Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Associação de médicos formados no exterior deve propor projeto para revalidação local

Sai ano, entra ano e mais uma vez os médicos acreanos formados fora do Brasil seguem sem nenhum avanço para efetivar um processo local de revalidação de seus diplomas. O assunto traz uma situação contraditória ao Estado. Ao mesmo tempo em que se precisa de doutores aptos (com CRM) para atender à população, há pouco mais de 100 médicos tentando legalizar seu registro para suprir tal demanda. Além deles, outros 60 estão em fazendo cursos em Cuba (Elam), mais de 3 mil na Bolívia e vários outros na Argentina.
Medicos11011
E a necessidade da atuação destes profissionais – alguns graduados nas mais modernas faculdades destes 3 países já citados – cada vez cresce mais no Estado, em especial, nos municípios de interior. De fato, o Acre conta com cerca de 1.700 médicos nas suas redes de saúde, responsáveis por atender mais de 90% de seus quase 733 mil habitantes.

Além disso, o Estado tem um dos índices mais baixos de médicos, a nível nacional, para cobrir o Programa Saúde da Família (PSF): 27%. Tal modalidade assegura a assistência preventiva e a reabilitação para a comunidade, sendo que o preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) é a cobertura de 70%. No entanto, o debate para criar uma revalidação local e ajudar a mudar esta realidade segue estagnado, e sem previsão de progressos.

Para tentar fazer com que 2011 seja o ano de mudanças, a Associação Médica Nacional (AMN)Maíra Fachini está elaborando um projeto a ser apresentado ao governo estadual. A entidade foi criada no final de 2009, especialmente para defender esta causa, assim como outras no fortalecimento do PSF e do exercício médico. Segundo o representante local da AMN, Dr Janilson Lopes Leite, o certo é que todos os estados tivessem os seus próprios processos, porém, o Acre nunca teve nenhum diploma médico revalidado.

A afirmação é sustentada pela legislação vigente no país. Precisamente, pela Resolução no 1 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES), de 28/01/2002, e alterada pela Resolução CNE/CES no 8/2007, que pregam as disposições para a revalidação de diplomas internacionais. O art. 3º da referente resolução atribui às faculdades públicas como únicas competentes/ responsáveis a efetuar tal procedimento.

 “Art. 3º  São competentes para processar e conceder as revalidações de diplomas de graduação, as universidades públicas que ministrem curso de graduação reconhecido na mesma área de conhecimento ou em área afim”, determina a Resolução no 1/2002.

Na tentativa de amenizar tal descumprimento, o Ministério da Educação (MEC), junto com o da Saúde, criou um processo nacional de revalidação. Só que ele já dura mais de 2 anos, pregava que o candidato faria provas no seu Estado, mas acabou os convocando a Brasília. Ainda por cima, aprovou só 2 de 628 (28 acreanos) inscritos, não deixando data definida para realização de novos exames. No caso do Acre, a Ufac tem problemas para viabilizar a estrutura e professores (falta mercadológica) para atender tal processo e à demanda interna do seu curso de Medicina. Ainda assim, ela continua tentando. 

Nesse sentido, Janilson Lopes prega que o projeto a ser mostrado pela AMN visa propor o formato completo para instalar um mecanismo de revalidação no Acre – assim como já é feito em muitos outros estados pelo Brasil – e fazer cumprir a Lei. Para tanto, ele conta que será preciso firmar estreita parceria entre a associação (que indicaria os médicos), o Governo do Estado (que entraria com recursos para arcar com os custos do processo), a Ufac (que é a única competente para concretizá-lo) e o MPF (que fiscalizaria tudo).

Na sua composição, o projeto também incluirá pelo menos 3 anos de atuação no interior como exigência aos médicos que se submeterem a esta revalidação na Ufac. Janilson diz que este requisito visa amenizar a situação carente vivida em todo Estado. O item seria afixado por documento, através de termo de compromisso junto a AMN e ao Estado. A fim de mantê-los posteriormente, o médico diz que é preciso criar mais benefícios que tornem o alojamento no interior positiva, tanto profissional quanto financeiramente.

“Fazer revalidação fora do Estado requer um custo altíssimo, além de vários transtornos. Há médicos aqui aceitando qualquer emprego, só para juntar dinheiro e poder arcar com ele. Portanto, a nossa meta é reabrir o diálogo com o governo, ter apoio de parlamentares e mobilizar a sociedade entorno da agilização ao processo local, tendo em vista que se trata de um ponto também de interesse popular. A regularização destes médicos causará inúmeras melhorias para as redes de saúde de todos os municípios”, prega Janilson.  

Ainda segundo o representante da Associação Maíra Fachini no Acre, o projeto também se atentará a garantir meios para que o processo local não se transforme numa indústria de revalidação de diplomas, cujos preços cobrados são altíssimos e ainda acabam sendo aprovados candidatos sem qualificação. De acordo com ele, é preciso garantir que sejam  revalidados médicos que estejam prontos (teoria e prática) para atuar em solo brasileiro, já adaptado às especificidades e exigên-cias das doenças, do povo e do sistema do país.

“Não há área que exija maior apelo social do que a saúde. E, para garantir que esta seja oferecida com qualidade, é preciso de médicos bons. Que se disponham a atuar na sua terra, em benefício do seu povo. Mas, para isso, é preciso que eles tenham uma chance de mostrar seu valor. No ano passado, uma decisão da Justiça Federal tirou 12 médicos de 4 municípios necessitados. Assim como eles, muitos ainda estão impedidos de trabalhar. Isso tem de mudar. O Acre deve valorizar seus profissionais”, comentou Janilson Lopes.

