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Gênesis desvairada

A senhorita Chamberlain é do tipo pobretona mimada. Chorosa. Reclama da vida que Deus não lhe deu porque teria se arrependido da graça. Ele, logo Ele. Cheia de não me toques, está sempre numa pose premeditadamente estudada para as ocasiões mais diferentes e fúteis possíveis. Continua, todas as vezes, disposta a lacrimejar torrencialmente vestida de preto em velório de cachorro. E, depois do féretro, não a chamem para uma noitada porque, por baixo dos panos, a alma regurgita e a libido dá uivos de alegria.

Este comportamento diferenciado tem por base uma gênese desvairada ou uma formação de caráter bem aos moldes destes tempos sitiados pelo dinheiro, em que o oportunismo, para muitos, é uma das virtudes teologais.

A senhora Francisca dos Prazeres, minha leitora dominical desde uns decênios, enviou-me correspondência eletrônica tratando sobre o velho marido ainda supimpa que, só agora, depois da sexagésima volta ao redor do sol, põe à mostra sérios desvios na formação do caráter velho sem vergonha.

É por isso que estou aqui vivendo este momento lindo. Ela me solicitou uma análise psicológica acurada de um psicólogo como eu, sem lenço, sem documento, sem diploma, mas sempre com muita vontade de meter o bedelho até onde não sou chamado, dando corda e sugestões bem ou mal intencionadas nas vidas alheias que me satisfazem torná-las públicas… Então.

Sabe quando o Aristóteles escreve que o homem prudente não diz tudo quanto pensa, mas pensa tudo quanto diz? Hoje, eu não advogo nem em favor de mim mesmo. Na mão direita, empunho a vara curta com a qual costumo cutucar o cão. Na esquerda, porto o velho martelo tonitruante com a maior vontade de bater na cabeça de alguém, isto, é claro, em termos metafóricos e sem violência.

Pensemos, pois, minhas senhoras, naquele homo erectus que vê o mundo desandar barranco abaixo e coloca a culpa dos seus deslizes sempre em alguém que está, ali, imediatamente abaixo dele na escala social, como a doméstica que tem culpa pelo feijão que queimou e, por extensão, pela ereção que despencou. A culpa é sempre dos outros.

Um outro banana podre  –  Juninho Ressaca  –  vem a mim e confessa completamente decepcionado  –  abestalhado e com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar  –  já culpando as voltas que o mundo dá às vezes tão rápidas quanto o carrossel do Albert Stein:

 – Eu não me dei bem na vida por culpa dos meus professores, dos meus pais e do sistema.

Ora, irmão vagabundo! Como bem prega por aí o Mister Microsoft, a vida é dura e você deve se acostumar a isto desde a mais tenra infância e indo ter na mais burra adolescência. Os professores não apenas ensinam o que deve ser ensinado, mas vão adiante e dão muitas pistas sobre como abrir os braços na hora em que o dragão da fome te quiser devorar. Os teus pais, de início, pagaram um colégio de bacana e, depois, fizeram a tua matrícula na escola pública, onde você não foi além do primeiro ano do ensino médio; isto, sem contar as despesas enormes que tu deste com os pagamentos à Unimed em vista das ressacas homéricas e esfumaçadas aos dezesseis anos. E mais: o sistema é como a firma do teu avô, uma vez que, hoje, em vista da quebradeira dos incompetentes, só se pode dar emprego para quem realmente sabe o que faz e onde tem o nariz, o que não é exatamente o teu caso. Quo vadis, frateli! Onde ides, irmão!

Jogar a culpa do fracasso nos outros é como ter inveja de quem nunca vimos. É desvio de personalidade.

Oportuno é observar que, mais uma vez, estão copiando apenas os maus exemplos dos americanos. Os filhos dos ricos de Beverly Hills, por terem tantos dólares para gastar, acabam se apegando a devaneios imbecis e se envolvem com drogas, quando a saída mais coerente seria terem morrido quando crianças e hoje não ficariam a dar exemplos tão grotescos depois que a cabeça mínima passou a dirigir corpos pútridos pelo uso de anfetaminas e venenos próprios dos idiotas cheios de dinheiro no bolso e merda na mente.

