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“Não tenho ressentimentos, só não aceito injustiças”, diz Jorge Viana

Político mais bem votado desta eleição, com o recorde de 205.593 votos (a maior votação já atribuída para o seu atual cargo no Estado), o ex-governador do Acre, Jorge Viana foi diplomado senador da República, no último dia 17, em meio a um turbilhão de polêmicas envolvendo seu nome em investigações e processos por denúncias de crimes eleitorais.
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Dois dias antes da diplomação, o Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) julgou o processo sobre um dos episódios de maior repercussão do último pleito: um dia antes da eleição, agentes da Polícia Federal invadiram o escritório de campanha de Viana e apreenderam computadores e outros equipamentos, em busca de listas de eleitores e dinheiro, que, segundo a denúncia anônima, seria usado para compra de votos. Em votação na semana passada, a corte eleitoral do Acre entendeu, entretanto, que todos os procedimentos utilizados nas investigações, o que incluía escutas telefônicas, foram ilegais.

Jorge, que até então se mantinha reservado sobre o assunto, fez as primeiras declarações sobre o caso ainda na cerimônia de diplomação. “De forma moderada, respeitando aquele momento e aquele ambiente, mas eu precisava me manifestar”, explica ele.

Em visita À GAZETA, na tarde de ontem, o atual senador do Acre fez uma avaliação mais detalhada do que chamou de “ressaca” das últimas eleições: os processos e acusações que sofreu e a forma como foi tratado por representantes da Justiça. “Sem ressentimentos e sem intenção de revidar”, garante ele, mas, sim, com visível sede de justiça ao que ele considerou como “ações muito estranhas, cometidas por pessoas que agiram ao arrepio da lei”.

Jorge falou também sobre a escolha do secretariado de Tião Viana e da “ousada” iniciativa do irmão em convidar Edvaldo Magalhães para ocupar a secretaria que, na opinião dele, deve ser o principal setor estratégico do próximo Governo.

Sobre o resultado das últimas eleições, fez uma análise curiosa e uma conjectura desafiadora: “A oposição acha que perdeu a próxima eleição e já ganhou a próxima. Eu acho o contrário: acho que ‘perdemos’ a última eleição, mas vamos estar mais fortes para a disputa da próxima. É como se a onça tivesse sido cutucada com vara curta e agora começasse a se levantar”. Confira a entrevista:

A GAZETA – Na semana passada, o TRE do Acre decidiu pela nulidade de todos os procedimentos que resultaram no processo no qual o senhor era acusado de crimes eleitorais na campanha deste ano. A corte eleitoral entendeu que os procedimentos utilizados, como as interceptações telefônicas e a apreensão de computadores, foram ilegais. O senhor se manteve calado, nas últimas semanas, sobre o caso, mas fez um desabafo sobre todo esse processo no dia da diplomação. O que tem a declarar agora, após esta decisão da Justiça Eleitoral?
JORGE VIANA
– O problema existiu sim e foi muito grave. Mas, quando houve a decisão do Tribunal, ficou claro uma coisa: nada do que foi feito tem validade. Eu ouvia as pessoas falarem: o “crime” que o Jorge cometeu…E isso realmente me deixou chateado, porque eu não cometi crime nenhum. Quem cometeu crimes foram as pessoas que, rompendo o que determina a Constituição e a legislação, tomaram aquelas medidas contra mim. Sofri vários processos nessa campanha, que eu acho que aconteceram de forma estranha. Eu concordo que isso faz parte da vida política, e toda pessoa pública está sujeita. Entendo que, como fui governador e ocupei uma função de destaque, talvez realmente mereça um pouco mais de crítica ou de observação do que os demais. Mas algumas coisas aconteceram de forma muito estranha.

A GAZETA – O senhor foi grampeado nesse período?
JORGE VIANA –
 Esses processos todos ainda estão sendo analisados e estão em segredo de justiça. Mas eu acho, sim, que houve um abuso ou faltaram elementos para que algumas pessoasfizessem escutas. E não falo de uma ou de duas, mas de um número grande de pessoas que foram monitoradas, inclusive eu, mesmo que num espaço pequeno de tempo.Acho isso de uma gravidade enorme. Eu nunca tinha visto isso no Acre. Talvez essa tenha sido a eleição no Estado em que mais ocorreu esse tipo de recurso, que eu acho que só pode ser usado em último caso, quando existirem fortes indícios e elementos suficientes de denúncia. O que não foi o caso. Vasculharam o meu escritório e não encontraram um único título de eleitor ou lista. Dinheiro, nada que pudesse materializar algum crime. Tudo foi feito de forma ilegal e não foi encontrado nada.

