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Usuários e trabalhadores de ônibus criticam o setor e apontam melhorias

Diariamente a rádio Gazeta FM 93,3 recebe denúncias e reclamações, por telefone, sobre o transporte coletivo de Rio Branco. Os usuários reclamam de quase tudo. Dos motoristas que fazem frenagens bruscas, dos ônibus lotados, da demora entre um ônibus e outro, dos ônibus que quebram no percurso e, principalmente, da falta do troco.

A passagem de ônibus na capital acreana é de R$ 1,90 desde julho de 2009 e faltam os R$ 0,10 para quem paga com R$ 2,00.

As confusões são grandes. Dentro dos ônibus, pessoas jovens (ou não) não dão assento aos mais velhos ou às mães com crianças no colo. As grávidas não têm vez. Os que carregam mercadorias, também não. Na hora de entrar no ônibus é um empurra, empurra e, os mais fracos, acabam caindo e se machucando.
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De um lado fica a população que reivindica melhorias no transporte coletivo e do outro os trabalhadores desse sistema que, sem condições de trabalho, também sofrem com as ameaças dos usuários que, não tendo para quem reclamar, até partem para a agressão verbal e física.

Do Terminal Urbano, no Centro de Rio Branco, às paradas finais em alguns bairros, nossa reportagem ouviu usuários e trabalhadores do transporte púbico coletivo em Rio Branco e, nessa matéria, conta as insatisfações e as soluções apontadas pelos dois lados.

Cronologia da jornada partindo do Terminal Urbano
Segunda-feira, 3 de Janeiro de 2011. Primeiro dia útil do ano.

# 04:38h – Está escuro. O Terminal Urbano, no Centro da cidade, está praticamente vazio. Nem parece que por ali passam mais de 50 mil usuários por dia. Duas pessoas dormem sobre os bancos. Alguns jovens barulhentos esperam o dia amanhecer para os ônibus começarem a circular. Uma das jovens foi assaltada depois de cruzar a ponte. Um homem levou seu celular. Não quiseram ser fotografados. Não havia nenhum policial militar no local. Faço fotos.

# 05:00h –  Café preto com tapioca, por R$ 1,75, na banca de café das irmãs Elenira e Edinalva de Oliveira. Trabalhando no Terminal há 3 anos, sustentam 8 pessoas. Um PM se aproximou para tomar café da manhã. Visivelmente não estava trabalhando no local. 

# 05:15h – O Terminal e os arredores, estão sujos. Elenira e Edinalva me disseram que nos finais de semana não tem serviço de limpeza e, toda segunda, tudo amanhece cheio de lixo.

# 05:20h – Embarco no ônibus para o bairro Tancredo Neves – Linha 201. O trânsito está calmo. Os ônibus trafegam com as luzes acesas. De dentro do ônibus vejo um bairro com muitos postes sem lâmpadas. Em alguns trechos, sinto medo, mesmo estando dentro do coletivo quase vazio.

# 05:38h –  Parada final do Tancredo Neves. Lá, converso com o motorista e o cobrador.

# 05:58h – Hora de voltar. O movimento ainda é fraco. O motorista conta que estamos num período de baixa movimentação por causa das férias escolares. Segundo ele, o fluxo aumenta no fim do mês e durante o ano letivo.

# 06:23h –Terminal. O dia está claro. Desço da Linha 201 para pegar o ônibus da linha 603 – Sobral.  O ponto de parada dessa linha está sem identificação. Converso com as pessoas.

# 06:35h – Pego o ônibus para o bairro Sobral. Nesse ônibus conversei com muitas pessoas e com a cobradora. Algumas desceram pela porta da frente por falta de troco.

# 06:55h – Parada final da Linha 603, no Ceasa. Imediatamente voltamos. O motorista estava atrasado. 

# 07:20h – Terminal. Converso com muitas pessoas e faço mais fotos. Volto para casa. A jornada não terminou.

# 17:18h – Saí da Rádio Gazeta FM 93,3 e fui para a parada de ônibus que fica em frente a Fundação Nacional de Saúde na Av. Antônio da Rocha Viana.

# 17:23h – Subi no primeiro ônibus que passou. Mocinha Magalhães – Linha 204. Com espaço reservado e exclusivo para cadeirantes e obesos. O cobrador me disse que no máximo um deficiente por dia entra naquele coletivo. Ele me deu R$ 0,15 a mais no troco. Não reclamei. O ônibus corria.

