Desencalhar a reforma política é missão urgente do Congresso Nacional. A sociedade reclama mudanças. Os políticos concordam, em rara unanimidade. Todos querem. Só que a reforma política não acontece. Essa inércia segue minando a credibilidade dos políticos, enfraquecendo os partidos e fragilizando a nossa democracia.
Para desencalhar a reforma, devemos mudar a legislação eleitoral sem mexer na Constituição, o que seria difícil e demorado. Mesmo assuntos polêmicos podem ser resolvidos apenas com aprovação de novas leis. Pode ser rápida e de qualidade.
Destaco alguns pontos: o sistema eleitoral, o fim das coligações partidárias em eleições proporcionais, a fidelidade partidária e o financiamento de campanhas.
O sistema eleitoral proporcional é uma conquista democrática da nação. O Império adotava o voto distrital para eleger deputados gerais, hoje federais. Tal sistema vigorou até a década de 1930. Essa experiência histórica quase não aparece no debate político, onde se costuma citar o voto distrital como sinônimo de modernidade. Não é.
O modelo mais atrasado de voto distrital ressurge na proposta do chamado “distritão”. Cada estado seria um “distritão”, elegendo deputados por votação majoritária. A proposta tem apelo fácil, para não dizer desleal. O “distritão” só agravaria a desvalorização dos partidos e dos votos dados a candidatos não eleitos, deixando minorias alijadas da representação parlamentar, ou até a maioria do eleitorado, pois é possível a soma dos votos de todos os candidatos não eleitos ser maior que a soma dos votos dos eleitos. O sistema proporcional valoriza o eleitor individual e coletivamente: leva em conta a representação pela média, o que amplia a representatividade dos eleitos pela capacidade de a legenda influir no resultado.
Pela legislação, só elegem deputados os partidos ou coligações que alcançarem o quociente eleitoral, que é a divisão de todos os votos válidos pelo número de vagas em disputa. Por exemplo: se um estado tem um milhão de eleitores e dez cadeiras de deputado, o quociente eleitoral seria de 100 mil votos. Se um candidato sozinho receber 90 mil votos, mas seu partido ou coligação não alcançar os 100 mil votos, ele não entra nem na disputa, é como se perdesse por WO. A distorção confunde e contribui para desacreditar o sistema. Para corrigir o problema, basta suprimir o parágrafo segundo, do artigo 109 do Código Eleitoral, que afirma que “só poderão concorrer à distribuição dos lugares [vagas] os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”.
Essa mudança garante aos partidos a possibilidade de eleger deputados pela média de votos. O quociente eleitoral fica mantido para garantir a justa proporcionalidade do voto de cada eleitor e do conjunto do eleitorado. Mas deixa de ser uma barreira que exclui votações expressivas em privilegio das “sobras eleitorais” dos partidos ou coligações que alcançam o quociente. O voto proporcional sem a barreira do quociente valoriza o eleitor e as instituições políticas.
A fidelidade partidária é burlada em toda esquina de interesses. Não pode haver partido forte com quadros fracos, sobretudo fracos de caráter, impressão que fica com o troca-troca de siglas em vésperas ou depois de cada eleição. A exigência de no mínimo um ano de filiação para candidatos é correta. Falta uma lei clara sobre a manutenção dos mandatos com os partidos no caso de saída dos seus titulares, para evitar que essas questões políticas cheguem à Justiça. Aqui, o fim das coligações nas eleições proporcionais também é necessário para pôr fim às dúvidas de direito de suplência.
O financiamento público de campanhas é defendido por limitar a influência do poder econômico nas eleições e combatido por transferir mais recursos do erário para fins políticos. Acredito numa medida mitigadora e eficiente. O financiamento de campanha continua misto, mesmo porque o mais caro, que é o tempo de rádio e televisão, já é gratuito para os partidos, mas custa ao contribuinte compensações fiscais milionárias.
Hoje os candidatos declaram à Justiça Eleitoral quanto planejam gastar. A proposta é criar um teto único de gastos para candidatos ao mesmo cargo. A lei estabelece as regras e a Justiça Eleitoral regula os valores, considerando a realidade de cada estado. O limite não assegura a igualdade de gastos entre candidatos, mas evita a desproporção absurda entre orçamentos de concorrentes e gera mais equilíbrio nas disputas.
São medidas essenciais para o melhor funcionamento do país, que podem ser adotadas sem tocar na Constituição. Assim, a reforma política vai acontecer.
* JORGE VIANA é senador (PT/AC) e membro da Comissão da Reforma Política do Senado Federal.
Artigo publicado no Jornal O GLOBO do dia 1º de abril de 2010