A GAZETA – Na semana passada, houve uma nova ação do Ministério Público Federal contra os candidatos majoritários da Frente, inclusive o senhor. A Procuradoria Regional Eleitoral do Acre ajuizou, junto ao TRE, ação de investigação, pedindo a cassação dos diplomas. Segundo a ação, vocês teriam cometido atos ilícitos durante a campanha, como abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação. O que tem a dizer sobre isso?
JORGE VIANA –
É, foram duas ações, uma pouco antes da diplomação e outra depois, mas nós ainda não fomos citados, então eu não posso me manifestar sobre isso. Mas, pelas informações que nós temos, a base forte dos recursos é em cima daqueles procedimentos que já foram considerados ilegais pelo TRE, do que o Tribunal disse que foi absolutamente ilegal e sem fundamento. Ou seja: quem entrou deveria ter refletido antes, porque já sabia que o TRE entendeu que tudo que foi feito foi ilegal.

 A GAZETA – Você interpreta essa e as outras ações da Polícia Federal ou do MPF como algo pessoal ou dirigido a você ou à FPA?
JORGE VIANA –
Sobre ser dirigido ou não, de ter segundas intenções, o que eu posso afirmar é que fui, sim, vítima de ações ilegais, o que foi reconhecido pelo Tribunal. Agiram ao arrepio, à margem da lei, para tentar me ferir. Sim, nós estranhamos que só nós da Frente tenhamos sido acionados. Porque outros poderiam ter sido. E aí ficam indícios de que pode ter sido uma ação dirigida, o que não é justo. Eu não estou acusando ninguém ainda, mas nós achamos que os órgãos competentes devem apurar se há pessoas extrapolando os limites da lei. Acho ainda que, muito do que ocorreu e do que ocorre, é em função da legislação eleitoral muito ruim que nós temos hoje. Nossa legislação é confusa e dá margem para que as pessoas, ou por desconhecimento ou por má intenção, realizem ações como aquelas. Eu acho que, nessa eleição, lamentavelmente, a figura mais importante não foi o eleitor, como deveria ser. A figura mais importante foi uma figura com a camisa preta, escrito atrás “Polícia”. Eram os eleitores com medo de uma camiseta. Vi gente sendo recolhida porque estava segurando uma bandeira. A democracia é uma conquista, uma conquista tão bonita, tão ampla e tem que vir acompanhada da liberdade e da alegria. A liberdade, pra mim, é sinônimo de alegria e, quando a liberdade acaba no dia da eleição, acho que se perde muito dessa beleza da democracia.
Acho ainda que algumas instituições, quando viram que algumas ações de ilegalidade estavam sendo cometidas, deveriam ter agido.

A GAZETA – Quais instituições?
JORGE VIANA –
Algumas que defendem o interesse da sociedade. Mas isso é caso para Justiça resolver. Não houve isso. Quem fez o reparo foi o Tribunal Eleitoral. E isso eu gostaria de ressaltar. Acho que tivemos uma eleição tensionada, mas o Tribunal conseguiu agir a favor da lei. Nós encontramos justiça aqui no Acre. A nossa Jutiça, os nossos juízes estão muito atentos, apesar de existir uma legislação ruim e confusa.

A GAZETA – Mas você ainda está magoado?
JORGE VIANA –
Eu tenho essa avaliação séria sobre todos esses problemas que aconteceram. Mas não tenho nenhum ressentimento, nem nenhuma intenção de revidar. Isso não está dentro de mim. Nós, da Frente, vamos lidar com isso como um problema lamentável que ocorreu, que é grave, que precisa ser tratado com seriedade, mas não queremos levar nada para este lado pessoal, de mágoas. Não vamos envolver o lado emocional ou qualquer outro sentimento que possa interferir. O Tião pensa assim, o Edvaldo e o Binho também. Buscamos separar bem as coisas.

A GAZETA – Há também muitas críticas de que, durante muito tempo, vocês da Frente agiram com arrogância, dominavam as esferas do poder. Este ano foi um ano de muita pressão, não só com as ações do MPF, mas com o próprio resultado da eleição. Como você enxerga essas críticas? Acha que este ano foi realmente mais difícil?
JORGE VIANA –
Se alguém ou alguma instituição acha isso, que nós dominados, em algum tempo, as esferas do poder, garanto que fazem um juízo equivocado da vida da gente ou há um desconhecimento da vida política e da história do Acre. Porque, para mim, nunca nada foi fácil. Alguém acha que foi fácil enfrentar o Esquadrão da Morte, colocando a minha vida e a da minha família em risco? Correr risco de vida é dominar? Não se pode misturar as coisas. Eu tive, sim, o apoio e o suporte de várias instituições para retirar o Acre da lama, do rodapé das páginas policiais. Isso foi duro e não foi feito porque eu ou PT dominávamos. Foi feito porque a gente quis e precisava fazer. Na minha vida política, tudo foi muito difícil sempre. O meu partido é o PT. Quando fui candidato pela primeira vez, tínhamos tido somente 1% de votos na na eleição anterior. Fui ser candidato por um partido no qual ninguém queria ser candidato e que não tinha força de nada. Cheguei ao segundo turno nesta primeira eleição. Depois, ganhei a Prefeitura e foi muito duro, porque eu não tinha ao meu lado nenhum deputado federal do meu partido e nenhum senador. Mas a minha administração foi uma das mais bem avaliadas do Brasil, ganhei prêmios, inclusive internacionais. Cheguei ao governo e foi o momento mais duro e dramático da minha vida. Era época do governo federal do PSDB. Tivemos a acolhida do Fernando Henrique, mas não ‘mandávamos’ em nada, porque não governávamos o país. Então, não sei que facilidades e domínio são esses que enxergam. Quem acha isso está querendo distorcer o que a história já registrou. Inclusive, essas dificuldades que estou tendo agora são muito parecidas com outras que eu já enfrentei no passado. Minha vida política é um desafio permanente. Só me surpreende porque o povo do Acre me conhece, conhece minha trajetória toda, e eu tenho, de novo, que enfrentar esse tipo de dificuldade. Mas faz parte… Os desafios fazem parte da minha vida. Só não aceito as injustiças. Eu sempre vou lutar por justiça.

