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Suicídio: um problema filosófico sério

Nesta semana fui surpreendido pela notícia da morte de um jovem de 25 anos, encontrado pendurado numa corda, laçada sobre os galhos forte de uma árvore à margem do Igarapé Judia, estreito próximo ao antigo Santo Afonso, hoje conhecido também como Condomínio Jacarandá. O impacto foi maior por se tratar do marido da Maria José (Mazé) jovem que presta serviço na Escola de Ensino Superior, onde também trabalho.  Cometeu suicídio, sem motivos justificados, dizem todos os que o conheciam. O certo é que desconhecemos os motivos ou suas decepções com a vida. 

Antes de nos argüir, a nós mesmos, sobre o assunto e principalmente dessa inclinação suicida de muitos homens e mulheres, pelo mundo afora, bom é saber o que pensavam os pensadores, antigos e novos, sobre o  suicídio:

O filósofo existencialista Alberto Camus, em seu ensaio O Mito de Sísifo.  Cuja idéia central está no enigma de como libertar um homem de nome Sísifo da condenação dada pelos deuses a empurrar sem descanso uma rocha até o cume da montanha de onde a pedra caia de novo. Pois é, Camus neste ensaio declara que só existe um problema filosófico serio: o suicídio. A vida é absurda, uma bolha vazia no mar do nada, e é uma questão séria quanto à sua continuação ou não, dizem alguns existencia-listas. Camus, embora reconhecendo o absurdo envolvido, muitas vezes, na própria vida, argumentava que o suicídio é uma reação inadequada para esse absurdo. A verdadeira reação humana seria “viver” em plena consciência aquele absurdo.

Sócrates negava que o homem tenha o direito de cometer suicídio. Segundo ele raciocinava, o homem é propriedade dos deuses, e a vida e a morte dependem deles, e não da vontade humana. Ele pensava que sempre será melhor sofrer do que cometer um mal e o suicídio é um mal, pelo menos na maioria dos casos.

Platão aborda o assunto, de um ponto de vista legal, ou político-religioso-legal: o que se mata a si mesmo, o que se despoja violentamente da vida que o destino lhe fixou  sem que seja forçado a isso, o que por covardia se inflige a si mesmo um castigo injusto, deverá ser enterrado em lugar isolado e deserto (?), sem glória, sem estrelas e sem nome.

Aristóteles denuncia o suicida como um covarde que foge da pobreza ou da dor. O suicida, diz Plotino, produz dano à sua alma. Mas é o mesmo Plotino que diz que o homem cegado pela paixão, comete violência  contra si mesmo.

Suicidar-se é segundo Kant, ofender a dignidade da pessoa, a qual, como ele mesmo diz na Metafísica dos Costumes, está obrigado, enquanto pessoa, a conservar sua própria vida.

Voltaire, sem querer fazer apologia de uma ação, o suicídio por exemplo, que as leis condenam, indica, ironicamente, que nem o Antigo Testamento nem o Novo Testamento jamais proibiram ao homem abandonar sua vida quando já não pode mais suportá-la.

Schopenhauer, embora pregasse uma doutrina de futilidade e desespero, opunha-se ao suicídio sob a alegação de que esse ato representa os desejos do indivíduo, e não um verdadeiro ato de renúncia.

Há uma corrente de filósofos existencialistas que são frontalmente contra o suicídio. O suicídio diz Jean Paul Sartre, é errado porque é um ato de liberdade que destrói todos os atos futuros de liberdade. É uma afirmação do ser mediante a qual a pessoa finalmente nega seu ser. Ou, nas palavras corriqueiras, o suicídio é um ato do vivente anti-racional ao qual falta uma verdadeira base lógica.

Definir o suicídio desta maneira, no dizer do filósofo contemporâneo Norman Geisler, ressalta precisamente quão irracional o ato realmente é. É um arrazoado que destruiria o raciocínio da pessoa.

Teologicamente, a vida é um dom de Deus, e devemos ter cuidado acerca de como tratamos esse Dom. Os primeiros pais da igreja permitiam o suicídio somente em circunstâncias muito específicas e limitadas, mas a maioria dos teólogos cristãos tem classificado o suicídio como uma forma de homicídio. Agostinho negava que o suicídio seja legalismo, sob qualquer circunstância, e Tomás de Aquino o secundou. Ele expunha estes três princípios gerais contra tal ato:

1. O suicídio é desnatural e contrário ao amor, que o indivíduo deveria ter para consigo mesmo e para com o próximo.

 2. É também uma ofensa contra a sociedade, pois ninguém vive para si mesmo, como também ninguém morre para si mesmo.

3. O suicídio usurpa o poder de Deus, o único que pode tomar as decisões acerca de quando o homem deve viver ou morrer. Os teólogos católicos romanos, naturalmente, têm tomado a posição de Tomás de Aquino, como também os teólogos protestantes conservadores.

A verdade é que o mundo intelectual, já de longa data, tem empreendido numerosas investigações teológicas, filosóficas, psicológicas e sociológicas sobre o suicídio, sem, contudo evitar as antinomias (verdades aparentemente contraditórias entre si)  da questão.

E nós, você e eu (leitor) como encaramos o suicídio? Será que somos da opinião que todo suicida é um covarde? Não seria o suicídio um ato de coragem? Ou será que pensamos como pensava o filósofo Nietzsche, para quem o homem deve ter, pelo menos, a liberdade de escolher morrer. E mais: os problemas que nos afligem são motivos suficientes para se pensar em suicídio? E, outra pergunta macabra: você, leitor, já pensou em suicidar-se?

O mal do suicídio, independente de dizerem que a causa mais comum do ato intencional de matar a si mesmo, ser transtorno mental, alcoolismo ou abuso de drogas. O mal repito é que o suicida não anuncia previamente que vai cometer o ato. Aquela torre panorâmica do “eixão” lá em Brasília tem sido palco, em longos anos, de  pessoas que sobem o elevador atingem o patamar mais alto e se projetam na direção do solo. O caso do rapaz aqui do Jacarandá traz essa característica: montou na bicicleta, desceu a ladeira em direção ao igarapé, escolheu a árvore, armou o laço e cometeu o ato contra sua própria vida.

Quanto a uns e outros, exemplo do que ocorre aqui em Rio Branco nesta semana, que escalam pontes e ficam fazendo onda, querendo aparecer, tem muito, no dizer de André Hening do Esporte Interativo, é que “apanhar de cinta”.

* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador  bibliográfico em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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