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Sindicato de conspiradores

Jamais pensei. Não quero, nem de longe, aventar a possibilidade de fazer qualquer comentário que seja relativo ao Sindicato do crime, livro do jornalista Percival de Souza. Se bem que, com algum ou nenhum exagero, aqui há crime sim, senhoras!

É preferível, antes, ir ao dicionário e anotar em bom papel eletrônico que conspiração é conluio, cabala, conjuração. É, genericamente, a reunião de indivíduos, ou de grupos de indiví-duos, com a intenção premeditada de tramar contra alguém ou contra uma outra classe ou categoria.

Depois, é a vez de buscar na tradição judaico-cristã um adágio antiqüíssimo segundo o qual o ser humano comete muito mais traições por fraqueza do que em consequência de um forte desejo de trair. Então, atualizando a contribuição emanada do ensinamento acima, observo que, conforme os brasileiros mais jocosos, trair e coçar é só começar.

Ora, pois! Nós traímos por pusilanimidade e por covardia, certamente, todavia essa vontade atávica de enganar aos demais poderia e até deveria ser combatida e evitada pelas almas mais nobres, como alguns o fizeram alhures.

Hoje, minhas irmãs, a traição germina e viceja em todas as instâncias sociais porque se gosta muito mais de dinheiro que do irmão que está logo ali ao lado sofrendo as dores da injustiça. Uma lástima.

E ontem mesmo eu os vi na esquina da tristeza, no centro do meu povoado. Eles não ergueram as vistas, mas ficaram cabisbaixos à minha passagem. Uma dezena de passos adiante, voltei os olhos para trás e, furtivamente, eles já me olhavam, desconfiados e temerosos em vista da faca amolada, da fé cega e do martelo toni-truante que, feito ácido sulfúrico, derretem os injustos, mas rejubilam a minha alma sempre viril e eternamente à caça dos agentes da injustiça. Como dizia o meu pai, os traiçoeiros são sempre desconfiados. Ele tinha razão… E como tinha!

Lembro às senhoras, então, a existência bizarra de um certo sindicato dos professores licenciados do Acre, o Sinplac, todo empavonado e cheio de glamour. Todavia, antes da mera lembrança se tornar pesadelo, e já em busca de uma lógica teórica socialista, asseguro-vos que o patrão  –  o superior vigilante do poder  –  quase chega a ter razão quando esquece de promover a ascensão funcional do empregado, o que poderá significar dinheiro a menos no caixa ou na conta bancária da firma. O servidor, empregado ralé, é que não deverá deixar de lembrar que pode usufruir de vantagens. E haverá de fazer cobranças, mesmo em vista das procuradorias do Estado que buscam jogar até contra os preceitos modernos da Vara da Fazenda Pública.

O Governo do Estado do Acre, inclusive, também quase legitima prerrogativas que viriam em benefício dos servidores públicos  –   notadamente, os professores, esses seres humanos que se enclausuram em salas de aula superlotadas por toda uma vida  –  mas não o fez. Preferiu deixar de lado direitos inalienáveis, como a justa medida na progressão funcional dos contratados ainda nos anos 80. É concebível? Já não sei. Mas estou certo de que os votos, muito malcriados, só respondem às urnas.

Inadmissível, entretanto, é o sindicato dos professores licenciados –  que dão aulas neste chão batido desde épocas heróicas – deixar de lado, jogar na bacia das almas, trancar no cofre e atirar no rio as chaves deste, o documento que traria a medida certa para a resolução da contenda, uma vez que o que está em jogo são interesses e direitos legítimos, líquidos e certos.

Onde está o re-enquadramento dos professores? Para qual dos mundos ele viajou? Em que órbita ele está a navegar?

Não. Ele não está na Assembléia Legislativa. Ele não está na Secretaria de Educação. Também não está com o historiador Nepomuceno. Muito menos com o Sinplac. Certo é que alguém o enfiou não sei onde e agora não consegue retirá-lo do buraco em que o meteu.

O Sindicato, apaniguado do Governo e com o rabinho frufru saltitante entre as pernas, deixou que os prazos fossem prescritos e uma legião de bem intencionados fundadores do PT, como eu, teve prejuízos extremamente significativos que, no mais das vezes, significam dez ou quinze anos de serviços bem prestados e nunca reconhecidos na sua exata medida. Qual foi a intenção dos dirigentes do sindicato ao esconderem o documento até que os prazos prescrevessem? Mancomunar-se a um patrão que, por certo, nem precisava enganar as vítimas da hora. E olhe que podem chegar a dois mil ludibriados!
Afianço-vos que jamais um Bocalom da vida teria o meu voto. O sindicato dele é outro. Mas o frio que quase congela a barriga dos nossos dirigentes petistas ocorreu por conta dessas traiçõezinhas cotidianas, que findaram por levar famílias e mais famílias a se tomarem de ódio por um partido que nos alimentou de tantas promessas de justiça e igualdade de oportunidades, e agora se faz elite manipuladora do poder contra os menores. Eles não mentiram, talvez, mas se omitiram ante a injustiça e enganaram toda uma geração de trabalhadores que, antes, foi para as ruas gritar em defesa da formação do grande Partido dos Trabalhadores.

