O anúncio do adiamento dos concursos públicos e nomeações de aprovados feito pelo governo federal no mês passado deixou em suspense diversos órgãos que dependem da contratação de novos servidores para avançarem em projetos importantes ou, simplesmente, conseguirem manter o seu ritmo de trabalho. Especialistas alertam que há risco de paralisação de setores da máquina pública, caso não haja uma flexibilização nas medidas de austeridade. Membros do governo afirmam, no entanto, que a postura é necessária nesse momento, mas que logo as seleções e admissões voltarão a ser realizadas.
A decisão do governo federal faz parte de um pacote de medidas elaborado em função do corte de R$50,7 bilhões no Orçamento da União em 2011. Todavia, à época do anúncio da reprogramação orçamentária, o Ministério do Planejamento sinalizou com a possibilidade de autorizar a realização de novos concursos em casos emergenciais.
De acordo com o diretor de Imprensa da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, a administração pública federal pode entrar em colapso, caso dure por muito tempo a suspensão da contratação de novos profissionais. “Se já tem deficiência nas ações do serviço público, se não houver novos concursos e a convocação dos aprovados, o risco é iminente de se parar a máquina. Esse risco está aí, rondando a porta do serviço público”, frisou.
A Condsef solicitou uma audiência com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, para discutir o adiamento das seleções e a posse de aprovados, assim como outras questões de interesse do serviço público, mas ainda não obteve resposta. “A nossa visão é de que o governo precisa voltar atrás dessa decisão, que foi equivocada. Ela não se justifica. Não se pode abrir mão da restruturação e da recomposição da força de trabalho do serviço público”, alertou. “Se deixar para fazer concurso somente no ano que vem, até fazer toda a seleção, ministrar o curso de formação, o pessoal só vai ingressar em 2013. Realizar os concursos este ano não implica em gastos imediatos. Os gastos somente virão quando o servidor ingressar”, salientou.
Planejamento estuda exceções
No momento, o Ministério do Planejamento (MPOG) realiza um extenso levantamento de todos os pedidos de concursos (já autorizados, a serem autorizados, autorizados e realizados, autorizados e não realizados) que tramitam no órgão. O objetivo é apontar possíveis exceções ao adiamento de seleções e nomeações de aprovados.
No último dia 17, o senador Wellington Dias (PT-PI) fez um apelo ao governo Dilma para que defina os concursos prioritários. “Então, qual é o pleito que estou fazendo? É que possa a presidente Dilma autorizar a ministra Miriam Belchior, do Planejamento, que está recebendo de todas as áreas informações sobre esses concursos e esses concursados, a estabelecer, a partir daí, o que é inadiável”, pediu, em discurso proferido no Plenário do Senado.
Na ocasião, o parlamentar sugeriu que a contagem do prazo de validade dos concursos já homologados seja paralisada, já que o governo determinou a suspensão das contratações. “Se há um concurso, que tem uma norma legal, todo um regramento legal, e ele estabelece que o prazo de validade será de um ou dois anos, prorrogável por tal período, no momento em que há um decreto desse suspendendo o chamamento, na minha opinião, congela-se o prazo de contagem do concurso. É uma tese simples.”
Expansão da rede do INSS requer concurso
O concurso para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é um dos cotados para ser exceção ao adiamento da realização de seleções este ano para o Executivo federal, segundo especialistas. A autarquia pediu 10 mil vagas (8 mil para técnico e 2 mil para analista) até 2014, sendo 2 mil para este ano. “É um caso emergencial, com certeza. Muitas agências já estão prontas, faltando apenas inaugurá-las. O nosso caso é emergencial, até porque nós atendemos 25 milhões de aposentados. Então, as agências precisam estar funcionando bem”, justificou o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), Paulo César Régis de Souza, em entrevista à FOLHA DIRIGIDA.
O argumento principal é a expansão da rede de atendimento do INSS, por meio da criação de 720 agências, que necessitarão da contratação de servidores para funcionarem plenamente.
Ademais, há necessidade de suprir o déficit de mais de 10 mil servidores, segundo a Anasps, e de se preparar para a grande vacância por aposentadoria, prevista para os próximos anos.
Banco Central precisa repor perdas
O Banco Central (BC) é outro que está em situação delicada. Exercendo papel de destaque na manutenção da estabilidade econômica do país nos últimos anos, o banco vem perdendo força de trabalho sistematicamente por motivo de aposentadoria, e a expectativa é de que 33% dos cerca de 4.700 servidores passem à inatividade até 2014. Com um quadro altamente técnico, o BC precisa se antecipar às perdas para garantir a transferência de conhecimento dos que estão de saída para os novos servidores.
O banco tem pedido em análise no Planejamento para a contratação de 250 remanescentes do último concurso para técnico e analista ainda este ano, e para concursos periódicos nos anos seguintes. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Sérgio Belsito, é imprescindível que as autorizações, tanto para as nomeações quanto para um novo concurso, sejam concedidas ainda este ano.
“Não podemos esperar. Ainda este ano, mais 700 servidores podem se aposentar. O Sinal está trabalhando, já mandamos uma carta para a ministra Miriam Belchior (do Planejamento) para que até mesmo a autorização de um novo concurso saia ainda este ano”, afirmou.
