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Morrer ou morrer, meu caro mestre!

Ontem, eu deixei anotado, bem aqui, que há mães descasadas e pusilânimes, maridos covardes, pais omissos e filhos tornados irresponsáveis por estes mesmos, os que são encarregados de bem lhes apontar o bom caminho. Hoje, tenho uma visão muito mais ampla do caos que se instalou nas escolas. É morrer ou morrer, meu caro professor! Se correr o aluno pega. Se ficar o sistema come.

Aí, em meio às suas tiradas sempre jocosas, alto e bom som, numa sala de professores, disse o bom Adriano Chocoroski que, brevemente, largará a carreira de mestre escola porque estaria, já, matriculado numa academia de luta livre, o que é menos perigoso, segundo ele. O rapaz chega, talvez, a metro e meio; um gigante de paladar aguçado.

Então, o outro, o Supervisor, um amigo de mil anedotas, foi mais longe e tascou:

– Professor tem mesmo é que ir para a academia malhar e ganhar músculos e, depois, dirigir-se ao Bento XVI, o Papa, para pedir porte de arma. Ele é sensível. Garanto que dará!

Pilhérias à parte, reflito, agora, sobre as nossas tragédias cotidianas.

Em Belo Horizonte, um estudante processou uma escola… E fez o mesmo também com o professor que lhe auferiu notas baixas. Alegou que houvera sofrido danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova. Note bem, minha senhora. O alegado dano moral do estudante foi ter que… estudar!

E é exatamente desse jeito. Pelo Brasil afora, as ameaças são constantes. Agora por último, uma professora foi brutalmente espancada por um aluno.

Todavia, a escalada macabra teve o seu clímax. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com a vida, com o seu futuro, com o futuro da esposa e filhas e com as lágrimas eternas da mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.

Agora, entra em cena o professor ultrapassado. Exatamente eu.

Afirmo-lhe, minha senhora, sem medo do aluno ou do sistema, que há uma lógica perversa por trás dessa trágica escalada. Estão vendendo, a preço de banana  –  de dinamite  –  a promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade. Tudo em nome de uma convivência supostamente democrática.

Cabem, aqui, os agradecimentos pelas obsequiosas informações e dados históricos que me foram passados pelo eminente advogado Igor Pantuzza Wildmann, Doutor em Direito e professor universitário.

Tudo tem uma raiz histórica fincada, em maio de 1968, em Paris. Gritava-se nas ruas que era proibido proibir. Depois, veio a geração do não bate, que traumatiza… E a coisa continuou: não reprove, que atrapalha. Não dê provas difíceis, pois temos que respeitar o perfil dos nossos alunos. Prova não prova nada. Deixe o aluno construir o seu conhecimento. Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, é o aluno quem vai avaliar o professor. Afinal de contas, ele está pagando.

E, como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral, epidêmica, travestida de novo paradigma, prosseguiu a todo vapor, em vários setores. O bandido é vítima da sociedade. Temos que mudar tudo isso que está aí. Mais importante que ter conhecimento é ser crítico. E assim por diante…

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino. Agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno tornado cliente. Estamos criando gerações em que uma parcela considerável dos nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que o mundo lhes deve algo.

Um desses jovens, revoltado com as suas notas baixas, cravou uma faca de dezoito centímetros de lâmina bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar. Ao assassino, corretamente, deverá ser concedido tudo o que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado a pena maior que a prevista em lei, e por aí afora.

O Doutor Igor Pantuzza faz referências e acusações a uns tantos que estão por trás do cabo da faca que mata professores como o Kássio Vinícius. Incluam-se, aí, os agentes da pedagogia ideologizada que relativiza tudo e todos equiparando o certo ao errado, e vice-versa, sem uma única diferença. No mesmo rol estão os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a revolta dos oprimidos e transformam em vítimas os assassinos escondidos por trás do manto da mediocridade geral. Também pesam culpas nos ombros dos burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para cometer crimes em outras escolas.

Pensemos, então, nos últimos tantos ministros da Educação que, em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente obtusos, frequentados por alunos igualmente sem condições de ali estar.

Da mesma forma, é preciso apontar a lógica doentia do aluno-cliente, cada vez menos exigido e mais paparicado e enganado. Pior é que eles fingem que não sabem que a escola que tanto lhes afaga dá mais valor ao boleto quitado que à sua felicidade futura. Estas empresas são encarregadas de jamais reprovarem os seus alunos. A real finalidade é, sim, formar analfabetos funcionais usados unicamente para maquiar estatísticas e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu tantos por cento.

E também há os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o educando que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, o que é uma pena, pois temos chegado a um tempo em que o aluno tem direito de se tornar médico ou engenheiro sem sequer saber escrever, tudo para o desespero dos seus futuros clientes-cobaia.

Faz-se urgentemente necessário discutir, em colegiado de intelectuais reais e capazes, esse tal novo paradigma. Em concreto, o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da vergonha na cara, do acatamento às normas e à autoridade. Convém, já, o respeito ao meio universitário enquanto locus onde se busca o conhecimento verdadeiro.

Promover a ordem em sala de aula, por exemplo, não é ser careta. O respeito às normas não é coisa de velho decrépito. Os métodos de avaliação tornaram vendilhões do templo a maioria que compra e vende votos (nas defesas de teses) em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis.

Pior é notar que os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos são os mesmos que se gabam por colarem nas provas aplicadas por professores que, vendo a atitude corrupta, não têm coragem de lhes aplicar a devida punição.

Irmãs minhas. Aqui em casa o coro come porque tenho três rebentos varões e porque a verve filosófica vê uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos-clientes. E estes taizinhos serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções da vida.
E aí, entorpecidos nos seus delí-rios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de ‘o outro’.

Segundo o Doutor Igor Pan-tuzza, essa infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto.

– Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima.  
Esse filho de papai palerma é a eterna vítima. O opressor é você, professor, que trabalha, paga as suas contas em dia e vive a sua vida.    Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.

O professor Kássio Vinícius não será o próximo. Ele já se foi. Por isto, é hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor nova cultura de paz que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.

* José Cláudio Mota Porfiro é escritor.

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