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O Vendaval

Nos últimos anos e para ser mais preciso, recentemente, quase que de forma corriqueira, temos a infelicidade de ver na TV, as mais trágicas fúrias da natureza: Secas terríveis em regiões do país, que comprometem a vida como um todo; rios e córregos que transbordam deixando cidades e vilas destroçadas; morros que derretem sua fina camada de terra e vegetação, levando tudo que encontra pela frente; onde o telespectador sem palavras e com a respiração suspensa, vê o macabro filme de terror, cujo efeito especial, nem os renomados produtores de cinema Steven Spielberg (Guerra dos Mundos) ou seu colega James Cameron do filme Avatar, foram capazes de produzir.

Até porque, aqueles mestres do entretenimento, fazem seus efeitos mirabolantes de tirar o fôlego, usando um sofisticado software da computação gráfica, ou seja, tudo de mentirinha ou um “faz de conta que acontece”. Os efeitos da natureza em fúria, não. É um evento real e tão real que deixa o DNA em seu rastro catastrófico, como a destruição de patrimônio e precoces sepulturas nos escombros; para completar o quadro sinistro, os sobreviventes dos vendavais não podem se vangloriar e dá pulos de alegria, pois estão ainda sujeitos a proliferação dos vetores de doenças, provocados por inúmeras bactérias interligadas pela água e alimentos contaminados, afora os animais peçonhentos, que na ânsia de escapar, saem mordendo todo mundo.

O leitor, após se inteirar do quadro descrito acima, deve pensar (e possivelmente tem toda razão), que o escriba dessa crônica está com a indefectível síndrome da sinistrose.

Usando o nome de uma música de Chico Buarque, digo com toda sinceridade: “Meninos, eu vi”. Eu vi o terror diante de meus olhos e como diria o “velho deitado”, ao vivo e em cores.

Dia 3 de fevereiro de 2011, entre 16:00 e 17:00 horas, encontrava-nos em casa, no Setor Aeroporto na cidade de Goiânia, desfrutando da calmaria do lar e aqui é de bom tamanho dá ênfase, que o melhor hotel do mundo é a nossa casa. Tudo tranquilo, tempo bom. Céu de brigadeiro.

De repente, não mais que de repente, começamos a ouvir o ribombar de longínquos trovões e uma leve brisa começou a soprar. Cheguei a matutar: “está chovendo lá pelas bandas de Anápolis – no problems”. Minutos após, a leve brisa mudou o tom; já era um vento desses que deixa a bandeira hasteada no pavilhão orgulhosamente tremulando. O “céu de brigadeiro”, como num passe de mágica, mudou a coloração do azul límpido para um cinza-escuro raivoso, e como um esquadrão invisível de poderosos aviões de combate, passou de forma impiedosa a bombardear a terra com as letais armas: trovões simultâneos, fortes e assustadores (desses que estilhaçam os vidros das janelas e os copos de cristal da madame), raios em todas as direções riscando os céus, como fogos de artifícios de cima para baixo, além de uma chuva forte de granizo. Eram os elementos fatais da destruição em massa.

Até então, apesar do clima aterrador, dava para manter a calma; tanto que, até deu para ouvir um grupo de pessoas que passavam correndo na rua e uma delas dizendo:

– Jesus! Jesus! – Salvai-nos, é o final dos tempos.

Há um brocardo popular que diz: “depois da tempestade vem a bonança”. Argumento inverídico e longe de ser aplicado no caso desse vendaval. Quando se esperava que os elementos da natureza em ebulição se acalmassem, apareceu um violento “vento de rosca” (redemoinho), que saiu levando tudo, literalmente.

Nada se podia fazer. Uns dez minutos depois, quando as coisas se acalmaram, ressabiados como matuto na cidade grande, saímos para contabilizar os estragos: todos os telhados das casas do bairro sofreram danos de forma severa (a nossa casa, metade do telhado foi p’ro espaço, não se localizando mais as telhas), com queda de árvores e muros, postes derrubados, ruas alagadas, o trânsito enlouquecido de vez, enfim, caos total.

Quando já ia entrando novamente em casa, minha atenção foi requisitada pela Marilda (minha esposa), que dizia:

– Bichinho, olha lá, olha lá. (ela me chama carinhosamente de “bichinho”)

Quando olhei para a direção apontada, era um pára-choque de carro dependurado na nossa cerca elétrica.
O negócio foi sério. Mas estamos todos bem.

Nessa noite, todos do bairro ficaram à luz de velas. Houve estragos, é verdade, mas havia no ar um clima de romantismo.
Em nove (9) anos que moramos em Goiânia, esta foi a primeira vez que vimos um fenômeno desse naipe e ficamos sem energia elétrica por mais de trinta minutos.

O relato desse vendaval, contado com pinceladas de humor, para não encorpar mais o drama, chama a atenção para o aquecimento global que é uma realidade inconteste, que tem como característica principal: intensidade de eventos meteorológicos ao extremo e extinção de espécies (inclusive, o homem).

* Francisco Matias é procurador de Justiça Inativo
franmatias@click21.com.br 

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