E vejo a Oprah Winfrey trazer a turminha da Senhora Diana Rossi ao programa. São negros, sim, mas todos muito felizes, saudáveis e equilibrados. Antes, apareceram entre dez ou doze famílias riquíssimas do show buzines americano, formadas por legítimos e bastardos corroídos pelos vícios mais desprezíveis que têm contaminado a sociedade que um dia teve a economia mais pujante do mundo. Uma porcaria.
A grande maioria dos biliardários que são apresentados no show da Oprah demonstra estar em tratamento ou sofrem as seqüelas da deformação do caráter a partir da gênese. Como diria o nosso Monteiro Lobato, são frutos podres a partir do nascedouro.

Certo é que temos apodrecido vertiginosamente e já quase desabamos do galho feito fruta bichada.

Vem-me à memória, então, aquele sujeito que sonha com a pergunta do recenseamento:

– O senhor é casado ou solteiro?

Ao que ele sonha um dia poder responder:

– Não. Eu sou viuúúúvo!  –  Com grande ênfase, é claro, como todo imbecil que preze a sua imbecilidade.

De volta ao mundo dos reais, ele agora pensa detidamente pela terceira vez na vida de sessentão: na verdade, eu até gostaria de ser viúvo, mas tenho medo de ser largado pela esposa que me sustenta com o gordo salário de funcionária pública federal aposentada. Se ela lesse os meus pensamentos, poderia partir para uma troca compensatória. Colocaria em meu lugar, já no posto de marido, um barrigudinho elástico, fascinante, sublime e cheio de amor para dar em lascivos quartos de puteiros caros estilo Motel Glamour.

Eis, mais uma vez, um exemplo de baixa virilidade e debilidade na formação de um caráter canalha.

Em sonho acordado, ontem mesmo eu vi mais de um aluno pulha, uns quatro, mais ou menos, com cerca de vinte anos. Eles batiam na porta entreaberta da sala e gritavam para a professorinha atarracada e escondida por trás de uma mesa rota:

– Ei baixinha! Ei gordinha!

E depois saíram em desabada carreira pelo corredor afora como se a professora fosse se importar com mais essa ação de um bullying praticado todos os dias contra os que tentam dar boas aulas.
É, minhas senhoras. O bullying ocorre, hoje, principalmente, contra professores sem músculos e sem reação ou ereção, como a grande maio-ria dos que conheço.

Os caras de 20 anos querem provar ao mundo que, na realidade, são apenas infantes imbecis em corpos de adultos. Os professores pouco reclamam porque têm medo de perder os empregos irrisórios que lhes garantem salários medíocres muito abaixo dos que são pagos à polícia que mais degenera que regenera.

Em vista de fatos como estes e notando que os meus músculos cinqüentões já não são tão protuberantes, disse outro dia a uns iniciantes na profissão-fardo que é tolerar filhos obtusos de famílias sem rumo:
– Irmãos, professores! Ide ao Senac e procurem fazer cursos de vendedores, de programadores de computação, de técnicos em enfermagem, de animadores culturais, dentre outros, e vereis que o salário que lhes garante essa vidinha raquítica de professor apequenado ante o sistema é irrisório e pode lhes custar a vida ao preço de mil e seiscentos reais. Qualquer aprendiz do sistema “S”, de início, já ganha algo em torno de dois mil reais, sem nenhum exagero. Vede vós que além do arco-íris há os que buscam e encontram a verdadeira felicidade fora da clausura que são as salas de aulas, lotadas de alunos pornográficos e desestruturados psicologicamente.

Agora, viajando… Eu ainda sou novo, mas não pedi pra nascer. Por isto asseguro-vos, minhas senhoras, que à humanidade está faltando, contraditoriamente, a moderação que finda por ser o reconhecimento da nossa própria fraqueza ou mediocridade. Ou, trocando em miúdos, nós carecemos de prudência para que desconfiemos muito mais de nós próprios do que dos outros.

É curioso observar que quase todos os homens que valem muito têm maneiras simples, e que quase sempre as maneiras simples são vistas como indício de pouco valor. Marco Aurélio, o imperador romano, na conclusão do texto de um édito, deixou anotado um ensinamento bastante esclarecedor no que tange às relações humanas sempre tão bruscas. Segundo ele, o cavalo que faz a corrida, a abelha que faz o mel e o homem que faz o bem, não fazem alarde disto, mas passam a fazer outras ações do mesmo gênero.

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