Medicos11012
Esquema do projeto a ser apresentado pela AMN
O modelo a ser apresentado pelo projeto da Associação Médica Nacional Maíra Fachini é simples. A Ufac seria a encarregada – conforme rege a Lei – de estruturar um processo local de revalidação. Na falta de recursos, o governo seria o grande responsável em pôr verbas para custear o processo. Em troca, os médicos, reunidos pela AMN, assumiriam o compromisso de trabalho de prestar seus serviços durante 3 anos aos hospitais da rede pública. Segundo Janilson, tudo será organizado por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), elaborado pelo Ministério Público, que servirá como articulador.
A idéia é de que o procedimento seja periódico e dure de 1 a 6 meses. Seus passos são: o candidato entra com pedido de que deseja participar da revalidação e apresenta seus documentos junto à Ufac. Em seguida, ele faz sua inscrição e realiza uma prova para avaliar conhecimentos na área, bem como questões específicas da medicina brasileira.

Sendo aprovado, o médico graduado afora finalmente receberá seu registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) e estará apto para trabalhar num município interiorano ao qual o governo o endereçar. Tais casos durariam de 1 a 2 meses. Não sendo aprovado, o candidato teria de fazer uma complementação na Ufac para superar todas as suas falhas, inclusive, estudando conteúdos para adaptação ao SUS, ao trato com doenças regionais, com a realidade do povo acreano, etc. Nestas circunstâncias, o processo levaria 6 meses.

Ufac já montou comissão para debater processo
Ao contrário do que a acusam, a Universidade Federal já deu os seus primeiros passos para a implementação do seu processo próprio de revalidação, além de seguir apoiando, paralelamente, o processo nacional. De acordo com o assessor de comunicação da Ufac, João Petrolitano, a instituição já montou uma comissão específica para tratar do assunto, formada pelo pró-reitor Pascal Muniz e o seu coordenador de Medicina, Thor Dantas.

Ciente das limitações orçamentárias da Ufac e de obstáculos regionais, o grupo debate a busca de meios para conseguir superar os itens inacabados da questão. “Dentro de nossas limitações, a comissão almeja identificar e contornar as principais barreiras que ainda nos impede de fazer o processo. Tais como o formato deste procedimento, métodos para que ele legalize médicos competentes, elaborar uma complementação realmente efetiva, qual o perfil certo do docente que fará as provas e este ensino de reforço, etc”, explicou.

Como instituição de incentivo ao desenvolvimento local, o assessor também garante que a Ufac está disposta a participar de discussões públicas para obter avanços na questão.

Comentários sobre a revalidação de diplomas

Deputado estadual eleito, Astério Moreira: “De um lado, temos uma necessidade vital de médicos na Capital. Do outro, há médicos formados em instituições estrangeiras que não podem atuar. O CRM daqui, com toda razão, exige que tais formandos só atuem se estiverem regularizados. Mas, para isso, eles encontram um grandes obstáculos.

Portanto, eu acho que agora, mais do que nunca, é  hora de abrir o debate entre a Ufac e o governo, para amparar estes médicos. De sentar e discutir como o processo local pode ser feito. É preciso facilitar os meios para que estes doutores acreanos possam exercer a função pela qual passaram anos estudando, e não fazê-los ir a faculdades do Nordeste e do Sul para se regularizar. A revalidação local é prevista pela Lei. E a Ufac, enquanto peça fundamental do desenvolvimento do Estado, precisa superar este problema”.   

Deputado estadual eleito, Eduardo Farias: “Na minha opinião, é muito luxo para o Acre sustentar os atuais entraves que evitam a retirada do diploma destes profissionais, e não tentar superá-los. O Acre, como outros lugares do país, precisa de médicos. Temos estes prontos para atender, mas eles não podem. E esta desculpa de que as escolas do exterior são todas ruins é balela. Lá fora há faculdades boas e ruins, assim como acontece aqui.

   Só que daí que se questiona: qual é a qualidade destes médicos? Será que eles realmente irão agir nos municí-pios? Por isso, além do processo de revalidação, é preciso garantir mecanismos que o tornem claro, transparente e restrito pra atender as reais necessidades que tem o Acre. O processo precisa ser bem amarrado, não explorando este profissional, mas ao mesmo tempo não deixando tão solto para ir a um lugar distante e abandonar sua terra com os mesmos problemas. Questões assim é que devem ser bem definidas”.    

Secretária estadual de Saúde, Suely Melo: “É difícil formular posições no momento,pois faz pouco tempo que assumimos a secretaria. Esta é uma questão que exige definições precisas e não pode ser resolvida da noite para o dia. Atualmente, eu creio que o grande problema da revalidação reside nas irregularidades de grades curriculares entre o ensino brasileiro e estrangeiros. Para aproximá-los, é necessário criar uma complementação na faculdade. Só que tais estudos exigem carga horária extensa, logo, a universidade do Acre precisará se adaptar com estrutura para isso, sem deixar de lado seu curso de Medicina.

   A curto prazo, eu não vejo uma resolução tão imediata para resolver este impasse. Mas creio que, aos poucos, podemos construir um diálogo consistente para ir superando estas dificuldades didáticas e estruturais. Acredito que devemos investir para preparar a Ufac a fim de receber os médicos formados no exterior. E os habilitando para não só estarem legalmente aptos, mas também estarem preparados para exercer a função por aqui”. 

 

 

 

Sair da versão mobile