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Podem me prender, podem me bater: Canção de Protesto

*Shelton Lima de Souza
 
 No momento em que a discussão sobre a abertura dos cofres da ditadura de 64 se torna cada vez mais presente nas rodas acadêmicas e não acadêmicas do Brasil, surge no meio cultural acriano o livro Foi meio assim: a canção de protesto, de Milton Francisco, professor de Língua Portuguesa e Linguística da Universidade Federal do Acre. Trata-se de um livro financiado pelo Governo do Acre, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, edital de 2010, e que contou com o apoio da empresa Agroboi – Material de Construção.

 O livro foi distribuído gratuitamente às universidades públicas e particulares acrianas, bibliotecas públicas e escolares, órgãos de apoio a deficientes visuais, além de instituições similares fora do Acre. São oitenta páginas impressas em fonte ampliada para pessoas com baixa visão e, também, em Braille, para pessoas cegas.

 Ao disponibilizar um texto em tinta (fonte ampliada) e em Braile, o autor permite que não só pessoas videntes usufruam do assunto. Ou seja, com essa proposta inclusiva, o professor Milton Francisco age em prol da visibilidade social de deficientes visuais, contribuindo para a inserção de portadores de baixa visão/cegos em uma cultura letrada. Importante frisar que o principal público alvo do livro são pessoas com baixa visão/cegas, mas nada impede a leitura por parte das pessoas videntes, a maioria da população.

 Foi meio assim: canção de protesto é uma reflexão/análise sócio-histórica e linguística de canções ditas de protesto, compostas por artistas brasileiros em plena ditadura militar, precisamente, nas décadas de 60, 70 e 80. É um período obscuro da história do Brasil sobre o qual os livros de história ainda têm pouco a dizer, sobretudo devido à escassez de documentos sobre o regime militar, mas que a historiografia brasileira se pronuncia a duras penas, a partir de depoimentos de “sobreviventes” que participaram de movimentos a favor da liberdade de expressão no Brasil.

 Milton Francisco faz uma reflexão geral das canções de protesto e uma análise do(s) discurso(s) das canções a partir de uma perspectiva sócio-histórica. O autor afirma que seu trabalho “é uma reflexão especulativa por se tratar de um assunto (ditadura militar brasileira) ainda pouco conhecido, pelo fato de muito do que ocorreu e do que se registrou durante a ditadura militar no Brasil ser, ainda, desconhecido”.
Para a análise das canções, o autor opta, preferencialmente, pela gravação durante o regime ditatorial, quer do compositor, quer de outro intérprete. Isso para poder identificar o diálogo entre as canções analisadas e o contexto da ditadura. [Trazer BOX do final.]

 Poder-se-ia dizer que o livro do professor Milton é mais um entre tantos que analisam canções a partir de abordagens teóricas quaisquer. No entanto, diferentemente de muitos trabalhos analíticos em torno da canção que veem a poesia cantada como um fenômeno em si mesmo e com função puramente utilitária, Foi meio assim: a canção de protesto analisa as canções de protesto como pertencentes a gêneros textuais. Esses gêneros permitem a criação/inserção de um tipo de linguagem artística que metamorfoseia construções sintáticas de variedades linguísticas populares em um conjunto de redes simbólicas interligadas em torno de um ou vários temas.

 A música de protesto no Brasil é vista nesse livro como uma manifestação cultural que contesta o status quo. Contestar o status quo não é simplesmente mostrar/descrever de uma maneira maniqueísta e muitas vezes moralista o que é caracterizado como “certo” ou “errado” dentro de um paradigma judaico-cristão. Contestar – como uma ação diante de um modelo negado por um(uns) grupo(s) – reflete a indignação e não acomodação diante de um modelo opressor que tenta se perpetuar no poder promovendo barbáries institucionalizadas como a tortura.

 Nesse contexto de repressão, as canções de protesto foram declarações artísticas contra o regime ditatorial no Brasil, contribuindo para o entendimento do que seria um dos piores momentos políticos brasileiro, principalmente para os grupos artísticos. Para tanto, seus compositores usavam de pseudônimos e metáforas que dificultavam a prévia interpretação dos órgãos repressores.

 A leitura do livro Foi meio assim: a canção de protesto é interessante para especialistas no assunto, mas também para o público em geral que queira conhecer um tipo de manifestação artística que ajudou a população brasileira a entender o que estava acontecendo no interior dos muros erguidos pela ditadura militar.

BOX
Canções analisadas:
Opinião, de Zé Keti, de 1965.
Roda viva, de Chico Buarque, de 1967.
Caminhando, de Geraldo Vandré, de 1968.
 Apesar de você, de Chico Buarque, de 1970.
Agnus Sei, de João Bosco e Aldir Blanc, de 1972.
Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, de 1973.
Abre alas, de Ivan Lins, de 1974.
Casa de Marimbondo, de João Bosco e Aldir Blanc, de 1975.
Como nossos pais, de Belchior, de 1976.
Maninha, de Chico Buarque, de 1977.
Plataforma, de João Bosco e Aldir Blanc, de 1977.
O Ronco da Cuíca, de João Bosco e Aldir Blanc, de 1983.
Vai passar, de Francis Hime e Chico Buarque, de 1984.

*Shelton Lima de Souza
Universidade Federal do Acre (UFAC)

 

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