porém feliz porque se descobrira enquanto um ser dotado de extrema sagacidade e preparo intelectual insofismável. Já acertara onze questões mesmo sabendo que a prova constava de dez itens. Ô louco!

E ele partiu para cima, feito um possuído pelo espírito das trevas… Como se não bastasse, agora queriam tirar dele a verdade sobre como se chama a votação que houve ultimamente para a mudança do horário do Acre? Ele não titubeou, no início, mas depois tremeu feito vara verde, uma vez que tinha apenas três horas para responder dez incríveis questões. Teria ocorrido um plebiscito, ou um pandemônio, ou um pseudônimo, ou um deuteronômio? Nessa ele mandou muito bem e assinalou a opção onde estava a palavra reverendo, ao invés de referendo, logo abaixo, na última assertiva. Só agora há pouco, recebi uma ligação do seu celular telepático e ele reconheceu que teria comido moscas sem mostarda e sem molho de tomate de caixinha.

– Pô, meu! Logo essa. Logo eu que participei dos debates acerca da escolha do nosso novo confuso horário. Não acredito que consegui cometer tal sandice. – Foram as palavras de Bart antes de desligar.

Machão pra cacete, o meu empedernido candidato a jurisconsulto foi para a próxima empreitada com gosto de gás, como se diz lá pela Cadeia Velha. Qual a lei criada em 2006 para defender as mulheres vítimas de agressão?

Aí, ele encafifou. Enrolou-se todo o meu aprendiz de feiticeiro medroso. Lembrou a Maria Tereza que não mais lhe punha a mesa e por isso apanhou. Mandou catar coquinhos e dormir em outra freguesia. Ele então, entre atordoado e atônito, coçou a cabeça e sentiu ainda as profundas cicatrizes no crânio e no juízo, uma vez que apanhara de cabo de vassoura e fora chifrado por Eleutéria, aquela que não gostava de pilhéria, a cuja que o abandonou.

Com apenas vinte e seis primaveras descalças corroídas pelo cimento da Gameleira, ele já passava das quarenta amantes envolventes e hoje arrependidas. Veio-lhe à mente a Marfalda, a amarfanhada. Ah, a Luciana Topo Gigio, em vista do nariz rotundo… E umas três mais… Resultado: deixou a questão em branco.

– Estúpido! Fi duma égua! O nome da mulher é Maria da Penha, bicho burro. Também esse é o nome da lei. – Foi o que consegui dizer-lhe ao telefone sem fio.

O meu candidato tosco, então, foi fundo e lembrou a próxima pergunta que teria sido: qual o nome da fruta chamada jaçuraba, ou araçoiaba, ou juçara, energética, de cor escura, com a qual fazemos sucos ou a ingerimos misturada à farinha d’água? Faltou pistas ao meu afoito aprendiz não-sei-do-quê. Mas ele lambeu os beiços ao olhar para uma crioula de pescoço suado, logo à sua frente, morta de gostosa e vestida de casaco de napa. Açaí! Foi assim que ele cravou. E acertou? Acha ele.

Valeu a pena demorar duas horas e cinco minutos. Veio a boa. Em qual país da Europa ficaria o Vaticano, lá onde mora o Bento Dezessete? Introspectivo, encabulado e usando método infalível, aquele na base do toma-lá-dá-cá, ele começou a raciocinar ou a tirocinar. Naquele momento, podia dar-se ao luxo de dar um tiro no pé, mas não podia chutar. Vieram-lhe à mente as copas do mundo da Suécia, da Inglaterra, da Alemanha, da Espanha, da França e… Já não mais sabia de quem. Pulou na marra o Mediterrâneo e foi pelo Marrocos, o Egito… Mais um salto sobre o Mar Vermelho e foi pela Arábia Saudita. Voou pela China e pelo Japão e, de volta da volta ao mundo, lembrou o penta quase hexa campeonato brasileiro de futebol. Quanta emoção!

Já quase disposto a deixar mais uma em branco, olhou um pouco mais abaixo, na letra E, e marcou Itália, para o meu delírio de poeta apaixonado pelas letras e pelas musas quase todas burras deste meu tempo já cansado e ainda afoito.

Resmungando e tentando lembrar-se de alguma outra questão qualquer do exame, divagou e esboçou uma frase em que falava mais ou menos sobre o nome da craque da teledramaturgia global nascida e criada aqui pelas hostes do então Território Federal do Acre. Não esqueceu a Marfalda Amarfanhada, uma ex-namorada. Falou-me sobre a Zinha Ruela, uma francesa bela, vingada na Cohab do Bosque. Citou alguns nomes de novelas. Falou alguma coisa sobre um médico que por aqui residiu há muito tempo. Enfim, através da Estação Experimental, chegou à Escola Armando Nogueira e, rumando para o norte, foi bater na Escola Glória Perez…

 – Beleza, cara! Você bombou, meu chapa! É a glória! É a tua merecida glória. Você é muito bom. – Disse para massagear-lhe o ego encolhido ante tanto esforço.
Em qual país da America do Sul uns tantos mineiros ficaram soterrados por não-sei-lá-quantos-dias? O meu estafeta estafermo anotou os nomes de doze países, das Guianas à Argentina, mas esqueceu o Chile de Michele Bachelet. Errou magistralmente.

Depois, tentou me falar de um problema que envolve a física quântica, a nuclear e a matemática pura. Segundo ele, o enunciado era mais ou menos assim: uma pessoa tem catorze reais em duas notas de cinco e outras que lhes completam. Quais cédulas poderiam ser colocadas para chegar ao valor total?

Mais uma vez ele se deu muito mal. Dentre todo o elenco das exatas, unindo todas num raciocínio só, chegou à conclusão que poderia muito bem voltar para as aulas das escolas engraçadas, aquelas da Cartilha de Marcelino Pão e Vinho. E foi só. O meu herói estava esbaforido e as minhas orelhas a pegar fogo.

Todavia, para a felicidade geral da nação, digo ao povo que ele é bem capaz de ser aprovado, uma vez que a mamãe tem olerite gordo, é divogada, e o pai é ninguém.

Então, eu o Bertrand Russel uma vez chegamos a pensar mais ou menos que um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no fato de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem entre dúvidas e indecisões. Coisa do fígado do filósofo factóide e fenomenal que ele é.

Mas durma-se com um barulho desses!…

* José Cláudio Mota Porfiro é cronista do tempo comum: claudioxapuri@hotmail.com

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