# 17:35h – Cheguei ao terminal. Diferentemente da madrugada, no fim da tarde o terminal vira, praticamente, um formigueiro. Estava limpo. Era possível ver o pessoal da Semsur trabalhando. Não vi PMs.

# 17:40h – Peguei o ônibus do Calafate –Linha 404, uma das mais distantes, cerca de 15 Km do Centro. O ônibus é, visivelmente, velho. n 18:10h – Chegamos à parada final do Calafate. As ruas esburacadas dificultam o trajeto.

# 18:21h – Saímos.

# 18:55h – Terminal. Escureceu. Está lotado.

# 19:09h – Pego o ônibus do bairro Mocinha Magalhães de volta para a Av. Antônio da Rocha Viana. O ônibus corre.

# 19:17h – Chego ao meu destino e termino a primeira fase da minha jornada. A próxima será quando o ano letivo começar. Conclui que os ônibus não demoram tanto para passar em horários de pico pelos pontos de parada. No máximo 20 minutos. E correm muito.


Usuários esclarecidos fazem mais confusão
Rodrigo Otávio, 29 anos, que está há 5 meses trabalhando como cobrador na linha 201 – Tancredo Neves, me falou que, com ele, o passageiro nunca fica sem troco.

Pergunto se ele teria troco para meus R$ 2,00 e ele abriu sua caixinha e me mostrou a quantidade de moedas de R$ 0,10 que ele tinha. “Eu dou o meu jeito. Todo dia começo o trabalho com troco. O que lasca a gente é um cidadão me dar uma nota de R$ 20,00 no primeiro balão do ônibus. Parece que é de propósito. Eu não tenho como trocar R$ 20,00 ainda na madrugada. A própria linha é que deve dar dinheiro suficiente para que a gente possa passar o troco”, disse com ar indignado.

O cobrador Rodrigo me contou ainda que quem mais faz ‘confusão’ pelos R$ 0,10 são as pessoas mais esclarecidas. “O pobre, o de classe baixa mesmo, não faz confusão por causa de R$ 0,10. Em compensação, um dia desses, um metido à besta recebeu R$ 0,25 de troco e jogou a moeda pela janela dizendo que queria os R$ 0,10. Vai entender???”.

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O motorista Antônio Rodrigues e o cobrador Rodrigo Otávio relatam experiências


No final do dia, segundo Rodrigo, o saldo em seu caixa é igual. “Os que deixam o troco compensa pelos passageiros que levam a mais. Encerrado o turno uma coisa compensa a outra e não sobra nada para o cobrador como as pessoas pensam”, finaliza.

Vieira, 42 anos, há 8 trabalhando como cobrador, me disse que confusão por troco é uma coisa normal. “Um dia desses um cara chegou de manhazinha com uma nota de R$ 100,00. Mandei ele descer no ponto que ele queria pela porta da frente”. Vieira disse que se a cada 10 passageiros um trouxesse o pagamento em moedas de R$ 0,10 a situação seria diferente.

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Duração para a integração temporal não funciona na Capital
O motorista Antônio Rodrigues, 47 anos, formado em História pela Ufac, trabalha há mais 14 anos como motorista e fez uma observação relevante quando questionado sobre a alta velocidade que em alguns momentos os passageiros observam nos ônibus.

“A Rbtrans vê o transporte público como uma coisa linear. Tem dias que as coisas são tranqüilas em outros o trânsito está tumultuado, existem os problemas nos carros, o calor do verão e do motor, os pedestres que cruzam as ruas e a gente tem que frear, para não atropelar, tem os semáforos e tudo isso atrasa nossa chegada nos pontos de fiscalização. Se acontece um problema, a gente tem que acelerar para passar na hora certa e não receber advertência”.

Sobre a integração temporal, que é de 30 minutos, Antônio Rodrigues é taxativo e diz que não funciona porque o período de integração é muito curto.
“Não dá tempo de um passageiro sair do Tancredo Neves para pegar um outro ônibus na Maternidade. Tem o tempo da viagem e tem o tempo que ele terá que esperar pelo outro ônibus.Quando ele vai passar na catraca o tempo da integração já expirou. Solução para esse problema tem, mas ninguém ouve a gente”.

