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Programa Saúde Itinerante deve triplicar atendimentos para chegar até os lugares mais distantes do Estado

Parece elementar, mas nunca é demais insistir que a sobrevivência de uma comunidade, seja ela qual for, depende da qualidade da saúde oferecida aos seus cidadãos. Seguindo esta máxima, o Programa Saúde Itinerante deve mais do que triplicar a sua capacidade de consultas e atendimentos neste ano, a fim de levar tal serviço aos povos mais inalcançáveis do Estado. As dificuldades para tal desafio são intermináveis, mas a satisfação do seu cumprimento é inigualavelmente melhor: salvar vidas carentes.
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Com efeito, apenas no primeiro mês do ano o programa já consultou 3.511 pessoas num total recorde de 4 visitas: Xa-puri, Sena Madureira, Mâncio Lima e Casa do Índio (Casai) de Rio Branco. Foram traçados 681 diagnósticos, 579 exames laboratoriais e, ainda, 3.964 atividades de terapias. Tais marcas equivalem a mais de um terço das ações em 2010 (isto é, 10.634 consultas, 10.841 terapias, 2.102 exames, 2.180 diagnósticos). Mais do que isso, janeiro representa a força máxima que a empreitada deve ter durante todo o ano.

Seguindo neste ritmo, até o fim de dezembro seriam mais de 42 mil consultas,  6,5 mil exames, 8 mil diagnósticos e 47 mil terapias. Seriam os maiores números anuais já registrados nesta década do programa. Inclusive, superiores até do que os 3 últimos anos juntos (2008, 2009 e 2010). A prova de que isso é possível é o fato de que as equipes não param. Ontem mesmo, foram realizados atendimentos em todas as 165 internas necessitadas do presídio feminino (pavilhão do FOC), na Capital. Para o futuro, a iniciativa deve se estender a demanda masculina de 2.800 presidiários.

Apesar das chances de atingir tal potencial serem 100% tangíveis, a coordenadora Celene Maria Prado Maia destaca que este não é o foco central do Saúde Itinerante. Para ela, acima de qualquer valor quantitativo, a iniciativa prima pelo princípio da ‘eqüidade’ (dar ‘mais para quem tem menos). Em outras palavras, o programa visa atender as pessoas de comunidades cujos acessos são os mais críticos possíveis do Estado.

“A saúde é um direito de todos. Mas não é isso que se vê nestes lugares mais afastados dos centros urbanos. Na cidade, a população acessa a rede pública quando quiser. Basta ir ao posto, unidade, módulo e centro de saúde. Já nos cantos mais afastados do interior, estas coisas não existem. Portanto, o Saúde Itinerante tem como prioridade chegar até os grupos de pessoas nos locais mais distantes. Eqüidade não é tratar todos de forma igual, e sim saber tratar diferente aqueles que merecem.  Para 2011, queremos estender limites e alcançar os lugares onde nenhuma equipe médica jamais esteve antes”, afirma Celene.

Nesse sentido, depois de fazer duas edições de visitas na Capital (Casai e presídio feminino), o programa já planeja meticulosamente o roteiro de passagens pelos seringais e várias comunidades do Rio Caeté, para este mês de fevereiro. Entre algumas, constam: seringais Santa Amélia, Belo Arruda, Cuidado e São Benedito, Colocação Forte Veneza e as comunidades Zé da Peste e a Cazumbá. Todas estes são grupos e tribos isoladas que pouco – ou quase nunca – recebem os benefícios e a atenção do Estado. Por quê? Não é difícil imaginar! Aliás, ‘difícil imaginar’ mesmo e a forma das equipes chegarem até eles.    

De fato, para que as metas de atingir os grupos excluídos se tornem realidade, o Saúde Itinerante precisa enfrentar uma série de desafios e obstáculos incontáveis pela frente. E a coordenadora Celene Maia não só sabe, como também sempre leva isso em conta para preparar os grupos nas visitas ao interior. Em média, as expedições do programa duram de 3 a 5 dias, sendo que grande parte deste tempo é só para transpor barreiras de acesso.
Entre as grandes dificuldades, Celene cita os cursos quase sempre repletos de meandros, ou curvas, dos rios acreanos (a ligação geopolítica das estradas do Estado é transversal, logo, só permite o acesso a lugares mais afastados pelos rios) e as surpresas imprevisíveis do clima local (definido por 2 estações distintas: ‘inverno’ e ‘verão’).

