Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Servidora pública é acusada de manter filha deficiente em cárcere

A técnica em enfermagem, Izanir Maria da Silva ama a profissão e tem o sonho de trabalhar com saúde mental. Por isso decidiu cursar Gestão em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Acre. Para custear as despesas do curso superior precisava de um trabalho. E encontrou. Foi contratada como cuidadora de uma idosa na casa de uma servidora pública municipal e enfermeira Recleides Lima Darub. As atividades rotineiras como técnica consistiam em administrar medicamentos via oral, medir pressão arterial, aplicar insulina e cuidar da alimentação da idosa.
Promotora1302
O que Izanir não previu era que iria se deparar com uma situação que a deixou sensibilizada a ponto de decidir formalizar uma denúncia na promotoria de Violência Doméstica e Familiar da Mulher. Uma moça, de 30 anos, seria mantida a maior parte do dia trancada em um quarto onde existem apenas uma pequena cama e um vaso sanitário. Ela foi avisada pela patroa de que a filha era deficiente, mas não imaginou que iria encontrá-la naquelas condições.

Depois de seis dias de trabalho, a técnica em enfermagem que vivia intensas crises de consciência devido à gravidade da situação, antes de pedir demissão resolveu registrar em seu celular as imagens que mostrou na tarde de sexta-feira (11) a um dos auxiliares da promotora Marcela Cristina Ozório, da Promotoria de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público do Estado (MPE). “Conversei com meus pais sobre o que via e um dia criei coragem e gravei o vídeo. Fiquei receosa de fazer a denúncia, mas como profissional de saúde não poderia me calar”, conta Izanir que fez a denúncia acompanhada do marido.

Segundo a promotora, há indícios de que a moça não recebe o atendimento adequado e a partir dos relatos de Izanir e da apresentação do vídeo, a promotora encaminha nesta segunda-feira à Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), as denúncias para que o caso seja apurado. A promotora Marcela Cristina explica que durante a investigação a delegada pode decidir por realizar busca e apreensão na residência. Izanir conta que a filha da servidora pública municipal Recleides Lima Darub, chefe do Departamento de Doenças Imunopreveníveis da Vigilância Epidemiológica Municipal, permanecia trancada no quarto durante toda a manhã até por volta de 11 horas quando a empregada doméstica da família a tirava do quarto, dava banho, vestia e alimentava.
Após o almoço, a empregada geralmente a colocava deitada no chão da sala. Segundo Izanir, que chegou a trabalhar em torno de 10 horas por dia na casa da servidora, este era o único momento do dia em que a moça saía do quarto e geralmente voltava quando a mãe chegava em casa para almoçar. “Ela ficava a maior parte do tempo sem roupas. No dia em que filmei, ela estava menstruada e os lençóis estavam todos sujos”, relatou à promotoria a técnica em enfermagem que contou ainda que o quarto exalava um malcheiro enorme, já que o vaso sanitário ficava a menos de um metro do colchão onde a moça dorme e havia urina também pelo chão.

OUTRO LADO
A reportagem do jornal A GAZETA foi até a casa da servidora, localizada no Conjunto Tropical, mas não pode fazer imagens. A moça estava deitada no chão da sala em estado bem diferente do apresentado no vídeo e descrito pela técnica em enfermagem. A própria mãe relatou que havia sido avisada por uma pessoa amiga no final da tarde de sexta que o caso seria publicado no jornal. Ela nega que a filha seja mantida trancada e argumenta que o fato de não haver móveis no quarto é para que a moça não se machuque porque, além de cega, devido a um glaucoma congênito, é deficiente auditiva e apresenta microcefalia. Recleides diz que “tudo o que podia fazer por ela já fez e que agora só resta cuidar” citando a fisioterapia e atendimento na Escola Dom Bosco. Reconhece que durante a semana não tem tempo de dar atenção para a filha, mas diz que é ela quem prepara e lhe oferece o jantar e fica com ela no fim de semana.

Ao ser questionada sobre a capacidade de entendimento da filha, a servidora diz que é nenhuma, mas se contradiz ao afirmar que a menina anda pela casa quando está com fome, sabe onde estão os potes de biscoito e se serve sozinha porque já conhece o ambiente. “Ela não é exatamente uma pessoa que possa ficar andando por aí”, diz Recleides contando que viajou com a filha para tratamento fora do Estado onde fez cirurgia cardíaca e oftalmológica. Ela afirma que o diagnóstico de S. indica uma síndrome adquirida pelo contágio de rubéola durante a gravidez.

A denúncia de Izanir não cita maus-tratos físicos, apenas cárcere e descaso. “Se vocês encontraram tudo limpo é porque ela foi avisada. Não é essa a realidade. Ela não tem contato com a menina e até grita com ela e não foi só um dia que a encontrei naquela situação. Foram todos os dias em que permaneci lá”. A empregada doméstica da família confirma que cuida da menina e que fica até o meio-dia contrariando a patroa que afirmou que a empregada ficava todo o dia. Na parte da tarde S. ficaria sozinha ou cuidada “por quem estiver em casa”. A técnica Izanir disse que na semana em que trabalhou no local ficam em casa na parte da tarde somente a mãe de Recleides de 90 anos e um outro filho da servidora que não manteve contato nenhum com a irmã deficiente.

A promotora de Violência Doméstica diz que, se comprovadas as denúncias, esta filha pode ser afastada da mãe e até ser enquadrada no Artigo 148 do Código Penal, que prevê penas no caso de privação de liberdade mediante seqüestro ou cárcere. “A Justiça pode avaliar a necessidade de aplicar medidas protetivas. Se as condições são estas ela não pode estar em convívio com a mãe”.

Sair da versão mobile