Elizângela da Silva que o diga. Ela trabalha numa lojinha na Sobral e mora no Tancredo Neves. “Eu desisti desse negócio de integração. Vou direto para o terminal e pronto. Lá eu posso pegar o próximo ônibus sem ter que passar meu cartão magnético. Não dá para correr o risco de gastar mais uma passagem”, relatou.

Ônibus velhos e golpe baixo prejudicam os trabalhadores
Caos4O motorista C.R.M., 10 anos de profissão, me disse que carros com mais de 20 anos deveriam sair de circulação. Os motoristas estão trabalhando como mecânicos. Regulam freios e a embreagem durante o percurso porque  as oficinas das empresas demoram demais para consertar os carros. Por isso os ônibus andam lotados. “Com esses carros não dá para cumprir horário, eles quebram e até chegar outro carro é uma novela”, contou.

O ônibus que ele estava dirigindo era muito velho, cha-coalhou muito. Vazava óleo. Não deu para saber seu ano de fabricação porque os documentos do veículo ficam no Terminal. “Não adianta comprar alguns carros novos e não tirar de circulação esses carros velhos que colocam a vida de todos em risco”, desabafou.

Ricardo Torres, diretor do Rbtrans, órgão municipal responsável pela fiscalização, confirmou que só na empresa Rápido São Roque, que atende as linhas para bairros como o Sobral, tem mais de 30 carros em circulação com idade de uso acima do suportável e quebram.

C.R.M, o motorista, falou da dificuldade de dirigir ao lado do motor que também esquenta. Ele usa uma toalha nos ombros para enxugar o suor. Segundo ele, a temperatura ao lado do seu corpo chega a 50 graus. Eu não sei se a temperatura é essa mesma mas que é quente, é quente. Pude sentir.

Ricardo Torres, da Rbtrans, disse que a prefeitura sabe de tudo isso e está tentando encontrar outras empresas para que possam substituir, principalmente, as empresas que aqui operam precariamente. “Enquanto não acharmos empresas interessadas em operar em Rio Branco, não podemos deixar a população totalmente sem transporte”.

Sérgio Pessoa, gerente do Sindcol, disse que o pacto com a prefeitura, para renovação de frota, foi assinado individualmente por cada empresa que opera em Rio Branco, a São Roque, Via Verde, São Judas e Floresta. “Se alguma empresa não está cumprindo esse pacto, fica a cargo da prefeitura tomar as medidas que achar necessária”.

Outro motorista que pediu para não ser identificado de forma nenhuma, me contou que quando um motorista fica velho demais numa empresa, “alguém” boicota o ônibus em que ele trabalha para dar demissão por justa causa por imprudência ou imperícia. “Não cita meu nome, pelo amor de Deus! Você viu o eu eles fizeram com os sindicalistas, não viu???”disse se referindo à demissão de 6 funcionários das empresas de ônibus que faziam parte da diretoria do Sinttpac – o sindicato que reúne os trabalhadores da categoria.

“Dia desses entregaram um carro velho para um companheiro com os parafusos do pneu totalmente soltos. O pneu soltou, bateu num motoqueiro e o matou”, denunciou. Outra grave denúncia é sobre entregar um carro velho, sem óleo no motor, para o motorista trabalhar. “Motor sem óleo vai bater. Se bater o motor, o motorista nunca vai ter como pagar ganhando R$ 1.400,00 por mês. Como vai pagar se o conserto de qualquer coisa no motor custa R$ 10.000,00 ou R$ 15.000,00?”, questionou.

A reportagem tentou falar várias vezes com os reponsáveis pela Empresa São Roque, a que recebe maior número de reclamações, Valcicley e seu Celso, pelo 3224-xx99, e não conseguiu encontrá-los.

Agressões verbais estressam os motoristas e os cobradores
Caos5Daiane Mendonça, 18, trabalha há mais de um ano como cobradora na Linha 603 – Sobral. Ela me contou que já foi parar na delegacia por causa de um passageiro que a chamou de ladra e vagabunda. Desde então, quando uma pessoa chega com uma nota que ela não tem o troco, ela pede para esperar, sem passar na roleta, e, chegando no ponto do usuário, se ela ainda não tiver dinheiro suficiente para o troco, manda descer pela porta da frente sem pagar nada.

