X

As palavras fazem histórias de vida

O texto de hoje fala de palavras que contam histórias, pois a vida se constrói por meio das palavras, não há outra forma. Por isso mesmo alguém já disse que há palavras que nos atrapalham e outras que nos ajudam a viver. A escritora Clarice Lispector certa vez disse: “Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?” E como seria isso possível, alguém encalhar numa palavra? Seria mais ou menos assim: a pessoa segue a vida como se estivesse dentro de um barquinho e, repentinamente, encalha numa palavra.

Pode ser qualquer palavra: espírito, pai, trabalho, medo, paixão, aposentadoria, inconformismo, esperança, grandeza, alma, ferida, dor, ladrão, fome… Algumas palavras são paralisantes. O Brasil, por exemplo, já encalhou na febre amarela, na ditadura, na censura, na inflação. Agora está encalhado no desemprego, na corrup-ção, no subdesenvolvimento, na má política educacional, má saúde, falta de trabalho, muita fome.

Percebe-se, então, dos exemplos aqui postos, que com essa forma de se plantarem na nossa vida, as palavras alimentam-nos e nos matam, são remédio e veneno, iguais aos produtos de uma farmácia, são drogas que matam ou curam. De sorte que é uma questão de alquimia verbal saber administrá-las. E Aurélio Buarque, o farmacêutico de plantão, aconselha: “temos que dar oportunidade às palavras”. Quer dizer: elas não podem ficar por aí desprezadas no amorfo dicionário, têm de ser desfrutadas, expor-se à luz do nosso prazer, no uso de nossas vidas.

Como saber quais palavras paralisam ou constroem nossas vidas? É um exercício simples: com um lápis e um papel a gente anota as palavras que paralisaram ou fizeram nossa vida avançar – palavras-coisas, palavras-pessoas. Depois, a gente analisa como superá-las, vencê-las. Ao fazer isso a pessoa estará saindo das dificuldades, é um caminho, uma sugestão nessa luta da vida com as palavras.

Vê-se, então, que as palavras são espelhos d’alma. Elas traduzem os momentos de felicidade ou infelicidade de nossas vidas. Elas participam do nosso viver: encalham, reencalham, desencalham, são paralisantes, plantam-se na nossa alma, alimentam-nos, fuzilam-nos, são remédio e veneno, drogas para matar e para curar, não podem ser desprezadas, têm que ser desfrutadas, enfim, são palavras-coisas, palavras-pessoas.

Assim, esse dinamismo das palavras está relacionado à multiplicidade de sentidos que elas podem adquirir em função dos diferentes contextos e situações de uso. A essa multiplici-dade de sentidos, chamamos de polissemia. Certas palavras têm uma história tão interessante que vale a pena contá-las; elas são parte da própria história e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e o mundo do qual viemos. Deleitemos-nos, pois, com essas palavras que contam histórias.

A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problema da escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz-se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assim como a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidão primor-dial, que se estendeu por toda a Antigüidade, era basicamente uma escravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de a palavra escravo ser oriunda de sclavu(m) que, por sua vez, provém de slavu(m), que significava eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e era freqüente-mente capturado para servir de escravo. Daí a evolução do significado da palavra para o significado que permanece até hoje.

A palavra amor tinha originalmente um sentido passivo, indicando a qualidade de ser amado. Foi a influência germânica, com sua sociedade que valorizava bem mais as mulheres do que a sociedade romana, que transformou o sentido da palavra amor em ativo, indicando o sentimento de amar.
Finalizando o artigo, diz-se  que o verdadeiro valor das palavras não se encontra no fato de elas serem ditas por lábios belos, com suavidade, gentileza e eloqüência, mas quando elas são proferidas com sabedoria, sobre uma verdade, e ditadas pelo coração daquele que fala.

DICAS DE GRAMÁTICA
HOUVERAM” MUITOS ACIDENTES, PROFESSORA.
– Haver, como existir, também é invariável: Houve muitos acidentes. / Havia muitas pessoas. / Deve haver muitos casos iguais

EXISTE” MUITAS ESPERANÇAS NO NOVO GOVERNO,:
– Existir, bastar, faltar, restar e sobrar admitem normalmente o plural: Existem muitas esperanças. / Bastariam dois dias. / Faltavam poucas peças. / Restaram alguns objetos. / Sobravam idéias
 PARA “MIM” FAZER. Não posso falar assim.
Não! Mim não faz nada porque não pode ser sujeito. Assim, diga melhor: Para eu fazer, para eu dizer, para eu trazer.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá. Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pesquisadora Sênio da CAPES.

Categories: Luísa Lessa
A Gazeta do Acre: