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Já não se fazem mais açougueiros como antigamente

17h e 15 min

A placa dizia: “Açougue Berrante Dourado”. Parei adiante. Olhei. Gostei. Adentrei.
Eu: – Bom dia companheiro!
Açougueiro: Bom dia! Em que posso servi-lo?
Eu: Um quilo de alcatra no capricho por favor!
Uma afiada rápida na faca. Cinco pinceladas na chaira, uma facada certeira. Joga a peça na balança, totalizando um minuto e cinqüenta e oito segundos de atendimento.
A balança mostra 1 quilo e 100 gramas.
Eu: – Pedi um quilo, mas tudo bem.
Açougueiro: – R$ 14,25 senhor. – Pode passar no caixa. – Boa tarde!
Eu: – Boa tarde!

17h e 54 min

Finalmente cheguei em casa! Um beijo na esposa. Tira os sapatos. Liga a TV. Tudo sincronizado. Parece que tem um piloto automático. Enquanto o noticiário aponta acusados e suspeitos e a celebridade do momento, a esposa queixa de uma incessante dor de ouvido que a persegue há uns dois ou três dias, não sabe ao certo. A dor é intermitente e suportável.

00h e 00 min

Na cama, a mulher vira de um lado, vira do outro. Não consegue dormir. A dor continua intermitente, porém não mais tão suportável. Um líquido amarelo, mucopurulento e malcheiroso começa a escorrer constantemente. O inchaço é notável. Começo a me preocupar. A esposa em prantos clama por algo que alivie aquela dor. 30 gotas de dipirona e leva pra ela beber. O alívio é temporário.

01h e 30 min

Coloca uma bermuda, calça chinelos mesmo e corre pra rua em busca de alguma farmácia aberta. No caminho me vinha em meus pensamentos as aulas da academia da faculdade de veterinária: Eu: – Otite externa. Provavelmente já evoluiu para otite média. Se não tratada há tempo pode virar otite interna.

07h e 00 min

Eu: – A noite foi longa, melhor ir ao médico.

09h e 00min

A placa dizia: “Pronto-Socorro”. Parei adiante. Olhei. Parece que gostei. Desconfiado adentrei.

Dirigimos-nos ao balcão de informações. Eu: – Bom dia Senhora… Atendente:- (na lata) Atendimento ali (Apontando com o dedo)! Eu: – Senhora… Atendente: – aguarde na fila, pegue a senha e espera a vez. Próximo!
Dirigimos-nos ao atendimento.

09h 45 min

Atendente: – Próximo! Era nossa vez. Esposa: – Bom dia Senhora… Atendente:- (na lata) Identidade e endereço. – Pegue a senha e aguarde a vez. – Próximo!

12h e 00 min

Deu Fome!

13h e 00 min

Mais um paciente desmaia na fila de espera e tantos outros agonizam.

15h e 30min

Enquanto meu lado crítico de analista social fazia um raio “x” de cada ser vivo ali presente, alguns tão próximos da morte já quase ausentes, eis que uma voz fúnebre ecoa no ambiente. Vinha da caixa de som. Sim era nossa vez. Surge então uma enfermeira com um calhamaço de fichas de papel na mão, chamou de uma única vez uns cinco ou seis nomes, e ordenou que os recrutados fizessem uma fila (sim outra fila!) e os posicionaram de frente para um ambulatório. Enfim, estavam a um passo do ambulatório. O militarismo da saúde pública brasileira funciona assim: A recepcionista do hospital manda e o paciente obedece. A enfermeira manda e o paciente obedece. O paciente morre e o médico assina o atestado de óbito. Mas isso é uma outra história.

15h e 35min

Chegada a grande hora, enfim ela seria atendida. Eu ansioso aguardava do lado de fora.
Doutora: – Próximo! Paciente(Esposa): -Bom dia doutora…!? Doutora: (na lata) O que você tem?
Paciente: Meu ouvido… (Abruptamente interrompida) Doutora: (Rabiscando por alguns segundos um papel) – Próximo!!  Paciente (Esposa): Mas doutora… Doutora: Você já foi atendida! Próximo!

15h 37 min

Lá vinha minha esposa com olhos embotados em lágrimas. A dor da indignação sobressaia ao padecimento da infecção.
Peguei o papel que ela trazia em mãos. Na anamnese escreveu a doutora: “Sente dor de ouvido faz (sic) muito tempo”. Na prescrição do tratamento escreveu a doutora: “Dicorfenaco (sic)” .

Os dizeres “Sente dor de ouvido faz muito tempo” foram por conta da doutora, aliás, não ouve diálogo e sim dois curtos monólogos. O “Dicorfenaco”, creio eu, deve ser a versão caipira do Diclofenaco Sódico, antiinflamatório popularmente conhecido pelo nome comercial CATAFLAN. Inocente resolvi pesquisar. Precisava ter certeza. As “piula” versão country da dotôra, os “tar” “Dicorfenaco” ainda não constam nos compêndios famacêuticos de nosso planeta.

A doutora se esqueceu (será que esqueceu ou não sabia?) de perguntar se a paciente era portadora de algum distúrbio gástrico, o que é imprescindível quando se prescreve Diclofenaco, uma vez que tal droga é agressiva ao estômago e totalmente contra-indicada a pacientes portadores de gastrite ou úlcera gástrica. O que era o caso.

15h e 35 min

Atravessamos a avenida e nos dirigimos à farmácia mais próxima. Antes, um telefone para um médico da família que reside em outro Estado.

15h e 50 min

Uma consulta via telefone. Agora sim vamos comprar os medicamentos. A balconista da farmácia ainda deu uns palpites.

15h e 55 min

Ao lado da farmácia havia um açougue.
A placa dizia: “Contrata-se um açougueiro com experiência”.
Lembrei da doutora.
Já não se fazem mais açougueiros como antigamente.

 

Crônica escrita por Pedro Gustavo Faria Nunes.

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