“Algumas vezes, viagens que fazemos em meia hora  duram mais de 6h. Em outras, levamos mais de 1 dia só para chegar até o lugar. E tudo isso com uma equipe levando os equipamentos e materiais nas costas. Por isso, sempre temos de criar boas estratégias para contornar os empecilhos e achar profissionais que se sujeitem a passar por isso. Mas, no final, ver a nova esperança que levamos para estas pessoas carentes há anos deste serviço compensa qualquer esforço. Buscamos pôr na cabeça de todos que formam as equipes que é preciso dar nosso melhor nos atendimentos, mesmo nas situações mais adversas”, completa.
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A receita para não dar passos em falso nas expedições
Para garantir que as expedições extraiam tal ‘melhor’ referido por Celene, todas elas são bem planejadas com antecedência. A grosso modo, tudo começa quando o programa da Sesacre é solicitado pela prefeitura do município (no geral, mas o pedido também pode partir de entidades civis). Daí, é feito um relatório completo das maiores necessidades destes locais, junto com o mapeamento das comunidades nas suas redondezas. Também é verificado, previamente, qual é a estrutura que tem o lugar, para que a coordenação e a sua equipe multi-profissional possam traçar um rol dos materiais a serem levados.

Entre os profissionais que o Saúde Itinerante tem de reunir para dar início às suas visitas estão: médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, assistentes sociais, psicólogos, biomédicos, entre outros. Alguns deles já atuam há anos junto ao programa. Outros são chamados para testar o baita desafio de atender na árdua realidade do interior acreano, com pessoas que vivem no meio da floresta. Acadêmicos de medicina também estarão sendo chamados para vivenciar tal experiência única para o currículo e para a carreira.

“O que eu mais prezo no profissional é que ele seja um ouvinte ativo do paciente para respeitar seu corpo e a sua cultura. Os médicos e enfermeiros devem escutar de verdade os problemas das pessoas, entrar na sua subjetividade, antes de traçar diagnósticos e tratamentos. A meu ver, isso é importante porque desperte neles um olhar mais humano para o seu crescimento profis-sional e melhora a relação com o paciente”, prega Celene.  

Todos os planejamentos e reunião da equipe cabem à coordenadora e suas 4 auxiliares. São realizados vários tipos de serviço e atendimentos pelo grupo, tais como exames laboratoriais (sangue, fezes, urina), endoscopia, colposcopia (exame no colo do útero), vaginoscopia, eletrocardiograma, ultrassonografia e biópsia. Entre algumas áreas de consultas, estão: pediatria, clínica-médica geral, cardiologia, dermatologia, ortopedia, geriatria, oftalmologia, neurologia, infectologia, gastro-clínica e até de psiquiatria.  

Além de prestar assistência in loco, as equipes já deixam o paciente encaminhado para tratamentos posteriores na Capital ou em outro centro hospitalar que atenda melhor suas necessidades. Para fazer as visitas, Celene ressaltou que é preciso que o município mais próximo deve ser o interlocutor para facilitar a ida da equipe ao local. Quando o grupo volta das expedições, é feito o relatório geral, desde as consultas que já foram resolvidas no 1º momento ou que precisarão de retorno e até os indicadores sociais da comunidade.

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Mais de 140 mil consultas em 1 década do programa
Conforme a coordenadora, o Saúde Itinerante foi idealizado em 1997, pelo então médico  e hoje governador do Estado, Tião Viana. Foram mais de 2 anos para o projeto adaptar algumas questões funcionais e partir para a prática. Somente em meados do ano 2000, através da emenda proposta no Senado, Celene conta que a iniciativa conseguiu recursos para arcar com os custos e enfim sair do papel.

Desde então, o programa já realizou 141.665 consultas até o começo deste mês (fora as que foram prestadas ontem, no presídio feminino). No restante dos serviços, foram 57.604 terapias (palestras, serviço social, atendimento de enfermagem e distribuição de kits bucais), 29.569 diagnósticos e mais 9.085 exames laboratoriais.

Superficialmente, podem parecer só números, vazios. Porém, ao se analisar o valor real é que se percebe que eles na verdade representam vidas. Vidas que foram ajudadas a melhorar o seu bem estar e/ou que foram poupadas de passar por males maiores na sua boa saúde. Nesse sentido, Celene Maia expressa a sua preocupação, e ao mesmo meta, é de conseguir cada vez mais oferecer um serviço de saúde qualitativo para aqueles que nem sequer têm a chance de ficar diante de um médico uma vez na vida.

“Estes resultados não são apenas números finalizados. Cada um é um caso específico e que exigiu diferentes graus da nossa atenção nas comunidades. Cada pessoa atendida é um caso em particular, com seu prontuário próprio e que é prestado conta ao Ministério da Saúde (MS). Portanto, nosso objetivo é seguir ampliando estes números, mas atentos a prestar os serviços certos, para as pessoas certas”, finaliza Celene Maia.     

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