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Ministério da Educação na contramão da história

O Brasil é um país que brinca com a educação. Não é, definitivamente, um país sério. Prova disso é esse logro que faz o Ministério da Educação contra os estudantes, quando utiliza o Programa Nacional do Livro Didático para distribuir 485 livros ensinando os alunos a falarem de forma errada a língua portuguesa. Este livro, “Por uma vida melhor”, da coleção “Viver, aprender”, faz a defesa do uso da língua popular, embora ela contenha muitas incorreções. Seus autores argumentam que o conceito de se falar certo ou errado deve ser alterado para adequado ou inadequado. Eles desprezam a gramática e o padrão culto, erudito da Língua Portuguesa. Em trechos da obra, há afirmações escandalosas, por exemplo, na pergunta: “Posso falar “os livro?” Resposta: “Claro que pode”. Outras frases citadas e consideradas válidas são “nós pega o peixe” e “os menino pega o peixe”. Heloisa Ramos, uma das autoras do livro, entrevistada pelo Jornal Nacional, afirmou que não se aprende a língua portuguesa decorando regras ou procurando palavras corretas em dicionários. E se aprende falando “Nós pega o peixe”?!

Absurdo uma professora universitária induzir alguém a acreditar que o ensino do vernáculo ficará melhor ao se desprezar o uso da gramática e dos bons dicionários. Que ela acredite nisso é menos mal, agora que o Ministério da Educação abrace essa absurda idéia, aí a coisa se complica. Que Ministério é esse, afinal? Quando o culto a língua vernácula deixar de ser prioridade num país, melhor será fechar as escolas.

 Afinal, a escola não serve mais para o culto do saber institucionalizado, a preservação e o respeito à literatura, aos bons escritores. Então, a linguagem não é mais requisito para a ascensão social dos cidadãos?
Durante minha vida já convivi com pessoas de variadas formações. Conversei com seringueiros, pescadores, agricultores, madeireiros, gente que desconhece o mundo da escrita. Gente nobre, do mais alto valor humano. Apreciei conversar com essas pessoas, aprendi tantas coisas, jamais censuraria a forma como se expressam, afinal essa gente não teve o privilégio de freqüentar nenhuma escola, além daquela da vida difícil. Logicamente, censurá-los seria estupidez, discriminação, preconceito. Da mesma forma ninguém tem o direito de ensiná-los a dizer “Nós pega o peixe”, “Nós vai”, utilizando um livro que custou um dinheirão para contrariar todos os princípios e regras da gramática portuguesa. É preciso ter respeito pelo povo brasileiro.

Admite-se que um artista, um escritor componha uma canção, escreva um conto ou um livro, usando expressões populares, que seriam incorretas desde o ponto de vista formal, ou colocando-as em boca de seus personagens ou mesmo inventando neologismos que não existem no dicionário. A escrita magistral de Guimarães Rosa, a poesia de Adélia Prado, os sambas de Adoniran Barbosa, entre outros, exemplificam a riqueza a que faço referência. É outra situação, outro contexto, é um trabalho grandioso que fazem com a linguagem enquanto obra de arte.

Mas não é isso que faz o Ministério da Educação e tão pouco essa professora. Trata-se de um livro didático, distribuído pelo órgão governamental que deve cuidar do aprendizado da língua portuguesa falada no Brasil, e que faz a defesa da linguagem incorreta, ensinando jovens a falar mal o idioma pátrio. Que iguais e democráticas chances de competição terão esses jovens na vida profissional, principalmente na área dos concursos públicos? Como vão eles enfrentar os jovens da classe mais abastada, oriundos de escolas padrão classe A, onde se ministra a gramática oficial? O que vai acontecer com o candidato, que na prova de seleção, em qualquer empresa privada ou certame público, grafar uma frase com expressões tais como “posso falar os livro?”, “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”? Eles não serão, simplesmente, as pobres “vítimas de preconceito linguístico”, como está no livro. Esses jovens vão tomar ‘um pé na bunda’ e perder a chance do emprego e de um futuro melhor.

Com todo respeito e sem nenhum sentimento de superioridade e arrogância, “Nós pega o peixe” não dá para aceitar. Se a educação já é o problema número 1 do Brasil, com vistas ao seu futuro, se os responsáveis por ela começarem a ensinar a escrever e falar errado, onde vamos parar? Esse livre deve ser recolhido e queimado. O ministro, que fez a distribuição, deve ser punido, severamente, pela Lei. Afinal, faz mal uso do dinheiro da nação. Povo sem cultura ou cultura muito “flexível” é tudo o que quer a classe política instalada há décadas no Brasil. Essa é a arma que eles utilizam para manter seus cabrestos e feudos políticos. Talvez por isso queiram enfiar em nossas cabeças que “nós pega peixe”. Só não podem esquecer é que “nós também vota!”

DICAS DE GRAMÁTICA
NÓS PEGA O PEIXE, ESTÁ CERTO, PROFESSORA?
– Segundo o padrão culto da língua portuguesa, aquele ensinado nas escolas, está errado. O pronome “Nós” exige o verbo na terceira pessoa do plural: Nós pegamos o peixe.

POSSO FALAR “NÓS VAI”?
– Poder você até pode, mas é forma condenável pelo padrão culto gramatical brasileiro. Nenhum concurso público, vestibular, Enem, vai aceitar isso como adequado. Então, o melhor é aprender a forma correta: Nós vamos; Os meninos; Os meninos pegam o peixe, etc.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá. Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pesquisadora Sênio da CAPES.

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