“Tem pessoas que xingam a gente, esculhambam. Isso estressa qualquer um. Tem pessoas que são super bacanas. Passam, dão R$ 2,00 e nem querem o troco. O que se que compra hoje em dia com R$ 0,10?”, perguntou.

A cobradora ficou surpresa com o meu R$ 1,90 em moe-das de R$ 0,05 e R$ 0,10. “Nesse tempo todo que trabalho aqui, você foi a única passageira a me entregar o valor total da passagem em moedas pequenas. Querem os R$ 0,10 mas ninguém devolve na próxima viagem. Não sei o que eles fazem com as moedas”.

A.L, cobrador há 4 meses, disse que se a passagem fosse R$ 2,00 não existiria tantos problemas. “A prefeitura deveria aumentar a passagem para R$ 2,00 e daqui há um ano deveria aumentar para R$ 2,25. A gente vê mais moeda de R$ 0,25 do que de R$ 0,10. Imagina se a passagem for para R$ 2,10 ou R$ 2,15? Vai ser mais uma esculhambação”, previu.

Usuários têm necessidades diferentes ao se transportarem
Caos6Cada usuário é um usuário com visão diferenciada. A funcionária pública Meire Gonsalves, 42 anos, por exemplo, trabalha na Escola Duque de Caxias na BR-364. Para ela a solução para a falta de troco é todos terem o seu cartão magnético do Sindcol – Sindicato das Empresas de Transportes Coletivos do Acre. “Uso o cartão desde 2008 quando foi implantado e não tenho nenhum problema”. Para ela, o problema é esperar passar dois, três ônibus lotados para poder pegar o próximo e chegar à tempo ao seu trabalho.

Dona Nazaré Pinheiro de 56 anos, faz salgadinhos e vem ao Centro duas vezes por semana. Não usa o cartão magnético. Prefere pagar em dinheiro. “Não gosto de vir aqui. Venho porque preciso comprar os ingredientes dos salgados. Tenho até trauma! Eles empurram a gente o tempo todo. Pra entrar no ônibus é um Deus nos acuda. Eu cheia de sacolas fico nesse imprensado. Deveriam fazer filas para entrar no ônibus como é em Manaus”, sugeriu.

Guedes, artista plástico, é outro usuário que só paga a passagem em dinheiro. Para ele o que mais incomoda são as frenagens bruscas dos ônibus.

“Carrego um monte de material nas mãos, na mochila, e quando o motorista freia a gente vai de uma vez por cima dos outros passageiros. É muito desagradável”. Para Guedes uma frota maior daria melhor conforto para quem usa ônibus. “Com mais ônibus a gente não ficava tipo sardinha em lata nas horas de maior movimento”.

Simone de Souza, 36 anos, dona-de-casa, disse que o que mais a incomoda ao usar o transporte público coletivo não é os R$ 0,10 que faltam no troco, é a falta de educação das pessoas. “Vejo mães com filhos no colo e quem está sentando faz de conta que não está nem aí. Quase não existe solidariedade dentro dos ônibus”, relatou.

 Sugestões de melhorias para o transporte coletivo de Rio Branco

# Ampliação do tempo de integração entre um ônibus e outro de 30 minutos para uma hora.

# Campanha para que as pessoas usem suas moedas. Com a falta de troco muitas pessoas não pagam para andar nos ônibus.

# Organização em fila no embarque do Terminal Urbano.

# Sindcol deve fazer campanha para que empresários adquiram o cartão magnético como vale transporte para seus funcionários.

# Campanha educacional para a população ser solidária no transporte coletivo.

# Palestras orientadoras nas escolas.

# Melhoria das oficinas das empresas com contratação de mais mecânicos.

# Troca da frota.

# Retirada dos ônibus, com mais de 20 anos de uso, de circulação.

# Melhoria na limpeza interna dos ônibus.

# Obrigatoriedade do fornecimento de moedas pelas empresas para os cobradores.

# Especificação das linhas no Terminal Urbano e nos pontos de ônibus. Quem quase não usa ônibus ou não é da cidade, fica completamente perdido.

# Colocar os fiscais do RBtrans dentro dos ônibus e não apenas em pontos estratégicos de fiscalização.

# Presença constante da Polícia Militar no terminal.

 

 

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