A GAZETA – O que achou da escolha da equipe de secretários do Tião? O senhor teve participação nas escolhas?
JORGE VIANA –
O Tião montou o secretariado dele do jeito dele, mas, em todos os momentos necessários, ele fez consultas importantes. Eu, em vários momentos, conversei com ele sobre esse assunto, mas ele conduziu da maneira dele, e montou um secretariado que traz ousadia e, ao mesmo tempo, tranqüilidade de que o nosso projeto político terá continuidade.

A GAZETA – A escolha do Edvaldo para a secretaria de Desenvolvimento, Ciência, Indústria e Comércio está sendo debatida no meio político, entre a imprensa… Como o senhor avalia essa escolha?
JORGE VIANA –
Talvez o que há de mais ousado na equipe do Tião seja o convite que ele fez para o Edvaldo Magalhães. Quando o Tião me falou isso, eu fiquei muito surpreso e absolutamente convencido de que essa seria uma das maiores propostas da equipe dele, porque ela traz inovação.
Tivemos um “acidente” da democracia, que foi a não eleição dele, uma falha nossa, mas o Edvaldo, que é um grande articulador político, está sendo chamado agora para ocupar o que, talvez, seja a mais importante secretaria do próximo governo. A idéia de colocar, em grande escala no Acre, mecanismos de produção, industrialização, ligadas ao que a gente chama de uma economia de baixo carbono e de inclusão social, será a grande bandeira desse governo. E o Edvaldo provavelmente vai viver agora o grande desafio da vida dele, porque está sendo colocada, nas “costas” dele, a responsabilidade de consolidar o parque industrial do Acre, a ZPE e, ao mesmo tempo, sedimentar no Acre, junto com tudo isso, este conceito da economia do novo milênio. O Edvaldo é talhado pra isso, ele que foi um dos construtores desse nosso projeto e será agora, ao meu ver, a grande surpresa do governo do Tião.

A GAZETA – O Lula, naquela entrevista para os blogueiros e depois para a Gazeta, fez uma avaliação das eleições no Acre, dizendo que seria preciso um “estudo sociológico” para entender a derrota. Você já teve a oportunidade de conversar com ele depois disso? Ele se incomoda com essa situação?
JORGE VIANA –
A avaliação que tem ocorrido sobre as últimas eleições no Acre só tem começo, ainda não tem fim. Primeiro, porque não tem uma causa só, nem duas ou três. São várias. Quando a gente ganha a eleição, a gente escolhe o argumento que quer usar pra justificar a vitória. Há muitos… Quando se perde, a maioria das pessoas tem a tendência de se esconder. Eu falei com ele: acho que nós erramos. E não foi um erro só, foi uma série de erros. Mas a avaliação que faço hoje a seguinte: a oposição acha que perdeu a próxima eleição e já ganhou a próxima. Eu acho que nós ganhamos os mandatos, inclusive com votações recordes, mas perdemos a última eleição. De certa forma, a oposição “ganhou” a última eleição, mas ainda não ganhou a próxima. Nós perdermos a última, mas vamos vamos entrar fortes na disputa da próxima. É como se a onça tivesse sido cutucada com vara curta e agora começasse a se levantar.

A GAZETA – Vocês admitem que esse precisa ser um momento de reflexão, de renovação. Que mudanças a população pode esperar?
JORGE VIANA –
O Tião já começou essas mudanças. Mas, sim, tem que haver mudanças de atitudes nossas. Não é fazer mais, porque fizemos muito sempre. Mas a gente tem que fazer não mais só para as pessoas, mas com as pessoas. Aprendemos que não basta somente fazer o que precisar ser feito para ser reconhecido. Então, a gente pode até fazer menos, mas conversar um pouco mais. Isso vai se refletir também na prefeitura. O Angelim está fazendo uma importante reforma, ele quer mudar o perfil da gestão dele, nestes próximos dois anos. Ele vai completar agora em janeiro a maior reforma de secretariado. Estou falando aqui de atitudes que começamos a adotar. O que queremos é estabelecer uma relação de diálogo e retomar a confiança plena da sociedade, especialmente em Rio Branco, já que tivemos, pela primeira vez, uma votação bem abaixo das nossas expectativas. Eu estou voltando para política e, com esse desafio, eu me animo: de renovar essa relação com as pessoas. E nós vamos garantir essa renovação.

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