Segundo Belsito, o déficit de servidores prejudica não só as atividades desenvolvidas atualmente pelo BC, mas também a absorção de novas atribuições. “O BC hoje está selecionando o que pode fazer”, disse ele, citando ainda os Correios como exemplo do quanto a eficiência de um órgão público pode ser afetada pela falta de reposição de mão de obra.
Medidas são temporárias
Em evento da Previdência Social, realizado recentemente em Brasília, o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Moreira Franco, afirmou que as medidas anunciadas pelo governo são provisórias. “Não é permanente. E quando a situação econômica e financeira se estabilizar, se retoma (os concursos e nomeações).”
Moreira Franco disse que para que a situação volte à normalidade é necessário um esforço conjunto. “Nós todos temos que colaborar no sentido de cada um na sua área, no seu ministério, diminuir os gastos, para que rapidamente nós possamos recuperar a situação”, declarou o ministro, para quem o governo não tardará a realizar novamente os concursos e as nomeações.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, fez uma paralelo com o início do governo Lula, para mostrar que, assim como o seu antecessor, a presidenta Dilma Rousseff irá promover os investimentos na área de pessoal. “Quem esteve aqui em 2003, no governo Lula, sabe das decisões dele, e sabe como ele avançou no investimento. O governo da presidenta Dilma não será diferente em relação a esse fato.”
Tendo sido beneficiada pela política de concursos implementada no governo Lula, o que possibilitou ao órgão a realização de diversas seleções nos últimos anos para cargos como advogado da União e procurador federal, além de outros de nível superior, Adams disse acreditar que a própria AGU poderá continuar avançando no que diz respeito à composição de seus quadros.
“Eu tenho certeza disso. O Estado tem que responder à sociedade e, evidentemente, as respostas são dadas pelo serviço que nós prestamos. Então, eu acho que isso vai acontecer e o resultado tem sido bastante promissor.”
Apesar desse período de incerteza, muitos candidatos continuam estudando para a esfera federal. Exemplo disso é a candidata Ivanilda Guedes. “Eu tinha dado uma desanimada, mas percebi que não iria adiantar de nada ficar parada. Por isso, já retomei os estudos. Enquanto não sai uma decisão na área federal, eu vou fazendo as seleções de âmbito municipal e estadual.”
Segurança pública sofre com déficit de pessoal
Na área de Segurança Pública, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) precisam reforçar os seus quadros para fazer frente às demandas decorrentes dos grandes eventos que serão realizados no país nos próximos anos, em especial, a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. No caso da PF, a programação era de abertura, este ano, de 1.024 vagas em cargos policiais.
Devido à urgência na contratação de novos policiais, o objetivo do departamento era de realizar a formação de metade dos novos policiais ainda em 2011. Um dos motivos para se acelerar a realização dos concursos programados é o longo tempo de formação dos policiais. Na última seleção, aberta em 2009, para agente e escrivão, o tempo entre a autorização do concurso e a formatura dos novos policiais federais foi de um ano.
A PRF abriu também em 2009 seleção para a contratação de 750 policiais rodoviários federais em praticamente todo o país. O concurso está suspenso, em decorrência de descoberta de fraude nas provas objetivas, mas a expectativa é que seja retomado e concluído ainda este ano. O departamento tem sofrido com a falta de pessoal, o que tem levado, inclusive, ao fechamento de postos da PRF em diversas regiões.
Mas a falta de pessoal nos dois órgãos não compromete apenas a segurança dos grandes eventos que o país irá sediar. Tanto a PF quanto a PRF têm seu desempenho no cumprimento de suas atribuições rotineiras afetado pelo déficit no efetivo. De acordo com o diretor de Relações do Trabalho da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Francisco Carlos Sabino, somente nas delegacias de fronteiras há uma carência de cerca de 1.600 policiais, o que fragiliza o combate à entrada de drogas e armas no país, tido como uma das prioridades do governo Dilma Rousseff.
No caso da PRF, o prejuízo não é só à repressão ao tráfico de armas e drogas, mas também à fiscalização do trânsito nas rodovias federais. O departamento conta atualmente, segundo dados de dezembro do Ministério do Planejamento, com 9.216 policiais para cobrir os 66 mil quilômetros da malha rodoviária federal. E a escassez pode custar vidas. No Operação Carnaval 2011, apesar da PRF mobilizar praticamente todo o seu efetivo, foram registradas 213 mortes em 4.165 acidentes, o que fez deste o Carnaval mais violento desde 2003.
Além disso, ambos os departamentos necessitam de concursos para a sua área administrativa, sendo que o da PRF está, inclusive, inserido no contexto da substituição de terceirizados, cujo acordo entre a União e o Ministério Público do Trabalho deveria ter sido cumprido até o fim do ano passado.
Segundo o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, da qual faz parte, poderá contribuir para que concursos e nomeações para os dois departamentos possam acontecer mais rapidamente. “A maneira mais importante que a nossa comissão tem para contribuir é fazer um levantamento muito preciso e muito bem embasado das necessidades mais prementes dessas duas corporações, tão importantes para garantir a segurança no nosso país.”
O levantamento seria, então, entregue ao governo para que a PF e a PRF possam ser consideradas exceções à limitação anunciada pelo governo. De acordo com o deputado, em breve, a comissão deverá receber o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ocasião em que a preocupação com a situação das duas corporações poderá ser discutida. (Folha Dirigida)