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O homem que deu a volta por cima

Em 13 de março de 1951 nasceu uma criança do sexo masculino, no bairro Bosque, à Rua Hugo Carneiro, nº 122. Era uma criança igual às outras, muito’ querida. Seu pai deu-Ihe um nome quase igual ao do primeiro filho, acredito que, achando ser ele o último porque, nestas alturas, ele já era o sétimo dos filhos vivos e o décimo do total de filhos. .
Sofria de uma asma danada. Papai e mamãe estavam sempre com ele em hospital, por ocasião das crises, que eram danadas de violentas, até que uma senhora ensinou um medicamento, uma mistura de remédios de mulher; porém ela advertiu papai de que a criança poderia ficar com algum defeito e, olhem, ele ficou curado da asma, mas ficou com um lado do peito mais alto que o outro.
Começou a estudar no Grupo Escolar Neutel Maia. Nesta época morávamos na nossa colônia onde hoje é o conjunto Procon, região da Vila Ivonete, lá criávamos gado e animais de pequeno porte, tudo dirigido por nossa mãe, porque, papai trabalhava na cidade e a turma toda dos irmãos estudavam no Neutel Maia. Iam e vinham a pé, ninguém reclamava, todos eram solidários e contentes porque havia união entre nós. Ninguém ficou frustrado, por isto.

Meu filhão de quem Ihes falo avançou a idade e foi morar com a irmã Zeli; foi quando começou a trabalhar em caminhão com o ex-marido da Zeli. logo aprendeu a dirigir, não sei se foi nessa época que tirou a carteira de motorista.

Na década de 70, papai vendeu a colônia para a Incorporadora Habitasa. Então a família veio toda morar no Bosque novamente.
Onde hoje é a praça Florêncio Mesquita, (nome de nosso avô) havia um campinho de futebol, local ,onde meu irmão sempre jogava umas peladas e foi numa delas que aconteceu o pior que transtornou sua vida. Numa queda ele torceu o pé. Como doía muito foi ao hospital. O médico engessou o pé mas as dores continuaram e muito fortes. Lembro que o papai meteu a faca e cortou o gesso, mas as dores continuavam.
Foi quando chegou o irmão Agamenon, do Rio de Janeiro, e disse: vou te levar comigo para o Rio; e levou mesmo. Não lembro se de ônibus ou de avião, lembro que quando chegaram lá, nossos tios Dico e Tonico foram muito bons para ele, arranjaram um hospital para o tratamento. Passou por uma infinidade de médicos e de exames.

Sempre, semanalmente, aparecia um médico diferente. Após várias pesquisas chegaram a conclusão de que em decorrência do gesso malfeito aqui no Acre por um ortopedista, a solução seria a amputação da perna porque a doença já estava acima do joelho; mas para isto os médicos precisavam da autorização da família. Agamenon, que pertencia a uma igreja evangélica, juntamente com os irmãos desta igreja não concordavam com a amputação. Diziam que só com as orações deles nosso irmão iria ficar curado. Por outro lado, nossos tios que também acompanhavam o problema entraram em contato com papai e mamãe colocando-os a par do problema e que precisavam da autorização deles.

Papai, mamãe e os irmãos autorizaram a amputação, só que até que isto acontecesse ainda passou bastante tempo, porque este meu irmão resistia em não concordar com o procedimento. Nesse espaço de tempo ele foi bastante aconselhado a fazer a amputação pois seria o melhor para ele, porque só assim ele ia ser curado, apenas não ia poder jogar bola como gostava, mas ia poder tocar a vida mesmo que de outra forma e que ele ia ganhar uma perna mecânica. Enfim ele concordou com a amputação de sua perna e a cirurgia foi realizada com sucesso. O pós-operatório porém, foi um período muito doloroso para ele.
Só ele mesmo pode descrever o que passou nesta fase tão difícil. Imaginem só como deve ser a pessoa sentir falta de um membro de seu corpo com o qual estava acostumado. Com certeza, foram dias de insônia e desespero, causados pela falta da perna. A outra parte da perna amputada ficou se choqueando e este meu irmão quase chegou ao ponto extremo, pois queria se jogar do andar onde estava pela janela, tal era seu desespero, mas Deus não permitiu que isto acontecesse, por isso hoje ele está conosco contando vitória.

Com o passar dos dias foi melhorando, melhorando e aos pouco acostumando com a situação; encontrou amigos que o visitavam e o aconselhavam muito ao ponto tal que ele sentiu aliviar o sofrimento. Já com a perna mecânica doada pelo hospital, matriculou-se numa escola em Jacarepaguá. Sempre tinha alguém que o levava a escola.

Resolveu voltar para Rio Branco. Aqui chegando começou logo a estudar; lembrou-se do hospital e do médico que engessara sua perna na época da queda. Queria mostrar ao profissional o resultado de médicos que não tratam seus pacientes com zelo; mas enfim, o que ele queria mesmo era dar umas porradas no médico como vingança. E isto só não aconteceu porque logo apaziguaram e ele voltou para casa.
Fez os supletivos, primeiro e segundo graus. Resolveu fazer o vestibular para um curso, mas foi aproveitado noutro, o de Geografia, que o completou com muitas dificuldades. Só depois de algum tempo arranjou carro que o permitiu deslocar-se com facilidade. Terminada a faculdade conseguiu emprego, fez curso de especialização e hoje vive muito bem graças a Deus. E um homem de destaque pelas ações em defesa do meio ambiente, mais precisamente do Rio Acre de quem é um árduo defensor. Já publicou oito livros e faz parte da Academia Acreana de Letras, feito que muitos gostariam de ter. Tem uma vida e um patrimônio invejável sem que nunca tenha pedido nada a nenhum de nós. Se alguém quis dar-Ihe alguma coisa foi porque quis fazê-Io não que ele pedisse.

É um deficiente físico? E, mas vive melhor do que muitos que são perfeitos. Seu defeito físico nunca lhe impediu de realizar seus sonhos, de ser alguém na vida. E um homem de fibra e exemplo, de coragem e trabalho.

Com o passar do tempo ele, até movido por seu bom coração ajudou algumas pessoas, não é verdade Zelinda, não é verdade Cícero?
Só -agora vou dizer o nome deste meu irmão. É o Claudemir, irmão do Claudionor. VOCÊ É AQUELE QUE DEU A VOLTA POR CIMA. Não foi porque perdeu uma perna que ia perder a dignidade, a moral, a honestidade, o seu caráter e os bons costumes.

Parabéns Claudemir, pelos seus 60 anos cheios de altos e baixos,mas que hoje estás feliz. Que Deus na sua bondade lhe abençoe sempre e lhe dê uma vida longa. Parabéns!

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