Minhas comadres de Deus. O José Augusto Nascimento Ferraz – por exemplo  –  irá se aposentar, com certeza, mas quererá curtir as últimas épocas da vida ganhando o seu salário no nível mais elevado, afinal ele passou trinta e cinco anos trabalhando duro nas salas de aula e nas intoleráveis reuniões com coordenadores cheios de teorias e magros de práticas. Então, para que ele consiga chegar ao último estágio na sua progressão funcional, a letra J, já deverá ter alcançado setenta primaveras entre reumatismos e cãibras. Já estará se arrastando, certamente, e talvez nem mais consiga subir as escadas das escolas e muito menos de um sistema que jamais lhe renderá homenagem alguma.

A belíssima Antonieta Melo formou-se em Pedagogia no final dos anos 70, pela Ufac. Em 1978, fez-se professora do quadro do Estado e, cinco anos mais tarde, convidaram-na e a nomearam especialista em educação através de portaria. Passaram-se os anos e ela ainda hoje não está aposentada em vista dos desmandos não assumidos pela SEC e pelos sindicalistas. Segundo ela, os contratados entre os anos de 78 a 85 ou 86 jamais chegarão à última letra.

Fico pensando no meu lastimável estado também por esta época, já que somos praticamente da mesma idade. Como estarei? Terei ido quantas vezes às delegacias de polícia registrar boletins de ocorrência, em vista das ações de alunos vândalos psicologicamente desestruturados e semi analfabetos no terceiro ano do ensino médio? Ou já terei o meu porte de arma concedido pelo Bento XVI?

E nenhum político, procurador ou sindicalista de meia tigela observou a extenuação da qualidade do ensino a ser transmitido por um ancião septuagenário numa sala de aula tomada por rapazes e moças hostis, pornográficos e descompromissados para consigo próprios ou para com os seus pais covardes e obtusos.

Se o bom Walter Prado ainda é um delegado sensível e comprometido com os justos, deveria perguntar sobre onde está o tal re-enquadramento, se é que ele existe. Este documento, certamente, faria justiça a toda uma geração que lutou e não fugiu com medo quando o pau quebrou.

Quem dentre os nossos caríssimos deputados estaduais ou federais poderia empunhar mais essa bandeira de luta? Quem é que ainda não foi cooptado pela máquina sempre cheia de razão quando o objetivo é destratar ou desprestigiar o combalido professor eternamente culpado pelo atraso da Nação?

Mexeram no Plano de Cargos e Carreira duas vezes em 1999. Hoje a última letra é a J. A puladinha  –  como são chamadas as fases da progressão funcional  –  que era feita a cada sete anos (Pasmem!) ficou agora em três, o que continua a ser uma merreca porque no serviço público federal ela ocorre a cada dezoito meses. Então, quem entrou na profissão no início dos anos 80, como eu, perdeu parte da vida e foi enganado por normas que desumanizam as relações entre o poder e os reles comedores de giz. Se forem feitas as contas, verei que ainda estou engatinhando na carreira, apesar de vinte e oito anos de serviço prestado e cinco ponto quatro de idade. Chegarei ao inferno, mas não alcançarei a letra J.

É preciso fazer justiça, minhas senhoras. O Sindicato não se mexeu porque divide os aplausos dos poderosos com os ex-pelegos que, antes, como eu, iam à praça pública para dizer a todos que o nosso grande partido dos trabalhadores chegaria ao poder para operar em favor dos justos que hoje apanham.

Os sicários dirigentes sindicais pensaram estar agradando o Governo do PT. Enganaram-se. Esconder o re-enquadramento dos professores foi um erro e não apenas uma mera bajulação, porque milhares de votos vão sendo subtraídos, a cada eleição, pelos que sofreram e sofrem com os desmandos e as incongruências dos dois lados.

Asseguro-vos que a grande maioria dos que me lêem é formada por cidadãs de alta idade, conforme sondagem brusca feita pelo meu irmão mais velho, o Marcos, procurador federal aposentado. Por isto, as trato por senhoras e lhes deixo registrado que o homem traído uma vez pode ouvir dos lábios da mulher um juramento de alma, animado com a santa inocência de um anjo, mas nunca mais lhe franqueará o coração, onde goteja o sangue de uma chaga incurável. Agora, releia!

* José Cláudio Mota Porfiro é escritor sem vínculo e sem esperança: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br

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